Alguns cineastas quando realizam um trabalho aclamado deixam o impacto das avaliações positivas subir à cabeça. Exemplos sobre isso não faltam, mas acredito que os principais diretores com a “Síndrome de Deus” atualmente sejam Christopher Nolan e a exacerbada autovalorização de suas obras; Adam McKay e o deboche pseudointelectual de seus últimos filmes e, por último, Sam Levinson, um cineasta que parece ser a fusão do pior de Nolan e McKay.
Não, Levinson não faz humor escrachado como McKay, mas possui a mesma visão de estar escrevendo roteiros envoltos em uma grande verdade que precisa ser dita ao mundo porque ninguém mais tem coragem de fazer. Levinson não escreve sobre negacionismo, meteoros e vice-presidentes malucos, mas vomita incansavelmente o que ele entende como verdade no que se refere a relacionamentos, juventude e, desta vez, a indústria da música. Para propagar o mal de suas perspectivas para o mundo, ele é tão ousado como Nolan, ao não temer a testar estilos e experimentar técnicas diferentes que raramente vemos no cinema. Mais do que isso, Levinson adota um estilo similar no que se refere a serventia de seus personagens, estes que aparentam servir, fazer parte de algo maior, o que torna seus projetos sobre algo, não sobre alguém.
É necessário que reconheçamos um bom conteúdo quando o vemos, é justo e o correto. Entretanto, sabendo hoje o poder das consequências de um elogio, eu diria que aclamar a primeira temporada de Euphoria foi um equívoco. O projeto assentou a arrogância de Levinson e o empoderou, deu carta branca para o diretor realizar outras obras que aparentam ser idealizadas para agradar apenas a ele mesmo. Por mais que todo autor seja egoísta ao escolher um projeto e decidir como fazê-lo, Levinson tem esse agravante. Seus filmes e séries deixaram de ser sobre o que ele pode oferecer ao público, deixando a audiência mais valiosa de todo processo de fora, às margens de uma obra onde só seu criador pode compreender e apreciar em sua totalidade, incluindo nessa apreciação, seus erros.
Se Malcom & Marie e a segunda temporada de Euphoria já deixaram marcas visíveis da derrocada de Levinson, The Idol chega para ser o resultado desastroso do movimento de fechar sua obra para o mundo. Sendo mais exata quanto a isso, eu quero dizer que toda obra precisa prever reações, antecipá-las, o Cinema ou a Televisão não podem existir sem que essa parte do processo exista. Entretanto, os criadores da série rompem com essa antiga e essencial tradição. Levinson, Abel Tesfaye (The Weeknd) e Reza Farim escrevem uma obra que se limita ao porão da casa onde eles se reúnem, um ambiente seguro para escrever todas as atrocidades possíveis livres de julgamento.
Aliás, o resultado desse clube de incels poderia ser diferente caso o co-autor desse crime, The Weeknd, não protegesse seu fetiche. Antes de The Idol ser assumida por Levinson, Amy Seimetz dirigia o show, mas supostamente foi demitida com 80% da série concluída, devido a diferenças criativas envolvendo Levinson (que estava gravando a segunda temporada de Euphoria), mas principalmente com The Weeknd, ativo no cotidiano das gravações. O cantor sem experiência alguma na televisão, estava supostamente insatisfeito com a direção de Seimetz que conduziu a série por uma ‘‘perspectiva feminina’’, o que provavelmente indica que Seimetz estava explorando os traumas psicológicos e físicos de Jocelyn (Lily-Rose Depp) pela perspectiva da cantora.
Com o final das gravações de Euphoria, Levison assumiu The Idol e reiniciou a sério do zero, buscando o que era planejado desde o início: uma visão misógina, com mais cenas explicitas de sexo e com destaque para a figura do líder misterioso Tedros (The Weenkd).
Sobre tal decisão, eu acho importante que o mundo receba conteúdos subversivos e provocativos. Em um momento onde as produções mundiais se tornam cada vez menos interessadas em trazer obras que podem soar como problemáticas, simplificando as produções, sempre me admira quando um cineasta resolve contar sua história a partir do outro lado. Mas não é isso que The Idol faz, não com Sam Levinson no controle.
The Idol não quer falar sobre a misoginia usando a perspectiva do misógino para promover o quanto tais atitudes são erradas, The Idol é verdadeiramente misógina. Isso fica nítido na mise-en-scene falsa, plástica e higienizada da série, na adoção de elementos que são bastante conhecidos nos videoclipes de música pop. Esses elementos que normalmente fazem videoclipes serem glamourizados, aclamados e até invejados, em The Idol são igualmente assim, o que evidencia a problemática de existir uma ausência quanto aos atos de Tedros e suas consequências em Jocelyn e em terceiros.
The Idol faz o inverso do que seria moralmente correto e que se adequa aos valores da HBO. A série não quer debater a tóxica indústria da música usando elementos da mesma, ela quer usar a indústria, os assédios e todas as outras barbaridades que fazem parte do cotidiano dos artistas como uma justificativa para satisfazer, para desenvolver o projeto pervertido do porão. Nesse sentido, a série mal pode se assimilar a um softcore broxante, pois é algo ainda mais específico, é algo que foi feito para o clube dos incels, onde The Weeknd desembolsou milhões e comprometeu sua reputação para ver a execução de uma experiência extremamente questionável em tela.
Isso fica bem claro quando a season finale projeta Jocelyn como a verdadeira vilã da história. No final, descobrimos que ela mentiu sobre suas experiências dolorosas e foi responsável por manipular Tedros para que ele realizasse todas as perversidades. Se esse final por si só não bastasse, a imagem de Tedros é endeusada. Tedros é considerado um gênio ao, apesar dos pesares, extrair de Jocelyn um projeto original, músicas autênticas que explodiram nas paradas de sucesso. Os tapas, abusos psicológicos e humilhações no fim ganham um aspecto positivo, a Tour de Jocelyn será feita em estádios e Tedros, um coitado cheio de boas intenções desde o ínicio, fica com a garota.
Não é apenas nesses aspectos que The Idol falha, a série também erra em mudar o protagonismo da história. The Weekend é um péssimo ator e, nos primeiros episódios, eu até cheguei a refletir sobre seu personagem ser uma paródia. Por alguns episódios, acreditei que a atuação caricata, inexpressiva de Weeknd era uma maneira de diminuir a figura dos grandalhões da música, dos responsáveis pela parte doentia da indústria. Mas eu estava enganada, The Weeknd é limitado enquanto ator e, de maneira alguma, merecia levar o protagonismo da série.
Centrá-lo na narrativa diminuiu a surpreendente Lily-Rose Depp e conseguiu a proeza de ignorar completamente Rachel Sennott, uma das atrizes mais queridas do Cinema Independente, assim como Jennie, simplesmente uma integrante do grupo sul-coreano BlackPink. Levinson também descartou Jane Adams, a atriz que colaborou com Seimetz no ótimo Ela Morre Amanhã (2020) e que, até o segundo episódio, estava fazendo um trabalho incrível como algoz da personagem de Depp.
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O encerramento antecipado no domingo chega para concluir algumas coisas que já aparentavam ter uma carga óbvia: a) The Idol é uma atrocidade, o pior programa já transmitido pela HBO; b) Mostrar sexo, performances musiciais, drogas e adotar uma cinematografia pop não é o suficiente para falar sobre a industria; c) The Weenkd não é ator; e, por fim, d) Sam Levinson precisa de um detox de sua própria mente e, quando retornar mentalmente estável, ter mais humildade antes de lançar ultra bomba nuclear (intrinsicamente criminosa) sob pretexto de arte provocativa ou elevada.
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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:
TÍTULO ORIGINAL: The Idol
ANO: 2023
GÊNERO: Drama
PAÍS: Estados Unidos
IDIOMA: Inglês
EPISÓDIOS: 05
CANAL: HBO
DIREÇÃO: Sam Levinson
CRIAÇÃO: Reza Fahim, Sam Levinson e The Weeknd
ELENCO: Lily-Rose Depp, Abel Makkonen Tesfaye, Suzanna Son, Troye Sivan, Moses Sumney e outros
AVALIAÇÕES: IMDB | Rotten Tomatoes
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