‘Retratos Fantasmas’ mostra influência das transformações urbanas nos cinemas de rua


Representante brasileiro para a 96.ª cerimônia do Oscar, Retratos Fantasmas é mais uma obra primorosa de Kleber Mendonça Filho

Memória é diferente de História. Memória é um conhecimento que parte de lembranças individuais e do que foi construído a partir de jogos de poder acerca de um objetivo, de um evento. História é a visão crítica, a problematização das fontes do passado e da própria memória.

Sinto a necessidade de começar o texto de Retratos Fantasmas explicitando as diferenças, pois o trabalho de Kleber Mendonça Filho não é história e, provavelmente, como filho de historiadora, ele sabe disso. Retratos Fantasmas não é sobre a história de Recife Antigo, tão pouco sobre a história dos inúmeros cinemas espalhados pela antiga grande zona comercial de Pernambuco.

Por mais que seja resgatada uma fonte ou outra que pode ser de grande utilidade para o estudo da região, Retratos Fantasmas é sobre memória, sobre a memória afetiva de Kleber pelos cinemas de rua de sua cidade natal e o confronto que dura uma existência, de aceitar que agora os cinemas são fantasmas, vivendo em construções abandonadas, farmácias ou igrejas.

O grande diferencial de Retratos Fantasmas está em como Kleber constrói sua memória. E para elucidar isso, comparo o trabalho feito nessa produção com o projeto igualmente pessoal do também brasileiro Karim Ainouz em Marinheiro das Montanhas. Karim, ao contar a história de sua família, investe em imagens apenas do presente para falar sobre o passado e, quando necessário, compartilha arquivos pessoais, fotos de seus pais quando mais novos, imagens suas. Kleber até parte do mesmo local, usa do familiar, de imagens recentes para, finalmente, chegar a sua relação com o cinema de rua. Ele, no entanto, possui a seu favor um grande acervo, que vai de seus filmes a inúmeros arquivos pessoais em vídeo e fontes escritas consultadas em arquivos públicos.

Retratos-Fantasmas

Assim, mais uma vez provando que é um dos melhores cineastas brasileiros da atualidade, Kleber não desperdiça esse material, não faz dele meros acrescimentos. Os vídeos e fotografias que surgem em tela não são apenas para preencher o lado “informativo” do documentário. Esses materiais fazem o completo oposto disso, pois são definitivamente o coração do filme. Dos “personagens” para a produção à montagem, são esses materiais que movem a narrativa.

Nesse sentido, cabe evidenciar o trabalho de montagem, que consegue formar uma unidade bastante orgânica no exercício de unir memórias de arquivo a imagens atuais de Recife Antigo. Como Kleber explora bastante a sua casa e a sua rua em seus filmes e registros pessoais antigos, o filme garante ótimas passagens, geralmente construindo-se como um quebra-cabeça “resolvido” com uma peça errada para composição de uma cena. O filme, dessa forma, se monta como um exercício contínuo de incluir o novo em algo antigo, e vice-versa, seja formando uma cena de Recife ou a fachada de um cinema.

+++ Leia a crítica de ‘Marinheiro das Montanhas’, de Karim Ainouz

Representante brasileiro para a 96.ª cerimônia do Oscar, Retratos Fantasmas é mais uma obra primorosa de Kleber Mendonça Filho.

CLIQUE PARA ASSISTIR AO TRAILER

retratos-fantasmas-poster

FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

TÍTULO ORIGINAL: Retratos Fantasmas
ANO: 2023
GÊNERO: Documentário, História
PAÍS: Brasil
IDIOMA: Português
DURAÇÃO: 1:33 h
CLASSIFICAÇÃO: 12 anos
DIREÇÃO: Kleber Mendonça Filho
ROTEIRO: Kleber Mendonça Filho
ELENCO: Kleber Mendonça Filho, Sônia Braga, Tony Curtis, Janete Leigh, Maeve Jinkings e outros
AVALIAÇÕES: IMDB

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