Após o sucesso de Õ Blesq Blom, os Titãs resolveram fazer um disco mais sujo, com ênfase em elementos orgânicos, numa espécie de volta à fase esporrenta de Cabeça Dinossauro e Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas. Para isso, dispensaram a produção de Liminha, se enfurnaram na casa do guitarrista Marcelo Fromer, e começaram os ensaios onde delinearam o que seria seu sexto álbum.
No documentário de mesmo nome do álbum, Paulo Miklos define todo o processo de construção do disco: “Pra começar, três meses trancafiados numa sala debaixo de um sol infernal. Depois, um mês e meio com as orelhas queimando dentro dos fones, gravando. Depois, mais um mês e meio, mais ou menos, pra mixar e conseguir encaixar todos os pedacinhos pra conseguir com que isso soasse da maneira como vocês vão ouvir.”
Para uma banda com oito integrantes, realmente não deve ter sido tarefa fácil a produção do álbum, principalmente porque sempre trabalharam com um produtor, em geral Liminha, guiando os trabalhos. Mas como a ideia era fazer um álbum de garagem sujo, com muitas guitarras, que soasse exatamente como eles imaginavam, prevaleceu esse espírito do “faça você mesmo”. Se o resultado final deixa a desejar no quesito qualidade de gravação/mixagem, impacta em termos sonoros, com uso mais intenso de riffs de guitarra, canções com pegada Rock’n’Roll (algumas quase Punk) e letras que vão da simplicidade da repetição, como em “Tudo ao Mesmo Tempo Agora” e “Obrigado”, até o escatológico como em “Isso Pra Mim é Perfume”.
Muita gente não entendeu a proposta do álbum (principalmente os críticos), outros ficaram envergonhados de tocar algumas canções, e outros se queixaram da qualidade da gravação. Mas a pergunta que talvez muita gente não fez é: os Titãs precisavam fazer esse álbum da maneira como foi feito?
Qualquer que seja a resposta ela será apenas uma suposição. A verdade é que TAMTA pode ser considerado um dos álbuns mais corajosos já produzidos na música nacional. Os Titãs poderiam tentar repetir a fórmula de sucesso do álbum anterior, preferiram jogá-la pro alto e fazer o oposto de tudo, seja em termos de produção ou direcionamento musical. Õ Blesq Blom é um álbum ótimo, muito bem produzido, diversificado; TAMTA é uma antítese ao seu antecessor, até uma espécie de desafio: fazer um álbum sujo nos diversos sentidos, mas mantendo a estética da banda.
O álbum tem uma ideia tão transgressor” que o normal seria começar, por exemplo, com “Uma Coisa de Cada Vez” (que está lá no final), mas começa de forma surpreendente com “Clitóris”. Uma microfonia inicial já prenuncia que algo diferente está por vir. Uma letra falando do órgão feminino de forma enfática com um refrão cantado a plenos pulmões por Paulo Miklos. Pense na cena: o sujeito pega o disco e coloca pra tocar em seu aparelho de som, na sala e já de cara a frase “Clitóris, clitóris, ah, clitóris”!.
Em quinze canções, o álbum desconstrói parte da imagem que ficou colada na banda após o disco anterior, incluindo aí o hit “Flores”, embora nem só de flores fosse feito. O belo trabalho de arte da capa, a cargo do artista plástico Fernando Zarif, capta de forma magistral o conceito interno do disco.
Tony Belotto, comentando o disco, falou em se (des)intimidar para compor as canções, pois nunca um álbum da banda teve tanta ênfase em guitarras. E a crueza do som se espalha pelas letras, com o octeto mantendo a capacidade de escrever sobre coisas tão simples, tão cotidianas, com sacadas geniais: seja na tribal “O Fácil é o Certo”, no suingue embalado por wah-wah de “Não é Por Não Falar” (com um jogo de palavras muito interessante com “em felicidade e infelicidade”), na simplicidade do Punk-Rock de “Obrigado”, no balanço de “Se Você Está Aqui” e também em “Uma Coisa de Cada Vez”.
O ápice da proposta “do it yourself” do disco está representado na letra de “Eu Não Sei Fazer Música”: “Eu não sei fazer música, mas eu faço. Eu não sei cantar as músicas que eu faço, mas eu canto…Ninguém sabe nada”. TAMTA era os Titãs buscando a espontaneidade em vários sentidos.
Não faltam as letras falando da hipociria das relações sociais, como na raivosa e irônica “Filantrópico”, sobre acumular raiva e rancor sob a máscara de normalidade; as situações surrealistas narradas em “Flat-Cemitério-Apartamento”; ou a busca do extravasamento para pôr fim às pressões cotidianas, cantada em “Saia de Mim”: “Saia de mim como suor tudo o que eu sei de cor. Saia de mim como excreto tudo que esta correto. Saia de mim saia de mim. Saia de mim como um peido tudo o que for perfeito”, outra das letras com teor explícito.
É possível encontrar também nas letras questões existenciais, presentes em “Eu Vezes Eu”, com uma pegada ao melhor estilo do Pixies, da ótima “Já”, uma das melhores do álbum, e a paranoia de “Cabeça”, que rememora “Cabeça Dinossauro”, do homônimo álbum de 1986. E “Agora”, uma das que mais lembra o Titãs de outrora, e que viria a ser regravada por Gal Costa.
TAMTA se tornou mais marcante também por ser uma transição para uma sonoridade mais pesada, influência do Grunge, que aconteceria em Titanomaquia (1993), já com a produção do experiente Jack Endino, conhecido por produzir bandas do gênero. E ainda por ser o último álbum com a presença do vocalista Arnaldo Antunes, autor de algumas das melhores letras, e que saiu em carreira solo posteriormente.
+++ Leia a crítica de ‘Breu’, do Lestics
Se na época de seu lançamento o álbum teve uma recepção bastante reticente, principalmente por parte da crítica musical (que cismou com o conteúdo das letras e a produção), não hoje, mas já há alguns anos, olhando em perspectiva, muitos o colocam entre os melhores álbuns da banda. Ou seja, sua força só veio a ser reconhecida tardiamente, o que é muito comum acontecer com grandes álbuns, principalmente aqueles mais transgressores.
Rock de verdade, poemas rockados, o que for. Um dos melhores da banda. Imperdível!
Concordamos contigo, Angelo. Obrigado pelo comentário.