Vendido como besteirol, ‘Que Horas Eu Te Pego?’ é moralista e teme o cancelamento

O “besteirol” foi um subgênero popular no início dos anos 2000 até 2010. Esses filmes geralmente tinham homens adultos que passavam por situações duvidosas e sexistas, o que os levava a amadurecer indiretamente ao longo da história. Alguns exemplos bem-sucedidos desse subgênero incluem American Pie, Se Beber, Não Case e Ted. Como contraponto, surgiram alguns filmes do mesmo subgênero que apresentavam protagonistas femininas e narrativas feministas, como o ótimo A Casa das Coelhinhas.

Com a “morte” do besteirol, Que Horas Eu Te Pego? aparentava ser o grande retorno, não só do subgênero, mas também de sua subversão. No entanto, sua relevância foi mais impulsionada pelo fato de existir e pelos números de bilheteria do que pela qualidade do conteúdo.

O filme é moldado por uma perspectiva ideológica liberal/democrata em um mundo cada vez mais polarizado. Nesse sentido, ele utiliza temas como gentrificação, conflito de classes e questões de impostos governamentais como motivação para sua personagem principal. Essa abordagem torna Maddie (Jennifer Lawrence) diferente dos protagonistas masculinos dos clássicos do besteirol. Embora ela tenha sua liberdade sexual, seja canalha e magoe corações, o filme abraça um moralismo que compromete a intenção original de satirizar e reverter os papéis de gênero. Nisso, existe uma visível falta de coragem do texto de John Phillips e Gene Stupnitsky, algo que também vai verberar na direção de Stupnitsky, afinal, como se faz um besteirol quando se remove o coração, o elemento central que compõe o besteirol?

Com exceção de algumas cenas, como a sequência de combate na praia envolvendo Maddie nua e da armadilha chinesa na mesma com um personagem aleatório, Que Horas Eu Te Pego? não tem coragem, parece temer que seja polêmico, seja considerado um filme problemático na sociedade que assistimos ganhar novos valores, novas percepções sobre questões sociais. Essa acusação pode acontecer, é claro, afinal, interpretações são realizadas de modo distinto, cada indivíduo entende uma obra à sua maneira – aqui convém lembrar que algumas pessoas realmente acham que Jojo Rabbit (2019) não é uma sátira e, portanto, é um crime disfarçado de arte – mas isso não deveria ser um empecilho para não ser radical, principalmente para um filme que custou US$ 45 milhões de dólares e possui uma grande e querida estrela como protagonista.

Convém evidenciar que a falta de coragem não torna Que Horas Eu Te Pego? um filme totalmente falho. Se nos distanciamentos do que tenta ser e pensarmos no filme simplesmente como uma produção sobre amadurecimento que se arrisca algumas vezes, ele até funciona bem. Esse mérito, na verdade, vem da performance de Jennifer Lawrence que aparenta fazer uma versão trintona de Christine ‘‘Lady Bird’’ McPherson de Lady Bird. Lawrence consegue um grande desempenho por transitar entre o drama e a comédia de maneira orgânica e verdadeiramente convincente.

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Em resumo, Que Horas Eu Te Pego? não se encaixa claramente nos gêneros de besteirol ou coming-of-age. A produção é hesitante em abordar questões sociais profundas, preferindo recorrer a subversões superficiais, mas destaca-se pela atuação notável de Jennifer Lawrence.