Fat White Family continuam imprevisíveis em “Forgiveness Is Yours”


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Crédito: Louise Mason

Forgiveness Is Yours é o quarto trabalho do inclassificável combo britânico Fat White Family, marcado pela perda do guitarrista Saul Adamczewski

Formado em 2011, o combo britânico Fat White Family é uma das bandas mais singulares surgidas na cena britânica nos últimos anos. Musicalmente inclassificáveis, foram resumidos, quando surgiram, com o rótulo de Indie-Rock, termo que acabou se tornando sinônimo de preguiça para aqueles que não tem tempo ou paciência para audições mais apuradas, e que abarca quase tudo que não está no mainstream, ou numa grande gravadora, ou que foge aos padrões convencionais.

E fugir dos padrões tem sido a ideia que direciona a música do grupo, atualmente comandado pelo vocalista Lias Saoudi. Desde a sua formação, o Fat White Family sofre mudanças de integrantes, a mais recente foi a saída do guitarrista, principal compositor e membro fundador Saul Adamczewski.  “A banda sempre foi uma porta giratória de membros e colaboradores e uma espécie de cubo mágico de componentes rivais”, diz o vocalista.

Nesse mesmo nível, o grupo acumula adjetivos que tanto podem causar atração quanto desinteresse – incômodo, transgressor, doentio, são alguns deles. São sensações que surgem a partir dos temas tratados nas letras de Lias e também dos videoclipes, e que atravessam seus três álbuns anteriores – Champagne Holocaust (2013), Songs for Our Mothers (2016) e Serfs Up! (2019) -, e que se fazem presentes mideradamente no recém lançado Forgiveness Is Yours.

“Today You Become a Man”, um dos singles do novo álbum, narra (ao estilo Spoken Word), entre a euforia e o desespero, a história real da bizarra circuncisão do irmão de Lias, uma história familiar transformada em uma canção tensa e de base abstrata, onde apenas um som de cymbal de fundo marca e mantém o tempo como uma espécie de metrônomo, enquanto todos os instrumentos surgem fragmentados, esparsos, percussivos e com acento Funk.

É surpreendente que os primeiros registros do que deveria ser o álbum eram a partir de longas sessões de Drone Music com influência dos trabalhos de Glenn Branca, posteriormente abortados, já que a chance de ser aceito pela gravadora era zero – pode ser que venham à tona no futuro.

Com trabalhos marcados pela imprevisibilidade, também em  Forgiveness Is Yours o grupo não estabelece um estilo específico ao longo das onze faixas (e nem era de se esperar), transitando por gêneros e sonoridades diversas, com certo pendor para o Pop francês da década de 60.

“Visions of Pain” bebeu claramente em “Águas de Março”, composição de Tom Jobim imortalizada na voz de Elis Regina. Soa como se a canção original fosse travestida para o estilo Leonard Cohen em sua fase oitentista, após descobrir e se encantar com a TR-808. Esse estilo crooner assumido pelo vocalista, que conecta tanto com Cohen quanto com Lee Hazelwood e até Nick Cave, é algo recorrente na música do FWF (ouça “Feet”, do álbum anterior), aqui surge na balada “Religion for One” (um dos singles do álbum) e também em “What’s That You Say”.

Nesse caleidoscópio musical, as letras de Lias, aqui menos abstratas e mais diretas (nem sempre!), acaba estabelecendo o ponto de partida e chegada do disco. Em 2014 ele encarnou Mark E Smith, o saudoso vocalista do The Fall (“I am Mark E. Smith”), aqui ele homenageia John Lennon na pegada Chamber-Pop de “John Lennon”, cuja letra surgiu após um encontro que teve (após ter usado drogas) com Sean Lennon (com quem tocou junto) e Yoko Ono.

Os timbres oitentistas são uma constante, surgem através dos sintetizadores de “Bullet of Dignity”, com toques de música oriental; em “Poligamy is Only for the Chief”, que remete aos Pop feito por artistas como Prince nos anos 80, e é alimentada por elementos de música industrial, com sintetizadores emulando os sons de guitarra, e momentos de total estranhamento experimental; e são totalmente evidentes nas batidas sintetizadas de “Work”, dos momentos mais acessíveis de Forgiveness Is Yours.


Leia a crítica de ‘Loss of Life’, do MGMT


Sempre dispostos a soarem estranhos, Forgiveness Is Yours mantém o Fat White Family dentro de seu castelo construído a partir da imprevisibilidade. A finalização com o bucolismo/cabaret de “You Can’t Force It” é apenas um reforço do caminho seguido aqui. Sonoramente, ela tenta se conectar com “The Archivist”, que abre o disco, mas soa deslocada no contexto geral do disco. Mas não há um contexto ou conceito definido para o disco. A falta de conceito é o que o define. E nesse sentido, é um trabalho de acordo com a maneira como as pessoas ouvem música atualmente, sem ater-se ao conceito de álbum. Por outro lado, é um trabalho de uma banda que segue demonstrando coragem de fazer as coisas ao seu modo. No conjunto da obra, difícil e imprevisível, mesmo nos momentos mais interessantes, como todos os seus trabalhos anteriores.

"Bullet of Dignity", do Fat White Family, está em nossa Playlist de 2024

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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

ANO: 2024
GRAVADORA: Domino Recording
FAIXAS: 11
DURAÇÃO: 40:14 min
PRODUTOR: Fat White Family
DESTAQUES: “Bullet of Dignity”, “Today You Become a Man”, “Religion for One”
PARA FÃS DE: Fat White Family, Leonard Cohen, Chamber-Pop

 

 

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