Era início de 2018 e o quarteto curitibano Terraplana tinha feito sua estreia pouco tempo antes, no finalzinho de 2017, com o EP Exílio. A arte da capa por si só já chamava a atenção: a imagem de um prédio captado de baixo para cima, sob um céu cinza. A música surgia não menos chamativa, mostrando tudo aquilo que se espera de uma banda que bebeu nas melhores influências do Shoegaze: guitarras no talo, baixo profundo e vocais masculino/feminino soterrado por uma muralha distorcida, como uma chuva ácida inundando os tímpanos graciosamente, enquanto lá ao fundo uma guitarra melódica, iniciada na introdutória “Intro”, vai aos poucos sendo soterrada nos primeiros momentos de “Ambedo”.
Ao longo de seis canções e menos de vinte minutos, o jovem quarteto dava seu recado. Exílio, como cartão de visitas, deixava claras as intenções da banda: aquela dicotomia entre um lado de texturas sonhadoras e outro de paredes de distorção, ambas sufocando o ouvinte de formas diferentes.
Pula para 2023. O grupo, que parecia ter entrado num hiato, de surpresa vai soltando pistas de que tem novidade vindo, e inicia a divulgação de mais um trabalho, agora em parceria com o selo Balaclava Records. Na verdade, nem tem tanto tempo assim que a banda não mandava notícias musicais. Faz aproximadamente (apenas) dois anos que eles soltaram uma versão barulhenta para “Na Sua Estante”, canção de Pitty, que ganhou uma atmosfera própria do grupo: “combinou perfeitamente com o nosso som e o novo arranjo foi bem natural pra gente”.
Voltando. Com single lançado no dia 24/01, “Conversas” (que entrou em nossa Playlist de Destaques 2023), e um álbum de estreia agendado para março: Olhar Pra Trás, algumas perguntas surgiram. Uma delas: Por onde teria andado aquele grupo que há quase seis anos atrás estreou de forma tão surpreendente e promissora? “Fizemos vários shows depois de lançarmos o EP e sempre miramos na produção do nosso primeiro álbum, mas a pandemia atrasou muito esse processo”, explica Vinícius Lourenço, guitarrista e vocalista da banda, que é completada por Stephani Heuczuk (baixo e voz), Cassiano Kruchelski (voz e guitarra) e Wendeu Silverio (bateria).
Enquanto Olhar Pra Trás não chega até nossos ouvidos, e tentando desvendar algumas questões, enviamos algumas perguntas para a banda, que já havia “conversado” conosco em 2018, e agora falam um pouco mais sobre esse hiato discográfico de mais de cinco anos e o que se pode esperar do álbum de estreia, que eles mantém sob certo segredo.
Vocês bateram e correram? Brincadeiras à parte, a ideia que me ocorreu foi tipo: lançaram o EP ‘Exílio’ no final de 2017, obtiveram uma boa repercussão, fizeram alguns shows e, de repente sumiram. Qual o resumo desse hiato entre o EP e o álbum de estreia que sai em março?
Vinícius: Fizemos vários shows depois de lançarmos o EP e sempre miramos na produção do nosso primeiro álbum, mas a pandemia atrasou muito esse processo. A gravação do álbum acabou acontecendo só em 2022, e não em 2020 como inicialmente planejado. Mas, de qualquer forma, nunca ficamos totalmente parados: quando não podíamos ensaiar, fazíamos as composições a distância e bolavamos outras coisas pra manter a banda viva, como produção de camisetas e merch num geral.
Claro, nesse meio tempo teve a versão de “Na Estante”, de Pitty. E antes de entrarmos no álbum de estreia, uma curiosidade: Dentre tantas canções possíveis para uma versão, o que levou vocês a escolherem essa?
Vinícius: Antes de definirmos Na Sua Estante, testamos algumas músicas do Charlie Brown Jr, Fresno, NX Zero e até Milton Nascimento. Acabou que com a música da Pitty foi de primeira, combinou perfeitamente com o nosso som e o novo arranjo foi bem natural pra gente.
Então, o álbum “Olhar pra Trás” sai no dia 01/03 pela Balaclava Records, conforme vocês começaram a divulgar nas redes sociais. Corrijam se estiver errado, mas parece que dessa vez vocês resolveram fazer um caminho de divulgação diferente, aparentemente mais consistente…
Vinícius: O nosso primeiro EP foi um processo de bastante aprendizado, algumas coisas não podíamos fazer na época em questão de divulgação (até porque a banda não existia antes, ninguém conhecia, não tínhamos nenhuma experiência), então pegamos tudo que aprendemos e estamos aplicando pro nosso primeiro álbum, além de contar com a imensa experiência da Balaclava em todas essas etapas.
Vocês mantiveram o processo de gravação caseiro? O que podem falar sobre as gravações: local, quem produziu, mixou o álbum, quando ficou pronto?
Vinícius: O processo de gravação mudou completamente. As demos iniciais tínhamos gravado e mixado em casa, como as músicas do EP, mas sentíamos a necessidade de subir um pouco o nível da produção… então gravamos no Nico’s Studio aqui em Curitiba, produzindo com o Gustavo Schirmer. Já tínhamos noção do trabalho dele e do estúdio por conta de outras bandas como Terno Rei e Marrakesh, então acabou que funcionou super bem. Quem fez a mix e master foi o Nico Braganholo, que também mixou as bandas que comentei. Ficou pronto no final de 2022, por isso preferimos guardar e lançar com calma agora nesse ano.
O que levou a escolherem a faixa “conversas” como primeiro single?
Vinícius: Acho que ela é uma música que apresenta a banda muito bem, faz o paralelo do nosso som já lançado com algumas coisas que estão presentes só no álbum novo.
Vai ter lançamento físico do álbum ou apenas digital?
Vinícius: Não definimos ainda, mas sonhamos em produzir algumas cópias em vinil.
Algo inusitado a ser apresentado nesse novo trabalho que possam antecipar? E, aproveitando, vocês acham que o desafio de qualquer artista é conseguir surpreender?
Cassiano: Acho que de inusitado dá pra citar a participação de algumas pessoas com arranjos e partes em algumas músicas, como do nosso produtor, Gustavo Schirmer com alguns pianos e sintetizadores e também do membro de uma banda que gostamos muito com um spoken word na última música. Não sei se surpreender, mas conseguir fazer algo que seja musicalmente tão bom ou melhor que os lançamentos passados enquanto transmite emoção nas músicas e se conecta com as pessoas que estão ouvindo.
E sobre o enfoque musical? Já se vão mais de cinco anos desde Exílio, então a gente imagina que nesse meio tempo vocês devem ter absorvido muita coisa no quesito musical e extramusical que pode ter influenciado no resultado.
Cassiano: Com certeza. Desde o lançamento de Exílio muita coisa aconteceu na vida da banda como um todo e também individual de cada membro, e isso sem dúvidas causa mudanças pessoais que refletem nas músicas que escrevemos. Além disso, nesse tempo todo a gente ouviu muita coisa nova. Algumas dessas coisas são denominadores comuns para todos na banda, mas também cada um se aventura por caminhos musicais que ajudam a trazer elementos singulares para o conjunto.
Quais as expectativas de vocês em relação a recepção do álbum? Acreditam que parte do público da banda pode ter “perdido o bonde”, se dispersado?
Cassiano: A gente nunca sabe o que vai acontecer, né? Mas estamos otimistas em relação ao álbum, trabalhamos por muito tempo nessas composições e produzimos com uma equipe que confiamos muito, estamos muito satisfeitos com o resultado e ansiosos para lançar isso pro mundo com todo o apoio que estamos recebendo do selo! Em relação ao público, não conseguimos medir muito bem isso, mas sempre tivemos gente ouvindo e conhecendo a banda durante todos esses anos, e claro que muitas pessoas podem ter perdido o interesse, mas ao mesmo tempo muitas pessoas novas conheceram nossa música. Esperamos que nosso novo álbum encontre as pessoas que se perderam da gente no caminho e que faça a gente chegar em pessoas que nunca tinham ouvido falar da gente antes.
Finalizando, uma pergunta que vai parecer inusitada: Vocês tem alguma fixação por geometria? É que analisando as capas de Exílio e de “Na Estante”, a gente encontra facilmente essa imagem do triângulo. E na foto de divulgação do álbum vocês também parecem estar em pé dentro de um.
Cassiano: Não, não. Foi só coincidência mesmo.
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