Se você é fã de cinema, acompanha o Oscar, mas não se importa muito com as 3 categorias que premiam os melhores filmes em curta-metragem, está mais do que na hora de corrigir isso.
Assim como nas categorias de maior “prestígio”, o Oscar sempre comete grandes injustiças ao premiar os curtas. O problema é que normalmente apenas os vencedores ganham mais visibilidade, então deixamos passar muita coisa boa. Não precisamos nem ir muito longe para evidenciarmos isso. Ano passado, por exemplo, tivemos obras-primas como Ice Merchants, Le Pupille e Stranger At The Gate perdendo o prêmio para filmes com bem menos substância, provando que os membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dificilmente acertam em qualquer modalidade.
Em detrimento disso, só nos resta assistir a todos os indicados e tirarmos nossas próprias conclusões. Pensando nisso, fiz o guia abaixo no qual listo todos os 15 indicados, separados por categoria, seguindo uma ordem pessoal de preferência e acompanhados das minhas respectivas opiniões.
MELHOR CURTA-METRAGEM
Red, White and Blue
Direção: Nazrin Choudhury
Duração: 23 minutos
Uma garçonete pobre, mãe solteira de dois filhos pequenos, descobre mais uma gravidez indesejada e cai na estrada pra tentar fazer um aborto legal em outro estado.
A habilidosa diretora e roteirista estabelece uma trama que parte de uma situação cliché e até brinca um pouco com a previsibilidade disso, mas aos poucos vai quebrando todas as expectativas e revelando uma história muito mais surpreendente e chocante do que o esperado.
A curta duração não compromete em nada todo o peso emocional que o filme deseja passar, o que só ratifica a qualidade do projeto. Esse me partiu em mil pedaços. Filmaço!
The Wonderful Story of Henry Sugar
Direção: Wes Anderson
Duração: 37 minutos
Melhor filme do visionário diretor Wes Anderson nos últimos 4 anos. Trata-se de um dos 4 curtas que ele lançou no ano passado baseado nos contos de Roald Dahl.
Os enquadramentos milimetricamente simétricos, o narrador quebrando a quarta parede e a iluminação e os cenários teatrais – marcas registradas do diretor – estão todos aqui, porém o que diferencia esse projeto é o texto curioso de Roald Dahl sobre um sujeito que consegue desenvolver a habilidade de ver sem usar os olhos.
Não é o meu favorito dentre os indicados, mas a vitória dele é praticamente certa por conta do nome de peso do diretor.
Invincible
Direção: Vincent René-Lortie
Duração: 30 minutos
Baseado em uma história real, o filme narra as últimas 48 horas da vida de Marc-Antoine Bernier, um garoto de 14 anos, menor infrator cumprindo pena e sua busca desesperada pela liberdade.
O diretor/roteirista utiliza o recurso manjado de começar o filme pela cena final extremamente tensa e consegue atiçar a nossa curiosidade sobre o que levou aquele jovem até aquela situação. Porém existe um certo distanciamento que me incomodou, assim como a falta de informações básicas sobre o personagem central.
O recorte é mínimo, apenas dois dias, mas qual recorte seria o ideal pra retratar uma existência tão curta?
Knight of Fortune
Direção: Lasse Lyskjær Noer
Duração: 25 minutos
Na trama, acompanhamos um senhor que vai velar o corpo de sua falecida esposa numa casa funerária e lá conhece um estranho que o faz repensar a sua própria dor. Interessante como esse filme faz rir em um ambiente normalmente muito triste.
É como se o diretor tentasse provar o quanto somos bobos por levarmos a morte tão a sério. Apesar de personagens interessantes, não houve conexão em momento algum da história. Algumas piadas são ótimas, porém o filme é esquecível.
The After
Direção: Misan Harriman
Duração: 18 minutos
Apesar dos esforços do excelente ator David Oyelowo, esse curta parece um emaranhado de situações forçadas. Na história, um pai perde esposa e filha tragicamente. Algum tempo depois, trabalhando como motorista de aplicativo, entra em seu carro uma família como a que ele tinha, abrindo ainda mais suas feridas.
Um drama sobre um luto tão intenso acaba sendo desproporcional ao formato adotado.
Simplesmente não funciona.
MELHOR DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM
The Last Repair Shop
Direção: Kris Bowers e Ben Proudfoot
Duração: 39 minutos
O poder da música transformar vidas sempre exerceu um grande fascínio sobre mim. Essa é a história de vida dos restauradores que trabalham em uma das últimas oficinas estadunidenses a oferecer consertos gratuitos de instrumentos musicais para alunos de escolas públicas, um serviço contínuo desde 1959.
Pena que o filme estabelece isso de maneira truncada e pouco imersiva, principalmente devido ao excesso de edição. Tantos cortes e voice overs desnecessários acabam nos tirando de depoimentos fortíssimos em detrimento de uma maior pretensão comercial.
Mas as histórias inacreditáveis dos reparadores de instrumentos e de alguns alunos beneficiados por isso estão lá e elas são muito tocantes.
O concerto final é a cereja do bolo. Viva a música e aos que fazem ela possível e acessível a todos!
Nai Nai & Wài Pó
Direção: Sean Wang
Duração: 17 minutos
O diretor faz uma singela carta de amor ao se debruçar sobre duas personagens idosas cativantes (as avós dele) e cria um belo memorial para apresentar um pouco do que elas foram, o que ainda são e o que serão no futuro, mesmo quando não estiverem mais aqui.
Filme muito fofo e bastante emotivo sobre a efemeridade da vida, mesmo quando se vive muito tempo.
The ABC’s of Book Banning
Direção: Trish Adlesic, Nazenet Habtezghi e Sheila Nevins
Duração: 27 minutos
Filme com excelente pauta a respeito da proibição absurda de mais 2.500 livros das bibliotecas escolares nos EUA. Pena que a discussão aqui é tão rasa e improdutiva que parece que foi feita com medo de represálias.
A ideia de ceder alguns dos livros banidos para algumas crianças lerem e depois colher os respectivos depoimentos delas foi ótima, pena que o excesso de edição e cortes acabou podando muito as vozes daqueles que são os mais afetados pelo assunto.
Filme corajoso por levantar o tema, porém covarde em sua execução.
The Barber of Little Rock
Direção: John Hoffman e Christine Turner
Duração: 35 minutos
Filme sobre segregação financeira baseada em raça e sobre um dos únicos agentes de mudança desse cenário: a iniciativa privada. Ou seja: absolutamente nada de novo!
Embora seja sempre interessante e louvável evidenciar este tipo de personagem, o filme falha em desenvolver empatia para com o protagonista, pela simplificação de sua própria trajetória, indo do início ao fim, mas pulando o meio do processo. Até mesmo as dificuldades dele são descartadas em prol do estabelecimento uma narrativa de homem empreendedor caridoso, socialmente responsável e de sucesso.
O documentário acerta quando volta suas lentes aos relatos daqueles que foram beneficiados pelo projeto e que deveriam ter muito mais tempo de tela.
Ótima iniciativa, filme mediano.
Island in Between
Direção: S. Leo Chiang
Duração: 20 minutos
Taiwan parece um lugar esquecido pelo tempo. Uma ilha democrata que faz fronteira com a china comunista nesse tocante documentário sobre o isolamento estupido que só a guerra, a pandemia ou os resquícios dela, podem fazer.
O único documentário da competição cujo protagonista é um lugar ao invés de pessoas e talvez por conta disso, passa a impressão de estarmos diante de uma obra estéril, embora eu entenda perfeitamente o peso das memórias afetivas do diretor. Sem dúvida, a melhor fotografia da competição.
MELHOR ANIMAÇÃO EM CURTA-METRAGEM
Pachyderm
Direção: Stéphanie Clément
Duração: 11 minutos
Como todo verão, Louise fica com seu avô na casa de campo por alguns dias durante as férias. Mas esse verão está esquisito. Vai ter neve e um monstro vai morrer.
Belíssimo, angustiante e extremamente poético filme sobre memórias infantis sendo revistadas e ressignificadas por uma mulher adulta.
As sequências dela se “escondendo” em meio as flores de um papel de parede ou sendo puxada por várias mãos para o fundo do rio são literalmente de tirar o fôlego! Uma história terrível sobre a violência silenciosa de um trauma que de alguma forma não precisa mais se calar.
Letter to a Pig
Direção: Tal Kantor
Duração: 17 minutos
Curta de animação sensível e impactante, com técnica que mistura imagens reais contornadas por traços em grafite e cenários com detalhes em CGI.
Um idoso conta para adolescentes numa escola como foi que ele escapou da perseguição nazista se escondendo num chiqueiro quando tinha a idade deles e esse relato leva uma das adolescentes a embarcar em uma espécie de sonho lúcido, reimaginando aquela história através de suas próprias questões e medos.
Filme brutal e muito sensível sobre os medos coletivos que carregamos.
Ninety-Five Senses
Direção: Jared Hess, Jerusha Hess
Duração: 13 minutos
Um idoso no corredor da morte aguarda a execução de sua sentença e repensa os pontos chave de sua vida fazendo uma espécie de ode aos cinco sentidos do corpo, mesmo que agora tenha pouquíssimo tempo para aproveitá-los.
Com temática pesada e reflexiva o filme é competente em estabelecer o estudo de personagem, um assassino condenado, sem focar nas habituais falhas de caráter. A mensagem que permanece em traços finos e cores abundantes é a de uma vida desperdiçada e sem sentido, mas não sem sentidos.
Pena que o filme carece de sutileza e peca pelo didatismo em excesso.
War Is Over!
Direção: Dave Mullins
Duração: 11 minutos
Com roteiro baseado na música homônima e imortal de John Lennon e Yoko Ono e roteirizado por Sean Lennon em parceria com o diretor, que por sua vez, já fez inúmeras animações para a Pixar, o filme com a maior “grife” da competição tem um CGI que, obviamente, remete ao estilo Pixar, porém com uma inesperada pitada de violência.
Apesar das melhores intenções, o filme decepciona ao contar uma história com mensagens óbvias e metáforas rasas sobre as relações que seriam possíveis entre inimigos de guerra caso não houvesse… a guerra!
Quando a música toca na cena final, – “Então é Natal e o que você fez?” ao invés de emocionar, acaba causando risos involuntários, devido ao significado natalino que a mesma adquiriu com o tempo.
Filme esquecível, porém o prêmio já está praticamente nas mãos dele.
Our Uniform
Direção: Yegane Moghaddam
Duração: 7 minutos
Trata-se de um filme baseado nas memórias de uma mulher iraniana, contada literalmente através de seu uniforme do colégio, dentre outros tecidos e fardas sobre os quais os desenhos vão sendo aplicados.
Interessante notar como o curta evidencia que as roupas usadas pelas mulheres iranianas trazem sentimentos contrários à liberdade.
O conceito da animação é muito inteligente e inovador, mas parece incompleto em sua execução e acaba ficando só no terreno das boas ideias e intenções.
Onde conseguiu assistir todos os filmes?