‘Culpa e Desejo’ tenta provocar com tema tabu, mas é uma obra tediosa


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Falta de foco é um dos grandes problemas de ‘Culpa e Desejo’, longa da diretora e roteirista francesa Catherine Breillat

Catherine Breillat é uma diretora e roteirista conhecida desde a década de 1970 pelo seus filmes sobre desejos sexuais femininos. Em seu livro Brutal Intimacy: Analyzing Contemporary French Cinema, o historiador Tim Palmer aprofunda a relevância de Breillat no cenário cinematográfico francês, especialmente no que tange a essa temática. Palmer, ao discutir as contribuições da cineasta ao longo das décadas de 1970 e 1980, descreve o tratamento de Breillat como cáustico e inovador. Durante os anos 1990, Palmer observa que Breillat persistiu em explorar esse tema. Nesse período, a cineasta, segundo Palmer, utilizou o sexo como um meio de emblematizar lutas de poder, revelar disparidade entre gêneros e expor relações desequilibradoras presentes na estrutura social. Ao fazê-lo, Breillat transcendeu as fronteiras convencionais, inserindo-se em um terreno cinematográfico que vai além do simples retrato dos desejos sexuais femininos.

Possuindo esse longo histórico de, surpreendentemente, quase cinquenta anos, é possível enxergar em Culpa e Desejo que o interesse temático de Breillat não mudou. Breillat, desta vez, tenta, supostamente, fazer algo complexo e provocador evocando um assunto muito problemático na sociedade ocidental. No filme, Anne (Léa Drucker), uma mulher adulta especializada em violência sexual contra menores de idade, se interessa por Théo (Samuel Kircher), seu enteado de dezessete anos.

Conhecendo um pouco da própria marca narrativa da diretora, esse cenário, em uma primeira observação, sugere a utilização do desejo de Anne como algo que será usado para refletir sobre moralidade, mesmo que utilizando uma maneira potencialmente controversa. Entretanto, Breillat parece deixar essa ideia de lado, o que nos leva a pensar: O que a diretora quis fazer? Quais foram suas intenções? O que ela quer falar para nós com esse filme?

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Lea Drucker e Samuel Kircher em ‘Culpa e Desejo’ (2023)

Bom, me parece que nem ela sabe. Pois, se sua intenção é realmente trabalhar com essa ideia contraditória de sucumbir a algo que Anne em sua vida profissional tem o dever de combater, ela falha miseravelmente, pois acredita que iniciar o filme mostrando o trabalho de Anne e eventualmente trazê-lo de volta a narrativa em cenas que não duram três minutos são o suficiente para criar uma teia de complexidade narrativa.

No filme, o trabalho de Anne pouco parece importar, concentrando o tabu simplesmente em uma relação que é estritamente proibida, principalmente por motivos éticos. Isso, no entanto, não deixa de evocar a moralidade, esta que, na verdade, será bem mais trabalhada em nosso subjetivo do que no filme. Então, basicamente, a Breillat cabe nos apresentar aquele ‘‘romance’’ e nosso dever é entender aquilo como errado ou certo.

E talvez esse seja um dos pontos mais problemáticos quanto a narrativa, pois a própria diretora, reafirmo aqui, não nos indica, não objetiva suas intenções com a produção e toda obra possui, necessariamente, um sentido, uma objetivo. Dessa forma, observamos Breillat concentrar seus 104 minutos de rodagem em uma relação apática, que não aflora repulsa, tão pouco interesse.

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Nesse sentido, unido a ausência de conflitos, a ausência de desejo aflorado (em uma escala mais subjetiva) e a imprecisão quanto a narrativa (qual é o sentido disso?), não sobra muita coisa. Culpa e Desejo é um filme morno e eu percebo que a culpa vem da tentativa de fazer algo apenas provocador para uma sociedade onde temas assim não chocam mais. Culpa e Desejo é tão superficial e indefinido quanto um original Netflix sobre a mesma temática.

CLIQUE PARA ASSISTIR AO TRAILER

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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

TÍTULO ORIGINAL: L’été Dernier
ANO: 2023
GÊNERO: Drama, Thriller
PAÍS: França
IDIOMA: Francês
DURAÇÃO: 1:36 h
CLASSIFICAÇÃO: 16 anos
DIREÇÃO: Catherine Breillat
ROTEIRO: Pascal Bonitzer, Catherine Breillat e Maren Louise Käehne
ELENCO: Léa Drucker, Samuel Kircher, Olivier Rabourdin, Clotilde Courau e outros
AVALIAÇÕES: IMDB

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