‘Jogos Vorazes – A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes’ aborda com pessimismo as inclinações humanas


Novo filme da franquia mantém intactas qualidades dos antecessores, mas poderia ser muito melhor

“Sorriam (mortos de fome)! Afinal é para isso que existem os dentes”

Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, o novo filme da franquia milionária “Jogos Vorazes”, é inegavelmente repleto de qualidades e possui um texto afiado, porém parte de sua força é drenada nos momentos em que é obrigado a focar num dos pilares que movem a história, o qual eu decidi livremente chamar aqui de: o arco do futuro vilão.

Se você viu os ótimos filmes da franquia lançados entre 2012 e 2015 certamente lembrará da crítica mordaz sobre desigualdade social, do excelente subtexto antifascista e anticapitalista, do desabrochar do talento da atriz oscarizada Jennifer Lawrence e do vilão meio genérico vivido pelo Donald Sutherland. A boa notícia é que quase tudo isso está contido neste novo projeto também.

Entretanto, é justamente sobre este citado vilão genérico, que o novo filme coloca suas lentes 64 anos antes da história que conhecemos. O início da vida adulta do pobre e injustiçado Corialanus Snow é esmiuçado com a pouca originalidade que se espera de um blockbuster. Afinal este não é o primeiro “arco de futuro vilão” retratado na Cultura Pop. Vide a famigerada saga do bonzinho Anakin Skywalker sendo seduzido pelo lado obscuro da força até se tornar o maléfico Darth Vadder nos episódios I, II e III de Star Wars.

Mas se em Star Wars o arco do futuro vilão foi (mal) desenvolvido em três filmes inteiros, aqui tudo é condensado e espremido apenas na metade final de um único filme, dando a impressão de algo apressado e inconsistente, que não conversa muito bem entre os acontecimentos passados e os acontecimentos futuros. Mas, felizmente, o filme não é só sobre isso.

Brigando – e vencendo com folga – pelo protagonismo da história, está a talentosíssima atriz/cantora Rachel Zegler, revelada por Steven Spielberg na deslumbrante refilmagem de Amor, Sublime Amor (2021). Rachel rouba todas as cenas e o próprio filme para si, em uma performance forte e irrepreensível fazendo valer cada segundo em tela.

Na primeira metade do filme, acompanhamos as dificuldades financeiras de Snow, tentando manter as aparências depois da morte de seu pai, que vê na décima edição dos Jogos Vorazes a chance de ganhar um bom prêmio em dinheiro como treinador de “tributos” (jovens ou crianças enviadas pelos distritos para se matarem num reality show da TV aberta).

Rachel Zegler em Jogos Vorazes A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes (2023)
Rachel Zegler em Jogos Vorazes A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes (2023)

Por sorteio, Snow fica responsável por treinar uma cantora rebelde e desnutrida do distrito 12, Lucy Gray, personagem cativante da Rachel Zegler. Reside justamente na alternância da dinâmica de submissão entre esses dois personagens que o filme realmente brilha. As ótimas canções Folk fúnebres entoadas pela voz poderosa da Rachel Zegler também brilham e dão o tom de pressagio ruim necessário à trama.

Outros pontos altos são o auxílio luxuoso do ótimo time de coadjuvantes, como a atriz Viola Davis, esbanjando sua versatilidade numa interpretação extravagante, e o ator Peter Dinklage, interpretando o criador dos Jogos Vorazes numa interpretação que remete muito ao bebum estrategista que ele fez na série Game of Thrones. Mas nem todos os coadjuvantes tiveram um espaço justo, como por exemplo a excelente atriz transgênero, Hunter Schafer, da série Euphoria, que foi subaproveitada ao interpretar a irmã do protagonista, emprestando apenas a sua beleza ímpar a uma personagem apática.

Para garantir uma base sólida para o filme (e a tranquilidade dos investidores), temos Francis Lawrence, diretor competente e bastante familiarizado com este universo, visto que o mesmo já dirigiu três filmes da franquia, e temos também a autora da trilogia de livros original Suzanne Collins, que mais uma vez cede os direitos de adaptação de seu livro homônimo, lançado em 2020, no qual este filme é baseado.

Porém, mesmo com todos esses cuidados, estamos diante de uma obra irregular e que passa propositalmente a sensação de ser dois filmes em um. Característica reforçada pela mudança abrupta no tom, ritmo e no próprio propósito da obra em suas duas metades distintas.

+++ Leia a crítica de ‘Besouro Azul’, de Angel Manuel Soto

Se na primeira metade a energia e a tensão de uma versão ainda embrionária e problemática dos Jogos Vorazes dita um ritmo mais dinâmico, a segunda metade pisa no freio para abraçar o arco do futuro vilão, ampliando os desvios de caráter do protagonista e praticamente tirando as opções para um caminho mais feliz.

No fim, a história se apequena para caber no discurso raso e manipulativo de que a natureza humana, diante do sofrimento, perdas e frustrações, sempre opta pelo caminho mais “fácil”.

CLIQUE PARA ASSISTIR AO TRAILER

Cartaz-de-Jogos-Vorazes-A-Cantiga-dos-Passaros-e-das-Serpentes-2023

FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

TÍTULO ORIGINAL: The Hunger Games: The Ballad of Songbirds & Snakes
ANO: 2023
GÊNERO: Drama, Ação, Aventura
PAÍS: EUA
IDIOMA: Inglês
DURAÇÃO: 2:37 h
CLASSIFICAÇÃO: 14 anos
DIREÇÃO: Francis Lawrence
ROTEIRO: Michael Lesslie, Michael Arndt, Suzanne Collins
ELENCO: Rachel Zegler, Tom Blyth, Viola Davis, Jason Schwartzman, Hunter Schafer e outros
AVALIAÇÕES: IMDB

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