‘O Melhor Está por Vir’ usa metalinguagem como artifício

‘O Melhor Está Por Vir’ tem o próprio diretor Nanni Moretti como protagonista e é uma comédia de tom seco

Fazer um filme dentro de um filme não é uma novidade no cinema. A sétima arte brincou inúmeras vezes com essa possibilidade metalinguística ao longo de décadas. Nesse sentido, cada produção com essa linguagem foi feita possuindo um interesse, um objetivo. Gene Kelly e Stanley Donen, por exemplo, filmaram Cantando na Chuva para falar sobre os empecilhos para a introdução do cinema falado, para falar de uma das transformações do cinema. E Wes Craven subverteu os clichês dos desgastados slashers, com Pânico, revigorando o subgênero. O que dizer de ‘O Melhor Está por Vir”?.

Às vezes, a metalinguagem é usada por razões menores, por mesquinhez de alguns diretores. Mas não é o que ocorre com O Melhor Está Por Vir, de Nanni Moretti. Assim como Kelly, Donen e Craven, Moretti tem algo a dizer e usa a produção de um filme para falar sobre a indústria, sobre inúmeras coisas que envolvem a realização de um filme.

No entanto, O Melhor Está por Vir tem uma certa particularidade, pois trata de inúmeras temáticas de uma maneira bem cotidiana, quase que corriqueira. Para isso, Moretti, que também atua e é o protagonista do filme, abraça uma comédia de tom mais seco. Longe do pastelão, dos exageros e situações inacreditáveis, o fator cômico está em como o diretor Giovanni, em crise de meia idade e desolado com os rumos do cinema italiano, reage às situações que enfrenta enquanto grava seu filme.

Nesta tentativa de tornar cômicas as reações de um rabugento, nem tudo funciona. A culpa, nesse sentido, não é das reações de Moretti, mas em como as próprias cenas foram construídas. O Melhor Está por Vir é um filme muito pautado no discurso, no diálogo e consequentemente, as piadas (ou tentativas delas) partem do mesmo lugar.

De certo modo, essa escolha formal me lembra a Irma Vep (a minissérie). O filme possui reflexões sobre a responsabilidade artística, ética e o objetivo da existência da própria arte. Também trata sobre questões de mercado, distribuição, streaming. Essas conversas podem até surgir de uma maneira muito natural, mas o impacto na narrativa é mínimo. Nesse sentido, é como se Moretti estivesse com um checklist em mãos. A partir do momento em que ele faz menção a um problema presente na indústria cinematográfica, marcando tal ponto com um X, ele simplesmente o esquece, iniciando a abordagem de outro.

+++ Leia a crítica de ‘Retorno a Seul’, deDavid Chou 

Competidor da Palma De Ouro em Cannes 2023, O Melhor Está por Vir é leve, engraçado e até causa um certo sentimento de conforto ao nos depararmos com a visão de Moretti sobre o cinema. Porém, nem tudo funciona do jeito que Moretti pretende.