Se essa seção seguisse uma ordem cronológica na sequência de aquisição dos meus vinis, Cadê as Armas seria o primeiro disco resenhado. Mas os caminhos que trilhamos aqui são “erráticos”, no sentido de não haver uma cronologia, seguindo mais o “humor” deste que vos escreve.
Considero Cadê as Armas o primeiro disco que comprei em minha vida.
Na época, havia recém descoberto a loja Cabaret Voltaire (comentada em episódios anteriores), e entre vários vinis belamente expostos na parede, lá estava esse das Mercenárias. Coisa fina, hoje rara, lançado pelo selo Baratos Afins.
Ouvi o álbum na loja rapidamente (até porque a duração dele é curta mesmo). A emoção pela compra do primeiro disco “de verdade” era tanta que talvez não tenha prestado a devida atenção a música em si. Mas sabia que ali estava representado tudo que eu esperava de uma banda independente nacional: letras bem sacadas, baixo marcante, guitarras rascantes e, acima de tudo, uma atitude ‘Do It Yourself’.
E o disco não me decepcionou!
Com sua pegada oscilando entre elementos do Punk e também do Pós-Punk, as Mercenárias constroem canções simples e curtas mas de efeito arrebatador, com letras que são como poemas. E o baixo? Para um jovem aprendiz, estava ali uma grande aula de como criar linhas diretas e interessantes.
As Mercenárias mostram, seguindo o lema Punk (como muitas outras bandas), que o resultado final pode ser muito bom sem precisar ser muito técnico, sem fazer firulas.
E as letras? As letras misturam críticas ácidas as instituições de forma direta ou em forma de ironia, mas também eram poesias musicadas que mostravam a inadequação do indivíduo num mundo que lhe parece hostil, as pressões a que estamos submetidos na virada pós adolescência. Capitaneavam assim todo o meu sentimento da época.
Há vários trechos líricos lindos no álbum, alguns que merecem destaque: “De que adianta arranjar treta comigo se sou inimigo do seu inimigo” (Inimigo); “Somos carreiras, somos imagens, somos sucesso…somos imagens, somos beleza, somos fracasso, somos sucesso” (Imagem) ;“Vozes, vidros quebrados, estiletes na mente. O Eu fragmentado, amor Inimigo. A solidão é um fato!” (Amor Inimigo); “Corremos atrás do que é tão novo. Chegamos antes que tenha nascido. Corremos muito mais e aceleramos, como um no fliperama pervertido” (Labirintos)
E a mais ácida de todas: “O jovem rebelde e criativo questiona e desobedece o poder, daí encontra com Jesus e as leis da Santa Igreja vai obedecer. Vai se foder!” (Igreja)
+++ LEIA OUTROS EPISÓDIOS DESSA COLUNA
Cadê as Armas é um álbum curto, em 45 RPM. Dá seu recado de forma perfeita em menos de vinte minutos (na época tinha que ouvir duas vezes, por terminar tão rápido). Mas até hoje uma aula para bandas iniciantes, ministrada por quatro garotas no longínquo ano de 1986 e cantada com uma intensidade/sinceridade incrível.
FAIXAS:
01. Me perco
02. Polícia
03. Imagem
04. Inimigo
05. Pânico
06. Amor inimigo
07. Loucos sentimentos
08. Labirintos
09. Além acima
10. Santa igreja
Esta seção sempre foi especial pra mim, porque sempre estive por perto dos acontecimentos que você relata… Parabéns por mais uma boa e construtiva lembrança, pois o punk (do it yourself) acabou sendo o principal pilar para nossa formação de modo geral.
Valeu Ângelo, tamo junto!