Produzido pela própria banda, ‘Glasgow Eyes’ flerta com a eletrônica mas é mais consistente quando se volta para o passado
Em mais de quatro décadas de carreira os escoceses do The Jesus and Mary Chain lançou apenas sete álbuns de inéditas. Tendo ultrapassado essa barreira, os irmãos Reid chegam com Glasgow Eyes ao seu oitavo álbum após um hiato de sete anos desde Damage and Joy (2017). Se lembrarmos que grande parte do álbum de 2017 era um amontoado de canções dispersas em vários projetos da dupla, a distância de um material genuinamente novo levará para bem mais longe, para Munki, álbum de 1998.
Parte do número reduzido de álbuns pode ser explicado pelo hiato que a banda entrou entre 1999 e 2007, mas talvez apenas isso não seja suficiente para explicar. A personalidade irascível dos irmãos, que até já tentaram matar um ao outro, pode ser um indicativo. Independente de quaisquer teorias, a dupla está de volta com um novo álbum de inéditas em que apontaram influências de Suicide e Kraftwerk e uma espécie de expurgo pessoal sobre momentos barra pesada devido a envolvimento com drogas, explicitado em “Chemical Animal”, segundo single de Glasgow Eyes.
Junto com os outros dois singles, “jamcod” e “Girl 71”, o The Jesus and Mary Chain passava uma mensagem um tanto confusa do que se poderia esperar do novo trabalho. Enquanto Chemical Animal remete aos primeiros trabalhos do grupo – usando a mesma batida e a mesma forma de cantar de “Just Like Honey” – com o uso de eletrônica pontual, “jamcode” parecia emular um lado eletrônico já explorado pela banda em Automatic (1989), só que lá havia batidas mais encorpadas e guitarras no talo, enquanto o primeiro single deixava esses elementos com uma tonalidade opaca na maior parte do tempo, buscando enfatizar o uso de sintetizadores, inclusive no uso de uma melodia bastante simples. Por fim, “Girl 71”soa como aquela banda que resolveu abrandar seu barulho, trazendo como “diferencial” barulhinhos eletrônicos que pouco agregam ao arranjo.
A aguardada audição de Glasgow Eyes na íntegra surge então como a oportunidade de confrontar as declarações dos irmãos Reid com a realidade. E a realidade é que a mensagem passada nos três singles é a tônica do novo disco: confuso. A forma com a dupla se utiliza da eletrônica soa como crianças descobrindo um brinquedo pela primeira vez, mais brincando do que realmente utilizando as potencialidades que o recurso oferece.
Muitas bandas fizeram esse caminho, algumas com resultados satisfatórios, outras nem tanto. In This Light and on This Evening, do Editors é um exemplo que surge de imediato quando se fala de resultados frustrantes ao usar a eletrônica. Só que lá havia Flood na produção, o que salvou de o disco ser um completo desastre. Aqui não há ninguém para “salvar” os irmãos Reid – que além de produzir, tocam todos os instrumentos.
Faixas como “American Born”, “Discotheque” e “The Eagles and the Stones” não entrariam nem como b-sides de qualquer dos quatro primeiros álbuns da banda, e não é por soarem diferentes, mas por serem talvez das piores coisas já compostas pelo TJAMC. A combinação entre eletrônica e as distorções em geral soam discordantes.”Silver String”, por exemplo, tem um quê de Depeche Mode, com um melhor trabalho no arranjo se tornaria uma grande canção e poderia ser o norte para o restante do disco. Automatic (1989), onde eles usaram mais as batidas eletrônicas, também foi produzido pelos irmãos e tudo funciona muito bem, ou seja, eles conhecem os aspectos técnicos da produção.
Salvam-se uns poucos riffs de guitarra (quando aparecem!), e duas boas faixas em Glasgow Eyes, a já citada “Chemical Animal”, “Second of June” e “Hey Lou Reed”. Três faixas em que a sonoridade remete a trabalhos anteriores da banda. Pode parecer saudosismo, mas é que às vezes é como diz o ditado: “o fácil é o certo”. E aqui o ditado não fala, grita.
+++ Leia tudo que foi publicado no Urge! sobre o The Jesus and Mary Chain
Damage and Joy era formado um calhamaço de canções, mas a produção de Youth conseguiu amarrar as pontas e dar coesão ao disco, ao tempo que serviu como mediador entre os irmão. Em Glasgow Eyes o The Jesus and Mary Chain está amarrado e carente de ideias. Os sintomas já estavam presentes nos singles. O álbum é apenas a confirmação do cansaço de uma das bandas mais revolucionárias da história da música.
A memória afetiva e a longa espera por um novo álbum dos Reid’s pode levar à condescendência. Na análise fria, esse é momento menos inspirado de toda a discografia deles. Ficamos então esperando por um novo disco do The Jesus and Mary Chain.
"Chemical Animal" e "Girl 71", do The Jesus and Mary Chain, também está em nossa Playlist de 2024
FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:
ANO: 2024
GRAVADORA: Fuzz Club Records
FAIXAS: 12
DURAÇÃO: 48:55 min
PRODUTOR: The Jesus and Mary Chain
DESTAQUES: “Chemical Animal”, “Second of June”
PARA FÃS DE: The Jesus and Mary Chain (ardorosos)
Disse tudo, eles deveriam se envergonhar de lançar um album desse.
Achei o mais fraco e menos inspirado deles. Mas muita gente adorou.
Jamc sempre foi e é experimentação, e isso está muito vivo no glascow eyes. A escolha pelo “desleixo simulado” em relação a “produção” é o que faz ressaltar a singular – e muito acima da média do rock nas últimas décadas – inventividade e beleza da obra desta banda, em quase todas as músicas. E fazer isso com tanto talento, numa obra autobiografica, é fazer do “fim de carreira” algo que embaralha a linearidade que vemos no percurso em geral de “dinossauros do rock”, em que no fim, e com muita produção, as bandas vivem somente do passado.