Na segunda metade da década de 80, o Depeche Mode viu sua carreira e seu nome seguirem em crescente a nível mundial, com o lançamento de álbuns que marcaram uma guinada musical, ao tempo em que tratavam de uma mudança visual – com o início da parceria com o fotógrafo Anton Cobijn -, e direcionavam os temas tratados nas letras para assuntos mais “instigantes”.
Essa mudança foi iniciada com o sombrio Black Celebration (1986), prosseguiu no poder radiofônico de algumas canções de Music for the Masses (que também reservava momentos mais experimentais), e culminou no aclamado Violator (1990), álbum de tons soturnos que soa como uma mescla da sonoridade de seus dois antecessores, com o grupo se permitindo o aprofundamento no uso de elementos que viriam a se tornar constantes em sua música dali em diante, incluindo o uso de guitarra, que já havia dado as caras anteriormente em “Never Let me Down”.
A Music For the Masses Tour, que apresentou o álbum de mesmo nome, colocou a banda num patamar que seguiria se elevando a cada novo lançamento, com shows em estádios para plateias enormes. O documentário 101, que mostra a turnê nos EUA, dá uma dimensão da enormidade que a banda havia chegado, com sua popularidade se tornando gigantesca naquele país e outros países das Américas.
Com os novos enfoques musicais que o grupo explorou em Violator, surgia uma nova “fórmula”. Melhor, um novo universo de possibilidades para o Depeche Mode, cujo nome estava associado desde o seu início, de forma umbilical, ao que ficou conhecido na primeira metade dos anos 80 como Synthpop – primando pela vibe totalmente eletrônica, impulsionada por camadas de teclados, sintetizadores, batidas eletrônicas e elementos de música Industrial -, do qual eram ícones. O êxito alcançado com Violator foi enorme, coroando o início da parceria com o produtor Flood e também com o fotógrafo Anton Corbijn, que apresentava a banda em imagens sombrias, quase que exclusivamente em preto e branco.
Esse contexto criou uma pressão gigantesca sobre a banda para o sucessor de Violator, principalmente em Martin L. Gore, o responsável pelas composições desde a saída de Vince Clark lá nos primórdios do grupo. Isso influenciou negativamente o processo criativo de Gore e amplificou as tensões internas. Mas era apenas o começo dos problemas que envolveriam as gravações de Songs of Faith and Devotion.
Para as primeiras gravações, tomando como exemplo algo feito com resultados positivos pelo U2, Flood sugeriu que a banda se enfurnasse numa casa em Madrid onde todos passariam a morar/gravar por algumas semanas. Teoricamente, a ideia parecia promissora; na prática, se mostrou desastrosa, criando uma tensão enorme entre Alan Wilder e Martin Gore. Essa nova dinâmica de gravação acabou se tornando um verdadeiro inferno para todos os envolvidos. Sem um trabalho de pré-produção, como era comum fazerem antes das gravações dos álbuns, o grupo se viu preso num ambiente sufocante, marcado pela falta direcionamento, o que, inclusive, minou parte da confiança.
Em muitos momentos a rotina no estúdio consistia de jams, com Gore tocando guitarra, Wilder no baixo e alguém operando uma drum machine ou algo do tipo, e alguém tocando pandeiro.
Ao mesmo tempo, Dave Gahan, que na época havia fixado residência em Los Angeles, mostrava-se extremamente influenciado pelo contato com o Grunge e bandas como Jane’s Addiction e Soundgarden, e queria que fizessem um álbum de Rock, diferente do que o restante da banda tinha em mente. Nesse período, Gahan havia se tornado viciado em heroína, mudado completamente seu visual (deixando a barba e cabelo crescerem), e perdido bastante peso, chegando a pesar apenas 55 quilos. Sua rotina durante boa parte do período de gravações em Madrid consistia em trancar-se em seu quarto, enquanto Wilder e Gore travavam discussões ferrenhas, e Flood chegou a chorar com toda a situação em que estavam envolvidos (esse seria seu último trabalho com a banda). Ao abandonar tudo que deu certo em Violator, banda e produtor pareciam num caminho sem saída.
Se essas primeiras gravações serviram para algo, foi mostrar o quão equivocado foi todo o processo de gravação do disco. Gore diria, posteriormente, que Songs of Faith and Devotion foi o álbum mais difícil de fazer até então e que, apesar de tudo, era um dos seus favoritos.
O ambiente tóxico dessas gravações deixou uma marca negativa indelével em Wilder, que decidiu que não permaneceria mais na banda, embora só deixaria o grupo anos depois, em 1995. Para o multinstrumentista, esse período serviu de aprendizado, um alerta para que nunca esquecesse daqueles momentos, considerando-o o pior pelo qual já havia passado na banda, e uma grande perda de tempo. De todo modo, as dez longas e tortuosas semanas em Madrid, rendeu a gravação de três canções, “Walking in my Shoes” dentre elas.
No documentário We Were Going to Live Together and It Was Going to be Wonderful, lançado em DVD, em 2006, na versão Collector’s Edition do álbum, banda, produtor, empresário, jornalistas e técnicos envolvidos no processo contam sobre o terror que foram as gravações. O próprio título é uma frase dita por Alan Wilder em uma de suas falas, e é uma completa ironia: ‘Vamos morar juntos e será maravilhoso’.
O processo de gravação do álbum só começaria a funcionar quando a banda voltou para a rotina normal de estúdio, já no Chateau du Pape, em Hamburgo (Alemanha). Apesar de todo o pesadelo inicial, ocasionado por essa série de mudanças, ‘SOFAD’, se tornou, na época, o álbum mais bem sucedido do Depeche Mode, atingindo o topo das paradas em diversos países simultaneamente, algo até então inédito para a banda. Ao tempo que redefiniu a historia da banda.
Apesar da aclamação do disco, a relação do quarteto estava desgastada, e corroía cada um dos integrantes ao seu modo. Havia rumores de que a banda iria se separar. A turnê de divulgação do álbum, a gigantesca (e cara) Devotional Tour, seguida pela Exotic Tour/Summer Tour, a mais extensa feita pela banda – durou 14 meses e mais de 150 apresentações -, acabou por esfacelar o grupo física e psicologicamente, com Gore se entregando ao vício em álcool, Fletcher sendo afastado de vários shows (substituído por Daryl Bamonte), Gahan cada vez mais se afundando no vício e Wilder, no íntimo, esperando o momento de deixar a banda.
Sobre o álbum, não há como não pensar que, de muitas formas, Gahan conseguiu seu intento inicial, já que, até ali, esse era o disco mais Rock do Depeche Mode, com o uso de riffs distorcidos de guitarras (“I Feel You”, “Rush) em algumas faixas, balanço Funk (“Mercy in You”) em outras, uso da bateria orgânica se misturando ao lado eletrônico (que pode ser conferido no excelente Devotional), corais Gospel e ritmos de Blues (“Condemnation”, “Get Right With Me”). Algo que os fãs mais puristas olharam com certa desconfiança, mas que permitiu ao grupo expandir ainda sua base de fãs, não só pela densidade das canções como pelos temas tratados nas letras: culpa, dúvida, dor, prazer, religião.
O álbum renderia hits poderosos e atemporais como “Walking in my Shoes” (para alguns a melhor canção do grupo), “In Your Room”, “Judas” e “Condemnation”, faixa que impactou Gahan de uma forma tão positiva que ele lutou (e conseguiu) que Gore cedesse para ele cantar, e o resultado é realmente sublime.
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Songs of Faith and Devotion foi lançado no dia 22 de março de 1993, tendo completado trinta anos. Suas referências seriam mantidas na música do Depeche Mode em álbuns posteriores. Sua influência atingiria artistas ao redor do mundo, pode ser resumida na declaração do músico inglês Gary Numan, contemporâneo dos rapazes de Basildon: “Eu senti aquela música [Walking in My Shoes] profundamente e ela me atraiu para o resto do álbum que, junto com algumas outras, me ajudou a reformular o tipo de música que eu estava fazendo e assim me levou à música que fiz nos últimos 20 anos”.
FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:
ANO: 1993
GRAVADORA: Mute Records
FAIXAS: 10
DURAÇÃO: 47:26
PRODUTOR: Depeche Mode, Flood
DESTAQUES:“Walking in My Shoes”, “Condemnation”, “In Your Room”, “Judas”
PARA FÃS DE: Depeche Mode, Placebo, Nine Inch Nails
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