Vocalista do quinteto irlandês Fontaines D.C., Grian Chatten aproveitou os momentos em que repousava em hotéis ou de pausa durante a turnê com sua banda para compor e gravar as canções deste seu primeiro trabalho solo. Dar vida a essas canções afastado de sua banda é, nas palavras dele, “reivindicar a propriedade da sua música”. É dessa reivindicação que surge Chaos For The Fly (Partisan Records).
Após três álbuns com sua banda, Chatten, que já confessou sofrer de ansiedade intensa, decidiu dar às suas canções as feições que ele escolheu, ajudado pelo produtor e amigo de longa data Dan Carey, e também pelos backings de sua noiva, Georgie Jesson.
Na história da Música Pop, já vimos muitos casos de músicos, vocalistas ou não, que demonstram a necessidade de respirar outros ares, para além de sua própria banda, quando se sentem sufocados pelo trabalho com a sua própria. Daí surgem projetos paralelos, participação em trabalhos de outros artistas ou, em último e raro caso, um trabalho solo. No caso de Chatten, essa necessidade após apenas três álbuns pode ser explicada pela forma meteórica como sua banda foi a cada álbum crescendo de tamanho.
Importante ressaltar também que, diferente de muitos vocalistas, que “apenas cantam”, ele também é um dos principais compositores do Fontaines D.C. Oriundo de uma família em que a música sempre foi algo muito presente, o vocalista começou a se enveredar por esse caminho desde muito cedo, já compunha antes mesmo de fazer parte de uma banda.
Desde o lançamento dos primeiros singles: “The Score”, “Last Time Every Time Forever” e “Fairlies”, ficou evidente a busca de um novo direcionamento musical. Esse primeiro conjunto de faixas surgiram mostrando forte aproximação com os momentos mais tranquilos de sua banda, com o violão e o piano como elementos centrais, ancorados por uma gama instrumental orbitando em torno.
É a partir dessa construção inicial essencialmente acústica que é construído boa parte do disco. A coprodução de Carey utiliza camadas sonoras diversas para criar um disco multifacetado, dividido em arranjos pomposos – principalmente quando elementos orquestrados dão novas dimensões e exuberância às canções, como em “Last Time Every Time Forever”, uma espécie de valsa adornada por violinos cortantes.
Apesar disso, todo o conjunto é marcado pelo intimismo, como se o vocalista estivesse cantando a partir de seu quarto, sensação que se intensifica em momentos, como na delicada e de letra fortíssima “All of the People” (Eles querem ser seus amigos / Eles só querem chegar perto o suficiente / Para dar o tiro final / Eles vão celebrar as coisas que fazem de você quem você não é) ou na exposição da dor de “Season for Pain”, ambas marcadas pelo minimalismo do arranjo.
Chatten afirma enxergar seu disco “como um filme de terror com uma paleta de cores hiper-real”. Esse dualismo que o músico cita pode ser percebido na forma como ele equaliza numa mesma letra sensações e ideias aparentemente contrapostas, como que na tentativa de romper a linha tênue que muitas vezes as separam: “Houve uma estação para amar / Esta é a estação para a dor” (em “Season For Pain”); “Bem, um sorriso poderia ser tão infinito / Apenas feliz, livre e sem amigos” (em “All of the People).
Na época do lançamento de A Hero’s Death, o músico chegou a afirmar que desejava esquecer as canções de Dogrel – o álbum de estreia com a sua banda. Chaos For The Fly soa como uma espécie de fuga daquilo que é a característica mais marcante na música de sua banda – a ênfase em riffs de guitarra, baixo marcante, bateria imponente -, para avançar num território musicalmente mais amplo e com outras possibilidades, algo que o próprio Fontaines D.C. fez em faixas mais “ousiders” de seus discos: “Sunny” e “No”, de A Hero’s Death, e “The Couple Across the Way”, de Skinty Fia.
Em nove canções, Chaos For The Fly enverada por um clima mais plácido, oscilando entre sensações como saudade e tristeza, com o vocalista cantando de forma mais contida, às vezes quase como um sussurro. Entender que esse direcionamento musical é o que o frontman do Fontaines D.C. acredita ser a forma de reivindicar suas música, pode gerar suposições as diversas.
+++ Leia a crítica de ‘A Hero’s Death’, do Fontaines D.C.
Para o músico, o disco tem a oferecer, com louvor, a oportunidade de enxergar para além do círculo musical ao qual sua banda se circunscreve, ao tempo que explora outras “paisagens musicais” – que ele até já vinha fazendo com colaborações. Para o Fontaines D.C. o disco tem a oferecer a oportunidade de vislumbrar de forma mais acabada um lado do vocalista que, provavelmente, seu companheiros jamais tenham visto – embora tenham feito recentemente uma versão para “Cello Song”, de Nick Drake.
Para o ouvinte, o disco tem a oferecer a certeza de um trabalho musical bem diverso do que se espera, de um disco de Chatten com sua banda: cordas, sopros, pianos, elementos eletrônicos. Apesar disso, não há aqui uma canção que soe tão marcante quanto as que o músico tenha feito em seus três álbuns com sua banda. Apesar disso, Chaos For The Fly ainda consegue ser um disco que reserva bons momentos, como a trinca de abertura, ainda que marcado por momentos de altos e baixos. É um disco verdadeiramente de Gian Chatten.
FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:
ANO: 2023
GRAVADORA: Partisan Records
FAIXAS: 09
DURAÇÃO: 36:21
PRODUTOR: Grian Chatten, Dan Carey
DESTAQUES: “The Score”, “Last Time Every Time Forever”, “Fairlies”
PARA FÃS DE: Bedroom-Pop, Fontaines D.C.,
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