Entre o esquecível e o subestimado, o irregular ‘Wild Mood Swings’, do The Cure


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The Cure fase 'Wild Mood Swings'

Vivendo um momento feliz, Robert Smith resolveu dar novos ares ao som do The Cure em ‘Wild Mood Swings’, mas o álbum não foi bem recebido

Após o sucesso de Disintegration (1989) e Wish (1992), dois álbuns de canções densas, com longos momentos instrumentais, e que venderam muito, Robert Smith resolveu mudar o enfoque em seu (atrasado) décimo álbum de carreira, Wild Mood Swings (1996), lançado em plena efervescência do Britpop.

No período pós Wish e que antecedeu o lançamento do novo álbum, a banda emplacou a faixa “Burn” na trilha sonora do filme O Corvo, mas perdeu dois membros importantes da formação que produziu uma sequência de quatro grandes álbuns: o guitarrista Porl Thompson e o baterista Boris Williams. Por outro lado, o The Cure teve o retorno do tecladista Roger O’Donnell e a reintegração de Simon Gallup, que havia se afastado por problemas de saúde.

A então formação dos sonhos de Smith, que vinha desde The Head On The Door (1986) e marcou um período frutífero e feliz internamente, começava assim a se desfazer. Embora Smith tenha comentado em entrevista que essas mudanças deram novos ares para o grupo, elas tiveram impactos decisivos e não muito positivos na sonoridade de Wild Mood Swings. Apesar de tudo, Smith estava feliz, mesmo após uma arrastada batalha judicial promovida pelo ex-integrante e fundador Lol Tolhurst, que deixou a banda logo após Disintegration.

Dessa forma, o The Cure que deu início às gravações de Wild Mood Swings era formado por Smith, Gallup, Perry Bamonte e Roger O’Donnell. Para a bateria, foram usados vários bateristas de estúdio. E a produção ficou dividida entre Smith e Steve Lyon, inicialmente contratado para ser engenheiro de som por conta de seu trabalho com o Depeche Mode.

O título escolhido para o disco: “mudanças bruscas de humor” ilustra o momento mais radiante do líder do The Cure. E é essa mudança de humor que se destaca no conjunto do disco e também ao ser colocado em contraste com seus antecessores. Ao invés de um trabalho monolítico e sombrio, centrado em temas que se conectam lírica e musicalmente, há aqui um conjunto de canções com temas e musicalidade diversificada, que se conectam com as fases mais “tolas” e até brincalhonas do Cure, que rendeu canções como “Let’s Go to Bed”, “The Walk” e “The Lovecats”.

Wild Mood Swings é um álbum multifacetado tal qual “Kiss Me Kiss Me Kiss Me”. O grupo aposta na diversidade estilística, se permitindo adicionar elementos que vão um tanto mais além do Funk apresentado em “Hot Hot Hot”(por exemplo) ou pop descompromissado. O Cure adiciona ritmos latinos e opta por arranjos mais diretos e de clima mais ensolarado. Embora a banda esteja acompanhada de um grupo de arranjo de cordas e outro de metais.

Essa canções de um The Cure mais colorido e menos sisudo se mesclam a outras com um pouco mais de densidade instrumental. E é entre essas que incluem-se os melhores momentos do álbum: “Want”, “a pungente “This is a Lie”, “Jupiter Crash”, “Numb”,”Trap”, a tristonha “Treasure” – que soa como uma sobra do lado mais acústico de Disintegration -, e ainda a melancólica “Bare”, ao melhor estilo de Wish, que encerra o álbum. Parte daí a sensação de um trabalho desconjuntado, que atira para diversas direções, quando colocadas enfileiradas com algumas das canções que serão citadas adiante.

Enquanto “Kiss Me” foi um álbum de transição, com muitos pontos de ligação com o também multifacetado antecessor The Head on The Door, Wild Mood Swings se insere numa sequência discográfica para a qual muitos não estavam preparados para uma mudança tão brusca. E, verdade seja dita, embora entregue alguns bons momentos, carece de uma faixa realmente marcante, algo que ajudou a impulsionar vários álbuns anteriores da banda, como “Friday I’m In Love”.

Tudo isso explica muito da maneira como o álbum foi recebido. A escolha obstinada de Smith por “The 13th” como primeiro single não ajudou na divulgação. Apesar de boa colocação em alguns países, não foi suficiente para impulsionar o álbum. Os metais ao estilo marichi e climas caribenhos (Salsa) apresentam uma outra banda. O Cure até já tinha feito algo semelhante lá atrás, mas no ano de 1996 essa abordagem não “combinava” com o paradigma criado nos trabalhos anteriores, e mais ainda devido às expectativas criadas.

Numa entrevista falando de WMS, Smith comentou que não era tão bom em escrever canções alegres. Há ainda no álbum, do mesmo quilate de “The 13th” – pop leve e descompromissado – faixas como: “Strange Attraction”, “Round & Round & Round”, “Gone!”, “Return”, com essa vibe diferente. Há até um Smith irônico em “Club America”, onde canta, pela primeira vez, com uma impostação mais grave que o natural e que foi composta após uma experiência que teve em uma noitada por boates novaiorquinas com o pessoal do Depeche Mode.

Na apaixonadamente alegre “Mint Car” (segundo single do álbum), que compartilha muito de “Friday I’m In Love”, Smith quer deixar clara a maneira que se sente: “O sol nasceu, estou tão feliz que poderia gritar!/ E não há outro lugar no mundo onde eu preferiria estar / Do que aqui com você, é perfeito, é tudo que eu sempre quis”. É uma popsong ao estilo The Cure que poderia ter se tornado um hit, mas que não emplacou. Por outro lado, na abertura com a densa “Want”, o vocalista expressa a sensação de que tudo parece ao seu alcance em contraste com a fugacidade da existência.

Há alguns outros pontos que devem ser levados em consideração ao se analisar Wild Mood Swings. Devido a pressa para o lançamento, por conta dos atrasos, Smith (a contragosto de Lyon) optou por distribuir a mixagem entre diversos nomes, incluindo os requisitados Alan Moulder e Mike ‘Spike’ Drake. A falta de um baterista fixo, que só viria a ser sanada posteriormente, com a entrada de Jason Cooper, é outro elemento que desfavorece WMS. E não há como deixar de notar a perda de ênfase das linhas de baixo de Gallup, elemento marcante nos arranjos.

É um álbum longo, com 14 faixas e mais de uma hora de duração. Mas o que amplifica a sensação de sua extensão em si não é nem tanto o tempo de duração, mas a falta de uniformidade que permeia o trabalho da primeira a última faixa. Não seria de todo estranho pensar que poderia ter sido quebrado em dois EP’s de “moods” diferentes, cada um com oito faixas. Mas mais interessante (quem sabe?) se pegassem os lados B’s dos singles: “It Used To Be Me”, “Ocean”, “Adonais”, “Home”, “Waiting” e “A Pink Dream” (todos lançados no box Join the Dots) e juntassem com o melhor de WMS e lançasse um álbum e um EP.

Segundo Smith, a gravadora, na verdade, nunca sabia muito o que fazer com seus álbuns, como vendê-los ao público. Com WMS parece não ter sido diferente, embora a decisão final do que entraria ou não no disco tenha sido certamente do líder da banda, já que em determinado ponto da carreira ele decidiu que tomaria as rédeas em relação aos álbuns.

Se até então suas escolhas mostraram-se acertadas, aqui as coisas não funcionaram como o esperado, a “mudança brusca de humor” causou estranheza e repercutiu na recepção do disco, nas vendagens e na posição nas paradas. Somado a isso, a predominância do Britpop no Reino Unido e boa parte da Europa teve certo peso em como o disco foi recepcionado por público e crítica.

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Resultado, do Robert feliz que disse ter percebido que tudo parecia possível pós Disintegraton, sairia decepcionado com a recepção e repercussão ao novo trabalho, e mais uma vez voltaria a colocar em xeque a continuidade da banda. A “volta por cima” viria alguns anos depois, com uma produção mais simplificada e o retorno aos ambientes densos de outrora, no sufocante Bloodflowers (2000).

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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

ANO: 1996
GRAVADORA: Fiction Records / Elektra
FAIXAS: 14
DURAÇÃO: 61:36 min
PRODUTOR: Robert Smith e Steve Lyon
DESTAQUES: “Want”, “This is a Lie”, “Jupiter Crash”, “Numb”, “Bare”
PARA FÃS DE: The Cure, Placebo, Pós-Punk

 

 

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