CRÍTICA | Fontaines D.C. – A Hero’s Death


Fontaine D.C., foto da banda

No quesito tempo, entre o lançamento do álbum de estreia do Fontaines D.C., o surpreendente Dogrel, e do famigerado segundo álbum, A Hero’s Death, conta-se pouco mais de um ano. Uma contagem que precisa ser olhada de outro ângulo.

Enquanto o primeiro é fruto de um trabalho desenvolvido ao longo de um par de anos por uma banda iniciante e sem tantas pressões, o segundo vem carregado não só de expectativas, mas também por uma avalanche de situações pelas quais qualquer banda novata que é alçada à condição de “salvação do que quer que seja” se vê impelida a enfrentar, uma rotina estressante e desgastante de shows e outros elementos acessórios que ameaçam a sanidade de qualquer um, principalmente um inexperiente grupo de jovens amigos recém-saídos da casa dos vinte anos de idade.

Essa mistura simultaneamente atraente e algumas vezes indigesta quase deu fim à carreira do grupo de Dublin, que de repente se viu desesperadamente forçado a encontrar seu próprio reflexo no espelho e redescobrir suas identidades ou desmoronar feito castelo de areia. Enquanto a mídia e ouvintes de vários países abraçaram a música urgente do grupo, em sua terra natal uma relação de amor e ódio, admiração e desprezo, parece acompanhar a banda.

A parada forçada de shows por conta da pandemia interrompeu a escalada da montanha, mas permitiu que pudessem ter tempo para focar naquilo que é o primordial para qualquer grupo, principalmente em início de carreira, seguir compondo, criando canções, descobrindo suas potencialidades e novas sonoridades. A Hero’s Death surge a partir de todas essas premissas, que servem como ingredientes para as letras mais introspectivas de Grian Chatten e puxam seu humor mais para baixo.

Apesar disso, Chatten e seus colegas passam incólumes pelo tão falado teste do segundo álbum, apesar dos caminhos tortuosos que tiveram que caminhar até chegar aqui, e seguem relevantes no desgastado cenário das bandas de Rock.

Entre a permanência da euforia que a muitos encantou em 2019 e a busca por novas paisagens, o novo trabalho acena para os dois lados, ao tempo que mantém aberta a porta para novos universos a serem explorados.

Segue-se a rotina característica de qualquer mudança, de agradar a alguns e desagradar a outros tantos, ainda que a banda não tenha perdido sua personalidade, mas mudado o tom tanto lírico quanto musical. O olhar para dentro e perceber as pancadas sofridas toma conta dos versos e também da musicalidade, o que alguns chamarão de atestado de maioridade, o que não deixa de ser, mas mais que isso, é a salutar capacidade de não apegar-se a um modelo para seguir adiante livre de amarras.

Cientes de todo escrutínio a seguir com o lançamento do novo álbum, mantiveram os mesmos cuidados perceptíveis no debute: singles, capa, título e, por fim, o encadeamento das faixas. O desejo de ser grande (“Big”) é substituído pela negação de não pertencer, de não querer pertencer a ninguém (“I Don’t Belong”). Difícil não notar uma espécie de antagonismo nessas duas aberturas, elas praticamente definem os caminhos a serem seguidos pelos dois trabalhos. A empolgação dá lugar ao cansaço e a melancolia surge em mais momentos, para contentamento de uns e desencanto de outros.

Pouca diferença faz se é ou não melhor que o anterior ou se é disco do ano, seguem como uma banda a ser acompanhada por quem ainda acredita no insepulto e teimoso gênero musical que virou moda depreciar. Um belo álbum.

“I Don’t Belong”
Faixa que abre o disco, carregando uma aura melancólica, e é a carta de apresentação do novo álbum, informando o novo caminho a seguir no disco. A letra usa da negação ao afirmar que “Eu não pertenço a ninguém e não quero pertencer”. A levada mostra guitarras esparsas gravitando em torno de uma base grave esculpida por baixo e bateria.

“Love is the Main Thing”
Com um som de bumbo abafado, a bateria parece estar numa velocidade maior que a do vocal, que almeja segurar a apoteose que a canção deseja criar, comonum estraga prazeres proposital. Ênfase nos graves com as guitarras soando quase espaciais. Chatten abusa da repetição, assim como já havia feito em Dogrel, e algo que surgirá em outras faixas do disco: “O Amor é a coisa principal”. Soa quase como um mantra.

“Televised Mind”
Uma pegada que remete ao peso e balanço do Techno de bandas com Prodigy. Mais uma vez as guitarras seguem fazendo molduras para a base grave que está no centro. O vocalista inverte a ordem da letra, cantando primeiro o refrão e depois o verso. Mais uma vez a repetição é o artifício usado para “fixar na mente” do ouvinte.

“A Lucid Dream”
O título da canção traz a mente uma das lições do índio xamã Dom Juan a Carlos Castañeda, narradas em um de seus livros, em que ensina a controlar o sonho olhando para as mãos ou qualquer parte do corpo. Mais uma canção que se aproxima do álbum anterior. Base grave e bateria pulsante. Na verdade, a letra foi escrita como forma de falar do momento pelo qual a banda estava passando com toda a aclamação pós Dogrel e a ascensão meteórica.

“You Said”
A trama de guitarras adornadas por reverb e o cadenciamento remetem a sonoridade do Interpol. Embora a banda tenha afirmado que estava tentando soar como Brian Johnestown Massacre.

“Oh Such a Spring”
A canção mais “diferente” do álbum, trazendo o sentimento de nostalgia. Distancia-se da proposta de tudo já feito pela banda, e de alguma forma faz lembrar “Sweet Prince, do Placebo. Segundo o vocalista, a busca da canção perfeita.

“A Hero’s Death”
Mais uma faixa que se aproxima da pegada de Dogrel com uma frase repetida como uma espécie de mantra: “A vida não é vazia”, repete exaustivamente Chatten sob um instrumental que, mais uma vez, ressalta a sonoridade aberta do chimbau e a pegada pulsante e grave do baixo. Uma canção de arranjo é bem simples e direto. O herói pode ser o próprio vocalista, que de forma metafórica teria “morrido” após o lançamento do primeiro álbum.

“Living in America”
Conforme explicado pela banda, a faixa surgiu de uma jam em estúdio explorando principalmente elementos mais graves, enquanto a letra e o título usa uma frase utilizada por James Brown: “Living in America”. Há um clima de mistério nos timbres de guitarra e Chatten mais uma vez explora o tom mais grave.

“I Was Not Born”
A abertura e toda a estrutura remetem diretamente a Velvet Underground, inclusive na forma de entoar a letra, mas falada do que cantada. A ênfase aqui é na trama de guitarras que soam bem “abelhudas”, algo típico da sonoridade de fuzz antigo, que na década de 60 era conseguida com um alto falante estourado.

“Sunny”
No contexto do álbum, “Sunny” soa como “Silver”, dos Pixies, no contexto de Doolittle. É quase como uma balada acústica e o tipo de canção que tira a banda de sua zona de conforto. Poderia ser a canção que encerra o álbum, devido ao clima de fechamento e seria perfeita para encerrar. Talvez a escorregada da banda na ordem das faixas.

“No”
Seguindo o caminho da negação ou encerrando ele, já que ela está lá no título da primeira faixa, e de alguma forma permeia parte do álbum. Mais uma canção de clima intimista musical e liricamente: “Mesmo quando você não sabe / Mesmo quando você não sente, sente / Mesmo que você não sabe / Mesmo que você não sinta /Você sente, sente”.

DESTAQUES: “I Don’t Belong”, “Love Is The Main Thing”, “Oh Such A Spring”, ” A Hero’s Death”, “No”

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