Quarto álbum do quinteto irlandês do Fontaines, ‘Romance’ foi produzido por John Ford e segue o processo de mudanças sonoras iniciado em ‘A Hero’s Death’
Álbuns são como fotografias. Captam em forma de sons e prosa o momento de um artista e permitem vislumbrar o contexto tanto interno quanto externo. No caso dos irlandeses do Fontaines D.C. a precisão da fotografia capturada por essa imagem metafórica é bastante precisa e vêm desde a sua estreia com a euforia desenfreada de Dogrel, passando pela necessidade de pertencimento e saudade de casa presente em Skinty Fia, e chegando em tons de diversidade em seu quarto trabalho.
Com ‘Romance’, o grupo dá um passo adiante em relação a tudo que fizeram até aqui, deixando para trás, por exemplo, o rótulo de banda Pós-Punk ou de Indie-Rock/Alternativo para se tornar apenas um grupo onde todas as opções são possíveis dentro dos arranjos. É algo que Grian Chatten, o vocalista, já havia expressado anteriormente em entrevistas, se insinuou em A Hero’s Death, intensificou em Skinty Fia e surgiu de forma mais plena em seu primeiro álbum solo.
Romance utiliza arte gráfica da artista taiwanesa Lulu Lin e mostra um Fontaines D.C. que parece disposto a deixar para trás em definitivo o rótulo de “banda de guitarras”, concentrando-se em construir canções que podem incorporar novos instrumentos, novas sonoridades e novas referências musicais, embora tenham deixado claro que o álbum bebe mais em referências de lugares do que musicais. E nesse sentido Romance está mais para Chaos for the Fly do que para Skinty Fia ou A Hero’s Death. É uma associação que surge instantaneamente em canções como: “In The Modern World”, “Motorcycle Boy” e “Horseness is the Whatness”. Claro que aqui há mais guitarras, mas não tanto quanto nos trabalhos anteriores dos irlandeses.
A etérea “Sundowner”, escrita por Conor Curley e com vocais divididos entre o guitarrista e Grian, é um dos sinais das mudanças apresentadas no novo trabalho. E a própria escolha de James Ford, responsável por produzir trabalhos de artistas cuja paleta é bem diversa: Depeche Mode, Geese, The Last Dinner Party, Pet Shop Boys, Beth Gibbons, só pra citar os mais recentes, simboliza isso.
E nem precisa deixar a agulha deslizar muito na superfície do disco para perceber que há algo diferente, a própria “Romance”, faixa título que abre o álbum, com sua sonoridade misteriosa e de toques orientais já antecipa os caminhos que devem ser seguidos ao longo das onze faixas: “Dentro da escuridão novamente… Talvez o romance seja um lugar para mim e para você”. Ao mesmo tempo, a faixa, junto com todo o trabalho gráfico, exalta a cultura oriental, já que os mangás japoneses e o filme Akira é citado como uma das referências.
E é isso, Romance, o disco, é como o encontro de um lugar em que possam, enfim, se sentir confortáveis onde estão, deixando de lado o peso das expectativas, ou simplesmente estar em nenhum lugar e ainda assim não se sentir deslocado. Afinal, tudo é questão de como você se sente.
A introdutória e sufocante “Starbuster”, com seu spoken-word que mais se aproxima do estilo vocal do Hip-Hop (e também os elementos musicais) do que do Pós-Punk de bandas como The Fall já sinalizava as mudanças. Mas, dentro de Romance, ela é mais um ponto fora da curva do que uma tendência – a faixa tem inspiração de Korn, segundo a banda. O mesmo pode ser dito da ensolarada “Favourite”, cujos climas remetem imediatamente ao lado mais pop e acessível do The Cure de canções como “Friday I’m in Love” – um contraponto à abertura densa e melancólica da faixa título; ou, ainda, da pseudo-euforia de “Here’s the Thing”, cantada em falsete e com uma linha de baixo poderosa, também encontrada na também cureana “Bug” ou no retorno à sonoridade de outrora de “Death Kink”.
De resto, esbarramos em várias baladas construídas ao violão e adornadas por camadas sonoras, princiapalmente orquestradas, como na ótima “In the Modern World”, em “Motorcycle Boy”, a já citada “Sundowner”, em “Horseness is the Whatness” e a balada “Desire”, que começa devagar e vai crescendo para levantar estádios. Todas com um pezinho em Chaos for the Fly.
Leia a crítica de ‘A Hero’s Death’, do Fontaines D.C.
Embora músicos e não fotógrafos, o Fontaines D.C. conseguem em Romance construir a exata imagem do seu momento atual enquanto banda e para isso nem precisavam dos recursos gráficos geniais utilizados nos singles e no disco e nem das roupas e cabelos coloridos, sua música fala por si e pode ser resumida na afirmação de Grian: “Amo minha voz neste disco. Acho que nunca amei antes”.
"In The Modern World", do Fontaines D.C., está em nossa Playlist de 2024
FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:
ANO: 2024
GRAVADORA: XL Recordings
FAIXAS: 11
DURAÇÃO: 37:00 min
PRODUTOR: James Ford
DESTAQUES: “Starburster”, “In The Modern World”, “Sundowner”, “Favourite”
PARA FÃS DE: Fontaines D.C., Grian Chatten, The Cure
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