“The Outsider é um híbrido de mistério e horror em adaptação elegante e de difícil digestão”
Um dos grandes trunfos de produções de terror/horror/fantástico é brincar com o espectador. A brincadeira consiste em fazer o protagonista passar por situações que questionam a própria sanidade mental, chegando a gerar uma certa desconfiança de todas as pessoas que estão a sua volta. Ninguém acredita nele, que sozinho tem que enfrentar esses ditos demônios físicos ou psicológicos. Dentro dessa premissa, como explicar um crime cometido por uma pessoa que estivesse em dois lugares ao mesmo tempo?
Baseado no romance The Outsider de Stephen King, a série de mesmo nome desembarcou no Brasil no inicio do ano como uma das apostas de sucesso da HBO, sucedendo outras apostas que deram certo, como Watchmen e His Dark Materials. A série tem início com a investigação de um crime bárbaro contra uma criança cujo corpo é encontrado na floresta que rodeia Cherokee City, numa pequena cidade da Georgia, onde todos os moradores se conhecem.
As evidências recaem sobre Terry Maitland (Jason Bateman), professor de Educação Física e treinador do time juvenil de basebol local. Todos os elementos indicam para a prisão de Maitland, inclusive um exame de DNA. No entanto, o treinador não se encontrava nos arredores da cidade no dia do crime e existem provas que comprovam a sua ausência. A investigação é liderada pelo detetive local Ralph Anderson (vivido com excelência por Ben Mendelson), juntamente com uma força policial, e amparada pelo promotor de justiça Michael Esper, que tem seus próprios motivos para condenar Maitland.
O seriado começa como um drama policial. A acusação tem todas as provas e as convicções necessárias para prender o acusado, e assim o faz; e a defesa em provar que o réu é inocente. O espectador é amarrado nessa teia, e por mais que concorde que todos os indícios sejam que Maitland é o culpado pelo crime, fica faltando um fator nessa equação. Se o treinador cometeu o crime, e estava em outro lugar ao mesmo tempo, quem seria esse seu Doppelgänger? Por mais que a investigação avance, e não se pode contar spoilers sobre todo o processo que vem pela frente, Ralph Anderson fica perplexo com o forte álibi de seu principal suspeito, e se questiona a todo momento sobre os atos que o levaram até aquela situação.
O início é semelhante ao de outra série de sucesso do canal The Night Off, que tinha como pano de fundo um crime sem explicação e víamos com a justiça atua nesses casos. Diferentemente de The Night Off, em The Outsider o fator sobrenatural é um elemento presente, e aí que está toda a sua força, levando a questionar todos os envolvidos, inclusive o próprio réu. São 10 episódios, que de alguma forma incomodam ao espectador, não pela qualidade, mas pela premissa. A maneira como as pessoas reagem à dor da perda é basicamente o plot dos primeiros episódios.
Como já é de praxe, os programas produzidos pelo canal HBO, são de dar inveja a muitos filmes. Richard Price, que tem no currículo as excelentes The Deuce e The Night Off, está no comando criativo da série. Price é um roteirista acostumado a trabalhar com temas difíceis.
Os episódios tem praticamente a mesma estética, indo desde a fotografia a trilha sonora, mesmo com mudanças na cadeira dos diretores. Destaque aqui, mais uma vez para Jason Bateman, dirigindo dois episódios, como já havia feito em uma outra série também estrelada por ele The Ozark.
A atmosfera é tomada por um tom cinzento, e com pitadas de verde doentio, trazendo um certo incomodo e inquietação, o que contribui para que o espectador fique mais imerso na trama.
Por mais que a fotografia seja bela, o tom de tristeza é transmitido e sentido pelo espectador. A impressão é que vemos um longo filme dividido em 10 partes. O personagem principal sempre é mostrado em lugares que demonstram um vazio existencial, que será descoberto a medida que a série avança.
Os episódios são apresentados de forma cadenciada, apresentando os personagens um a um, e a retratação dos seus mundos através da música e da fotografia dizem muito sobre o momento em que estes estão passando, trabalho excelente, por sinal.
As atuações são excelentes, os diretores conseguem extrair o melhor de seus atores. Dentro dessa perspectiva, temos a oportunidade de ver Ben Mendelson, em um papel que foi feito para ele. Sempre acostumado a fazer vilões nas telas, aqui ele surge como um personagem atormentado, que vive um luto eterno. Com muitos silêncios, ele dá vida a um personagem torturado pela possibilidade de ter prejudicado a vida de uma família com a prisão de seu patriarca. O sentimento de sofrimento de Anderson é perceptível em cada olhar, ou na forma como pronuncia qualquer palavra. A forma como o ator interage com sua esposa Jeannie (Mare Winningham) é digno de ser reconhecido como das melhores performances do ano da TV americana, provavelmente seu melhor trabalho dramático até o momento.
Há que se reconhecer também o trabalho de outros atores muito eficientes. Julianne Nicholson, que vive a esposa de Maitland, Mercy, que tem que lidar com a desconfiança de toda uma cidade sobre seu marido e a sua própria. Bill Camp, que vive Howie Gould dando vida ao advogado da família Maitland. Mas, de todos os personagens, nenhum supera Cynthia Erivo, que interpreta Holly Gibney, personagem tipicamente característico de Stephen King, com sua forma diferente de enxergar o mundo que a cerca e com uma visão mais holística das coisas.
A personagem funciona como um elo de mudança do tom policial para o tom sobrenatural. Suas capacidades e características lembram personagens como John Coffey de A Espera de um Milagre, Danny Torrance de O Iluminado e Doutor Sono, e até mesmo Duddits, de O Apanhador de Sonhos. É uma personagem incompreendida por ser, digamos, diferente e enxergar outras nuances da vida. Essas “características especiais” permitem que Holly comece a desvendar o crime. Sua personagem traz um contraste com Bill, jpá que enquanto ele é totalmente racional, ela vive a dualidade entre racional e o inexplicável, trazendo uma certa “luz” para os envolvidos na investigação. Uma personagem fascinante!
Como toda produção derivada de um livro de Stephen King, sempre há questionamentos sobre os finais, algo que aconteceu em tom de piada em It – Capítulo 2. O que se percebe é que por mais que se queira um bom final para seus livros, o que importa não é o final, mas a caminhada como um todo. A evolução dos personagens de King é uma característica que o escritor trabalha como ninguém.
A temporada chega ao fim de uma forma muito satisfatória, o tom lúgubre já falado anteriormente que permeia todos os episódios dá lugar a pelo menos uma ponta de esperança por tudo que aconteceu ao longo da temporada. Ver o processo de evolução de um personagem tão rico em nuances e representado tão bem por Ben Mendelson é algo que impressiona.
Deve-se salientar, ainda, que por mais que Stephen King use do elemento sobrenatural em seus trabalhos, o mais interessante é a maneira como ele constrói as relações entre seus personagens, poucos conseguem fazer isso: o terror está presente nas pessoas e não em monstros!
NOTA: 8.8
NOTA DOS REDATORES:
EDUARDO JULIANO: –
EDUARDO SALVALAIO: –
LUCIANO FERREIRA: 8,5
MARCELLO ALMEIDA: –
MÉDIA: 8,7
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:: FICHA TÉCNICA:
Temáticas: Crime, Thriller, Drama
Emissora (EUA): HBO
Temporadas: 1
Episódios: 10 (cada um com um tempo de 60 minutos aproximadamente)
Criador da série: Richard Price
Produtores executivos: Jason Bateman, Marty Bowen, Michael Costigan
Elenco: Ben Mendelsohn, Cynthia Erivo, Jason Bateman, Bill Camp e outros
Censura: 16 anos
Avaliações: IMDB: | Rotten Tomatoes
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