Primor técnico e ineditismo no enfoque de temas recorrentes fazem da série Euphoria um marco entre os dramas adolescentes para TV
Superada a polêmica inicial gerada após a exibição do primeiro episódio, no qual o Conselho Parental de Televisão dos Estados Unidos formalizou um pedido para que o canal HBO deixasse de transmitir a série devido ao seu conteúdo impróprio envolvendo menores, ficou claro que, embora a série acompanhe a vida de um grupo de adolescentes, o público alvo é sem dúvida o público adulto.
Assim como em outras produções sobre estudantes de high school cursando o último ano, alguns dos temas abordados são: sexo, drogas, rejeição, bullying, conflitos familiares, descoberta da sexualidade, gravidez na adolescência, etc. Porém o grande diferencial de Euphoria está justamente na forma extremamente pesada e corajosamente desprovida de qualquer pudor ao abordar estes temas, causando desconforto e choque aos mais sensíveis.
Outro grande diferencial é toda a parte técnica envolvida na série. Para que a câmera não pare um segundo, a direção a usa como se quisesse que o telespectador tivesse a sensação de estar correndo o tempo inteiro ao redor dos personagens. A edição certeira confere uma agilidade fora do comum. Cenários gigantescos inteiros se movimentam. Alguns chegam até a girar em seu próprio eixo para dar a sensação de que o mundo literalmente ficou de cabeça pra baixo.
A fotografia é um espetáculo a parte, sempre usando a semiótica e trazendo para tela o turbilhão de emoções dos personagens. A iluminação brinca com o alto contraste pra gerar cenas escuras, porém de uma nitidez e beleza ímpar, elevando assim o impacto das luzes primárias ao fundo. Interessante notar a mudança nas paletas de cor e como as variações entre azul, vermelho, lilás e amarelo indicam os sentimentos implícitos em cada cena.
Dando consistência a isso tudo, além de uma trilha sonora impecável que casa perfeitamente com cada imagem, temos atuações primorosas de todo o elenco, com destaque para a protagonista, Zendaya Coleman, mais conhecida por protagonizar várias séries infantis do Disney Channel e mais recentemente por Homem-Aranha de Volta ao Lar e Homem-Aranha Longe de Casa.
Zendaya mergulha de cabeça e entrega uma atuação digna de todas as premiações ao interpretar Rue, uma adolescente viciada em drogas que após ter uma overdose e sair da clínica de reabilitação, volta para escola, porém não tem nenhuma intenção de permanecer “limpa”, enquanto lida com seu amigo traficante e tenta entender o que o futuro lhe reserva.
Isso muda quando Rue faz amizade com Jules, uma garota recém-chegada, interpretada magistralmente por Hunter Schafer, que se torna objeto do amor e do carinho sem limites de Rue, porém Jules tem seus próprios desafios. Após uma transição sexual, ela está buscando se reconhecer como mulher e tentando descobrir qual o seu lugar no mundo.
As histórias de diversos personagens vão sendo acrescentadas e apresentadas ao decorrer dos oito episódios, bem como o impacto que um terá na vida do outro em determinado momento da trama, enquanto a plateia acompanha ávida pelos desdobramentos curiosos, que vão da extrema beleza até a extrema violência e perplexidade.
Importante salientar que, ao contrário da maior parte das produções sobre adolescentes, esses personagens não são unidimensionais, cada um deles apresenta múltiplas camadas e grande profundidade. Por conta desses fatores, a série tem arrancado elogios rasgados até de Leonardo DiCaprio, que por sinal, já foi convidado a participar da segunda temporada.
Porém, nem tudo é perfeito. A série peca pelo exagero em alguns aspectos. São incontáveis as cenas com nu frontal masculino, principalmente entre o primeiro e o sexto episódio, vários penis são mostrados sem que haja uma necessidade narrativa concreta para tal. Outro ponto de exagero é a completa exaustão emocional contida nos dois últimos episódios, principalmente a partir da cena em que a canção “My Body is a Cage” (Meu Corpo é uma Gaiola) da banda alternativa Arcade Fire é transformada em trilha sonora para aborto.
+++ Leia a crítica de ‘Sex Education’, da Netflix
Criada pelo talentoso Sam Levinson, e produzida pelo músico Drake, Euphoria é um retrato amargo e verdadeiro de uma juventude perdida entre família e excessos, entre o certo e o fácil, entre o real e o digital, entre a liberdade e a opressão, entre o vício e a aceitação, entre temer ou não o futuro sempre incerto. Uma verdadeira aula de cinematografia e design de produção. Um deleite para olhos cansados que buscam algo com uma qualidade raramente vista na TV e que com certeza merece figurar no hall das melhores séries produzidas este ano.
FICHA TÉCNICA:
Gênero: Drama
Duração: 55 min (média por episódio)
Direção: Sam Levinson (5 episódios), Pippa Bianco (1 episódio), Augustine Frizzell (1 episódio) e Jennifer Morrison (1 episódio)
Roteiro: Sam Levinson, Daphna Levin e Ron Leshem
Elenco: Zendaya, Maude Apatow, Angus Cloud, Eric Dane, Alexa Demie, Jacob Elordi, Barbie Ferreira, Nika King, Storm Reid, Hunter Schafer e outros
Data de Lançamento: 16 de Junho de 2019 (Brasil)
Censura: 16 anos (Brasil, França), 18 anos (EUA, Canadá, Japão, Espanha)
IMDB: EUPHORIA