‘Memento Mori’ é o décimo quinto álbum de estúdio do Depeche Mode e tem letras mais introspectivas que seu antecessor
O ciclo da vida: nascimento e morte. Envelhecer é acumular, inexoravelmente, esses momentos: alegria e dor. A expressão latina Memento Mori (Lembre-se da Morte) é pra nos lembrar da nossa finitude, de quanto estamos mais perto dela, ou ela de nós, do que imaginamos. A pandemia amplificou as ansiedades, colocou muitos na posição de Max Von Sydow, em O Sétimo Selo. ‘Memento Mori’, por um lado, soa sombrio, por outro, é uma ode à vida. Se a certeza da finitude é a única que temos, o que estamos fazendo com nossas vidas? São esses os caminhos que gostaríamos de percorrer ou estamos apenas “jogando” nosso melhor com as peças que temos?
Tendo chegado aos 60 anos, Dave Gahan e Martin Gore, assim como qualquer humano e mortal, experimentaram o ciclo dos ganhos e também das perdas. A mais recente delas de Andrew Fletcher, um dos membros fundadores da banda. O próprio Gahan esteve muito perto; e Gore passou pela perda do padrasto.
Tudo isso está refletido no novo disco do Depeche Mode, Memento Mori, o primeiro sem Fletcher e, coincidência ou não, o primeiro em que Gore (principal responsável pelas composições) trabalha em parceria, com Richard Butler, tecladista do Psychedelic Furs. Gahan, desde que começou a contribuir com canções para os álbuns da banda, sempre trabalhou em colaborações – assim como em seus trabalhos solo. A adição de Marta Salogni aos trabalhos de produção e programação, em parceria com James Ford (que produziu o álbum anterior), acrescenta novas camadas e possibilidades ao disco.
Memento Mori soa como uma continuação de Spirit (2017) na similaridade das estruturas dos arranjos. Muitas das canções são construídas a partir das batidas secas e graves, enquanto vai agregando uma série de sons: melodias curtas e simples, riffs distorcidos, camadas de teclado, novas camadas percussivas sintetizadas, vozes, e barulhos diversos que conectam a música do grupo com a sonoridade do Industrial, elemento presente na música do Depeche Mode desde os anos 80. Há também momentos em que timbres e batidas conduzem a Violator (1990) (“My Cosmos is Mine”/”Sweetest Perfection”, “World in My Eyes”/”My Favourite Stranger” e “Always You”) e Songs of Faith and Devotion (1993).
Enquanto no disco anterior trazia um discurso politizado, de letras se debruçavam sobre os caminhos que a sociedade estava tomando e o que estávamos fazendo em relação a isso: “Onde está a Revolução?”, perguntava Ghan em “Where’s Revolution”; aqui a pergunta é para o eu interior. E apesar de não ser somente sobre isso que as letras discorrem, vide a belíssima “Don’t Say You Love Me” e suas passagens orquestradas, muitos dos temas tratam sobre morte, dor, perdas e angústias.
Embora desde sempre o Kraftwerk seja uma referência na música do grupo, de quem são “descendentes”, é somente aqui que a conexão do Depeche Mode com os alemães é totalmente evidente, no uso de timbres e efeitos de associação imediata (“Wagging Tongue”), e chegando até a soar como uma homenagem aos pais da música eletrônica, em “People are Good”, canção de versos marcados pela ambiguidade, não permitindo de imediato concluir se Gahan concorda com Nick Cave: “as pessoas não são boas” (“Ain’t No Good”, do álbum Boatman’s Call).
Considerando a abertura da dupla para parcerias, não deixa de ser interessante pra um futuro próximo pensar uma colaboração com o ex-Kraftwerk Karl Bartos.
Da parceria com Butler surgem as canções mais inusitadas do disco: “My Favourite Stranger” (que mais carrega em barulhos intermitentes) e na profusão de synths de “Caroline’s Monkey”. Mas o fruto mais saboroso dessa “união” é a ótima “Ghosts Again”, canção com força de hit instantâneo – apesar da letra pesada -, algo que a banda não conseguia desde “Precious”, do álbum Playing the Angel (2005).
A conexão com Violator e com a fase oitentista da banda percorre quase todo o disco. Não é algo de forma direta (e provavelmente não é intencional), e nem teria como, Gahan canta hoje de uma forma bem diferente daquela época, a forma de compor de Gore já não é mais a mesma, influenciado, inclusive, pelo uso da guitarra, e não há os parceiros de outrora. Mas faixas como “Always You” e “Never Let me Go” (a batida remete a “She’s Lost Control”, do Joy Division) carregam elementos que permitem algumas associações. E isso não é ruim, pelo contrário, é um dos elementos que permite que Memento Mori seja um álbum mais “solto” que seu antecessor, se não nos temas, na sonoridade.
“Speak to Me” fecha o álbum quase da mesma forma com que abre: a voz profunda de Gahan pairando quase etérea sobre um instrumental cheio de camadas sonoras atordoantes e envolventes. Ao mesmo tempo, a letra retoma o tema da busca do eu interior. Em “My Cosmos is Mine” reivindica a manutenção da ordem do seu próprio mundo/cosmo; aqui a vontade relutante de “estar” (com alguém ou algo) ainda que correndo o risco do desapontamento.
+++ Leia a crítica de ‘Spirit’, do Depeche Mode
É um fechamento que se conecta de forma perfeita com a abertura de Memento Mori, um disco que no mais das vezes assume um tom um tanto sombrio, tanto nas letras quanto na densidade quase sufocante do instrumental (inclusive na arte da capa), fala de muito mais coisas, e nos remete a outro termo latim que poderia ser tomado como um complemento “Carpe Diem”.
Ano | Selo: 2023 | Mute Records/Columbia
Faixas | Duração: 12 | 50:24
Produtor: Marta Salogni e James Ford
Destaques: “My Cosmos is Mine”, “Wagging Tongue”, “Ghosts Again”, “Don’t Say You Love Me”
Pode agradar fãs de: Música Eletrônica
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