Arnaldo Antunes fez história ao lado dos Titãs na década de 80, com letras bem sacadas que exploravam principalmente o estilo da Poesia concreta. Em carreira solo, desde a saída do então octeto, o vocalista tem uma longa discografia solo que vem desde Nome (1993), e soma ao currículo o projeto paralelo Tribalistas, com Marisa Monte e Carlinhos Brown.
O Real Resiste, seu novo álbum, foi gravado em meados de 2019, no sítio-estúdio Canto da Coruja, no interior de São Paulo, “entre árvores, banhos de lago, cavalos, cachorros, crianças e galinhas”, e traz já no seu título o que bem pode ser a mensagem que o artista pretende passar, explicitada na letra de mesmo nome, desde já uma das melhores lançadas em 2020.
Para a gravação do álbum, Arnaldo se cercou de um time de músicos e parceiros Cézar Mendes, que toca violão de nylon em todas as faixas do álbum é um deles. Entre os músicos há Daniel Jobim (neto de Tom Jobim) no piano, Dadi Carvalho na guitarra, baixo e ukulelê e Chico Salem na guitarra e violões. Há ainda a participação da filha de Arnaldo, Celeste Antunes, e da esposa, a Artista Plástica Márcia Xavier, tanto nas vozes quanto em composições.
Arnaldo mostra a perplexidade em relação ao posicionamento das pessoas, enumera uma série de coisas que EXISTEM, mas para alguns não existem, e mescla com lendas do folclore brasileiro, num jogo inteligente de palavras que captam não só a realidade brasileira, mas também mundial: “Autoritarismo não existe, Sectarismo não existe, Xenofobia não existe, Fanatismo não existe, Bruxa fantasma bicho papão, O real resiste, É só pesadelo, depois passa, Na fumaça de um rojão, É só ilusão, não, não, Deve ser ilusão, não, não”. Instrumentos de corda e riffs de guitarra somam-se ao piano grave para dar o tom tenso da canção.
O vocalista Arnaldo tem aquela já conhecida voz grave, quase um trovão ao encontrar a saída dos alto-falantes, às vezes, para enfatizar suas letras/poesias, inflexiona de forma até incômoda. Musicalmente, O Real Resiste é um álbum de canções de arranjos simples, a maior parte acompanhada apenas de violões e piano, sendo o seu canto o elemento principal. Esse minimalismo é uma ideia propositada e está captado na capa de tons em preto-e-branco com o título pichado numa parede com a palavra “resiste” se dissolvendo.
Apesar do título, não é um álbum conceitual, Arnaldo segue por temas diversos em suas letras.
Musicalmente é possível encontrar tanto o Samba , quanto a MPB e também a Bossa-Nova. Na faixa de abertura, a delicadeza instrumental de “João” (homenagem a João Gilberto), o poeta Arnaldo segue rimando em tom sóbrio palavras com terminação mais comum na Língua Portuguesa, o “ão”, para falar que a construção de uma nação é mais do que erigir monumentos: “São tantos e tão poucos tem noção/ De como se inaugura uma nação / Não é bem com monumentos / Ou com balas de canhão / É quando uma brisa bate na respiração / E entra no juízo de um João”.
Em “De Outra Galáxia” o cantor faz dueto consigo mesmo utilizando suas duas formas de cantar: o grave e o quase esganiçado, para falar de um amor tão imenso que não cabe na atmosfera da terra. É uma das canções mais bonitas do álbum. “Termo Morte”, a faixa mais melancólica do álbum, musicalmente utiliza os mesmos elementos de suas antecessoras, exceto por riffs de guitarra distorcida cortante que rasgam o bucolismo construído pelo piano e o violão, numa letra que lembra para a Morte o acordo de como a morte deve ser: “Venha, de repente, imperceptível / E me leve o mais rapidamente possível / Venha sem aviso, invisível / E me leve o mais subitamente possível”.
Arnaldo havia gravado a canção “Devagarinho” anteriormente com a cantora Illy, Baco Exu do Blues e o duo de produtores DKVPZ, numa versão chamada “Devagarinho 2.0”, que tinha elementos eletrônicos. Aqui ela surge numa versão Bossa-Nova, despida de quaisquer floreios, apenas com violão e piano.
“Língua Índia” e “Dia de Oca”, duas das faixas do álbum foram influenciadas pela viagem que Arnaldo fez ao Acre, onde visitou a aldeia dos índios Iauanauás. “São maneiras de valorizar a cultura indígena, que deve ser defendida”, afirmou o artista em entrevista recente. Em “Língua Índia”, um poema musicado, Arnaldo guarda uma das várias frases interessantes espalhadas no álbum: “o que vinga vem da mudança”. As próprias comunidades indígenas são exemplos desse real que resiste.
O Real Resiste, mais que o título do álbum, representa todos que se posicionam, que se indignam e que dizem não aos absurdos que se acumulam diariamente nesse nosso Brasil. E embora liricamente o álbum tome caminhos diversos, sua mensagem mais forte está no verbo que compõe seu título: resistir.
NOTA: 7.8
NOTA DOS REDATORES:
Eduardo Juliano: –
Eduardo Salvalaio: –
Isaac Lima: –
Marcello Almeida: –
MÉDIA: 7.8
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:: FAIXAS:
01. João
02. De Outra Galáxia
03. Termo Morte
04. Devagarinho
05. Na Barriga do Vento
06. Luar Arder
07. O Real Resiste
08. Língua Índia
09. Dia de Oca
10. Onde é Que Foi Parar Meu Coração
:: Ouça o álbum na íntegra:
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