Com um nível de execução e de dificuldade técnica extremos, um protagonista que mal fala e um roteiro que preza pela simplicidade de apresentar quase a mesma história dos três filmes anteriores, o assassino mais letal do mundo, John Wick (Keanu Reeves) segue em sua tentativa frustrada de se livrar da vida de matador, voltando-se cada vez mais contra a cúpula da organização criminosa para a qual trabalhava e aumentando exponencialmente o preço por sua cabeça a cada minuto.
Muito tem se falado sobre como esta franquia revolucionou e revitalizou o cinema de ação e o próprio conceito de filme de ação em si. Tudo aponta para o surgimento de uma nova forma de fazer os filmes do gênero, numa narrativa que é repetida sempre que Hollywood precisa requentar algum gênero que já não estava mais rendendo tanto.
Toda essa falácia é até justificável, visto que não existem outros filmes explorando as mesmas nuances e técnicas atualmente, com algumas poucas exceções, é claro. Mas o grande diferencial é que, na verdade, filmes como este propõem ao público uma simples, porém estilosa, volta ao básico.
Se pudéssemos expurgar toda a violência contida em John Wick 4, veríamos que ele é a própria “reencarnação” das comédias físicas do cinema mudo. Sim, aqueles curtas metragens geniais repletos de acrobacias mortais que Buster Keaton costumava fazer no início do século passado ecoam aqui com toda a versatilidade de movimentos, cores e luzes incríveis, que as novas tecnologias de filmagem conseguem captar.
Outra característica inspirada por estes curtas antigos é o aspecto fantasioso, a ludicidade. Embora este não seja um filme literalmente lúdico, toda a mise-en-scène é viva. O trabalho exímio da fotografia sabe casar perfeitamente a iluminação quente, sinuosa e pulsante com os inúmeros figurantes, que continuam com suas vidas normais mesmo em meio a pancadaria, fazendo com que pareçam um gigantesco e belíssimo quadro mosaico em constante movimento. Vide as cenas no Arco do Triunfo e na boate em Berlim, nas quais tudo que não está em primeiro plano, seja um objeto ou uma pessoa, acabe virando cenário.
Tudo isso para passar a impressão de que estamos diante de um faz-de-conta, uma fantasia maximalista baseada no mundo real, mas que não segue exatamente as mesmas regras dele. Sendo assim, as leis da Física ganham passe livre para serem dobradas e reescritas apenas em detrimento de algum alívio cômico visual e principalmente, a favor do espetáculo.
Dirigido pela quarta vez pelo experiente coreógrafo de lutas e dublê Chad Stahelski, a franquia vai aprimorando sua fórmula única de filmar todo tipo de arte marcial e de lutas com armas brancas e armas de fogo ao contratar alguns dos melhores atores/lutadores em atividade, como os lendários mestres Donnie Yen e Hiroyuki Sanada.
Um artigo do The Wall Street Journal contabiliza que o protagonista interpretado por Keanu Reeves diz apenas 380 palavras durante as quase três horas de duração do filme, o que só reforça a inspiração no cinema mudo e evidencia as extraordinárias cenas de ação.
+++ Leia a crítica de ‘Trem Bala’, de David Leitch
Porém, a longa duração, felizmente, passa despercebida pelo público, embora a passagem do tempo seja um tema central para a trama. A referência a objetos como relógios e ampulhetas é recorrente e está desde o detalhe na gravata de John Wick no cartaz do filme, e assim segue da primeira até a última cena, denotando que existe um tempo para tudo: um tempo para o fim da paciência, para a implosão de um prédio, para um compromisso marcado ao exato momento do nascer do sol, anunciando a chegada de um novo dia e ressignificando até mesmo a própria existência.
John Wick 4: Baba Yaga é um filme que busca nos primórdios da sétima arte a raiz nua e crua do entretenimento mais básico, e a transveste de modernidade, e numa beleza plástica inofensiva, rasa e prazerosa diversão pipoca.
Título Original | Ano: John Wick: Chapter 4 | 2023
Gênero: Policial, Ação
País | Idioma: Estados Unidos | Inglês
Duração: 2:49 h
Classificação: 16 anos
Direção: Chad Stahelski
Roteiro: Shay Haden, Michael Finch e Derek Kolstad
Elenco: Keanu Reeves (John Wick), Aimée Kwan (Mia), Rina Sawayama (Akira), Laurence Fishburne (Bowery King), Bill Skarsgård (Marquis)e outros
Avaliações: IMDB | Rotten Tomatoes
No Comment