A música indie no Brasil vive a pós-modernidade – e como sintoma disso – , seus músicos adoram ser pós-tudo. Tudo parece já ter alcançado seu maior potencial enquanto moderno e popular. A própria Música Popular Brasileira (que muitas vezes não foi e nem é tão popular assim) já ficou cansada de si mesmo como produto da pós-Tropicália. O que resta então é a assimilação dessa chamada MPB e de seus ícones pelos artistas que surgem no Indie-Pop em terras nacionais como uma espécie de pós-MPB.
É com certeza interessante como o termo indie tem se tornado tão ou mais abrangente quanto a urgência de classificar toda música com violão de nylon que não tenha cadência de Bossa Nova ou Samba como MPB. O fato é que a Ana Frango Elétrico é provavelmente a artista mais interessante a sair do Pós-indie/Pós-MPB/Pós-Rock/pós-moderno e pós-tudo que consome a cena no Brasil.
Gosto de saber que sua alcunha não é humor pós-moderno simplesmente pelo humor pós-moderno. Seu nome (de batismo) é Ana Faria Fainguelernt. Daí o Fainguelernt soa como Frango Elétrico, sabe? Não é tão pós-humor quanto parece.
Gosto também de observar a constância que faz que cada novo álbum lançado por Ana seja melhor do que o anterior. Existe, no nosso pós-tudo musical, uma certa autoconsciência reverberada que faz com que muitos músicos levem a sério demais o ímpeto de não se levar a sério demais no fazer artístico. Sinto que o álbum de estreia de Ana, Mormaço Queima (2018), sofreu com o peso de querer ser leve demais – pelo menos liricamente. O realismo surreal de refrões como “Como dói / No bico do mamilo / Um peteleco gelado” nunca chega a ser tão cômico quanto deveria ser. Isso, justamente, por querer ser cômico sem querer ser engraçado.
O seu segundo álbum, Little Electric Chicken Heart (2019) corrige isso com composições mais fortes e que sabem lidar melhor com a ironia em contraste às ideias musicais mais sofisticadas das canções. O crítico-influencer estadunidense Anthony Fantano o considerou um dos melhores do ano em que foi lançado. Assim como fez com o Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua (2023), que amplia e amplifica as qualidades do anterior de Ana. Apesar de eu, seu humilde interlocutor, ter preferido esse último, o Fantano deu um light 8 para os dois.
Fainguelernt (leia-se Frango Elétrico), porém, provou a força de seu novo álbum quando subiu no palco do Circo Voador (no Rio de Janeiro – capital) dia 27/01. As canções frescas foram as que mais se destacaram na noite de um dia que começou também mais fresco e esquentou com a abordagem exata e enérgica que Ana deu às suas versões ao vivo.
Ela entrou no palco vestida com uma capa de chuva e óculos de grau vermelho. Isso, em conjunto com seu cabelo, me fez lembrar mais da diretora francesa Agnès Varda do que do boy from Stranger Things a quem Ana se refere em uma das faixas do novo disco. O jeito com que se mexe no palco e suas roupas largas ainda remetem a uma espécie de Billie Eillish pós-tropicalista.
O popular não foge da música brasileira de Ana. Mesmo que seja o Pop estadunidense de Michael Jackson, Madonna e Prince, – artistas que ela citou como influências para seu último álbum. Isso se comprova em suas letras entoadas pelo público jovem e dançante que esgotou a venda de ingressos para o Circo. Ana é carioca como a maior parte das pessoas que estavam ali presentes. Nenhum lugar do mundo entende tão bem essa mistura de Pop, Rap, Funk e Jazz como o Rio de Janeiro.
A banda contava com backing vocals de Dora Morelenbaum, uma das vocalistas da banda mais controversa a surgir em tempos no Brasil, o Bala Desejo. Controversa por motivos um tanto torpes: mais um caso de banda/artista tomado como caricatura de determinado gênero. Isso aconteceu com o Cansei de Ser Sexy e seu Indie Eletrônico e clubber nos anos 2000 (vide a esquete “Bichinho de Matar com Pedra” do humorístico Hermes e Renato). Agora isso acontece com o Bala Desejo e a Nova MPB. Eles não deixam de ser culpados, porém. Carregam neles um saudosismo aos tempos da MPB setentista, áurea lúcida e translúcida de moradores da Zona Sul do Rio e, claro, nepotismo.
Interessante pensar que a Ana Frango Elétrico produziu o SIM SIM SIM (2022), único álbum do Bala Desejo, que já inclusive anunciou o término de suas atividades. Em comparação à estética tropicalista do grupo que produziu, Ana disse de sua própria carreira solo ao G1 que “É importante esse lugar do esteticamente novo. Independente de eu, musicalmente, ter idolatria e paixão por várias [referências como a] Tropicália”.
As coisas são realmente novas na música e no show da Frango Elétrico. O experimentalismo de seu primeiro disco se desenvolveu em um som original pelo qual jovens consumidores de música alternativa puderam se identificar na noite de sábado no Circo.
Luzes vermelhas iluminaram boa parte da apresentação com bonitas versões de “Insista em Mim” (para os apaixonados) e “Coisa Maluca” (para os love biters – ela usa muito o verbo “morder” em suas canções). Em “Dela”, o rapper JOCA, que participa da versão de estúdio, subiu ao palco. Um telão azul anunciou “Camelo Azul” e uma onda de cigarros Camel (azuis) foi atirada ao palco. Eu participei.
Em determinado momento no show aconteceu um leilão de um quadro que Ana pintou ali mesmo no palco. Pós-pintura? Pós-leilão? Seja o que for o público comprou. Um quadro simples de um cachorro com pinceladas de tinta colorida saiu pela bagatela de 1000 reais.
O que Ana Frango Elétrico anda fazendo parece parte de um bom momento na música brasileira. Um momento atual, presente e inovador. Uma coisa meio pós-passado. Meio pós-pós-tudo.
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