‘Depois da Morte’ é um documentário míope sobre o tema que pretensamente aborda


depois-da-morte

Documentário sobre experiências de quase morte (EQM), ‘Depois da Morte’ lança um olhar enviesado sobre o assunto

Depois da Morte é um longa-metragem produzido pela Angel Studios (de O Som da Liberdade), e foi o documentário mais visto nos Estados Unidos em 2023. O filme faturou mais de 11 milhões de dólares nos EUA, e apresenta entrevistas de autores best-sellers, médicos, cientistas e pessoas que tiveram experiências de quase morte, também conhecidas como EQM’s.

As histórias abordam uma das questões mais debatidas pela humanidade: o que acontece quando a vida acaba. Nomes conhecidos do mundo literário contam suas experiências, entre eles Don Piper, um pastor que, no fim dos anos 80, afirmou ter visto o paraíso após sofrer um acidente de carro. Seu livro inspirou o filme 90 Minutos no Paraíso, de 2015. Já a médica cirurgiã Mary C. Neal, autora de To Heaven and Back, conta tudo o que sentiu ao cair em uma cachoeira com seu caiaque e ficar por vários minutos submersa na água. Os entrevistados também comentam sobre o impacto que a experiência de quase morte causou em suas vidas.

Tal tema, já abordado diversas vezes anteriormente em matérias jornalísticas para a TV e mídias impressas, agora ganha um filme documental pelas mãos do diretor e roteirista Stephen Gray. Gray é conhecido por diversos curtas de cunho evangélico, e aqui não tem um viés diferente. Assim como o Angel Studios, que esteve envolvido na polêmica da distribuição gratuita de ingressos nos cultos para lotar os cinemas nas sessões de O Som da Liberdade, e assim inchar os resultados de bilheteria, conforme amplamente divulgado pela mídia.

Mas voltemos ao filme em questão. “Só existe uma vida”, é o que profere com muito orgulho certo entrevistado, obviamente baseado em sua crença religiosa e não na experiência de quase morte que ele experimentou. Infelizmente essa fala revela muito sobre as rasas pretensões do filme e delimita bem o público ao qual ele se destina.

Aparentemente, a citada frase, se dita em outros contextos que não os de uma obra que promete desvendar o mistério universal da pós-morte, passaria despercebida. Mas neste caso ela é excludente. Esse tema reverbera subjetivamente com a religiosidade ou o ateísmo que permeia toda a humanidade, perpassando por todo tipo de religião, afinal “explicar” os mistérios da morte é uma das mais fortes premissas da grande maioria das religiões, além de ser um processo inerente à trajetória de cada um e uma de nossas poucas certezas enquanto estamos vivos.

Trago este ponto pois no decorrer do filme temos outras frases excludentes proferidas por pastores, ministros e praticantes evangélicos, de modo a explicitar a crença religiosa dos mesmos, dentro de um recorte muito específico que o filme faz na escolha de seus entrevistados.

depois-da-morte

Portanto, Depois da Morte não nos dá escolha a não ser apontá-lo como uma obra excludente no sentido de não abraçar outras diversidades de perspectivas, entendimentos, crenças e religiosidades que, por exemplo, creem na reencarnação, como nas doutrinas espiritualistas, no Budismo, o Hinduísmo, o Jainismo, o Sikhismo, o Paganismo, o Candomblé, a Umbanda, etc.

Nesse sentido, uma abordagem ecumênica não só faria mais sentido, como enriqueceria absurdamente o debate proposto. Então a sensação de repetição de perspectivas acaba pesando em seus 108 minutos de duração, mesmo que o diretor desesperadamente mude o ângulo da câmera a cada frase dita, como se estivessem dez câmeras apontadas para os entrevistados, numa tentativa falha de dar mais agilidade ao que está sendo dito.

Porém, mesmo com tantos problemas, Depois da Morte tem o mérito de conseguir encaixar simulações muito bem realizadas e interessantes dos acidentes relatados e das sensações visuais que aquelas pessoas narraram nos momentos em que foram dadas cientificamente como mortas. Mérito da pós-produção e dos responsáveis técnicos pelos efeitos visuais.

Interessante notar que dentre os muitos depoimentos narrando sensações belíssimas de tranquilidade, paz, silêncio e luz, a ponto de alguns entrevistados não quererem mais voltar da morte, o filme mostra pouquíssimos relatos aterradores, como se estivessem evitando evidenciar um lado mais obscuro e sufocante da “passagem”. Um deles é sobre um viciado em cocaína que tinha tendências suicidas e queria cheirar pó até morrer, ou seja, é o próprio estereótipo de um pecador clássico e, por esse motivo, ele hoje, um evangélico convertido, crê que seu momento transcendental extracorpóreo foi uma ligeira descida ao inferno.

+++ Leia a crítica de ‘Nove Dias’, de Edson Oda

Aliás, inferno e paraíso são palavras bastante utilizadas durante Depois da Morte, fazendo com que a parte mais científica da história seja relegada, lamentavelmente, ao segundo plano. A sensação ao final da projeção é de estarmos olhando para uma paisagem gigantesca, profunda, rica e misteriosa apenas pelo ínfimo buraco de uma fechadura.

CLIQUE PARA ASSISTIR AO TRAILER

depois-da-morte-poster

FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

TÍTULO ORIGINAL: After Death
ANO: 2023
GÊNERO: Documentário
PAÍS: EUA
IDIOMA: Inglês
DURAÇÃO: 1:48 h
CLASSIFICAÇÃO: 12 anos
DIREÇÃO: Stephen Gray e Chris Radtke
ROTEIRO: Stephen Gray
ELENCO: Dale Black, Dean Braxton, John Burke, Chetavious Davis e outros
AVALIAÇÕES: IMDB

Previous Lançamentos da Semana: Still Corners, Einstürzende Neubauten, Drahla e mais
Next 'Death Songbook' tem colaboração entre a Paraorchestra e Brett Anderson (Suede)

No Comment

Leave a reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *