Existem categorias no Oscar que parecem estar sempre relegadas ao segundo plano. Categorias que não são badaladas nem pela grande mídia nem pela própria cerimônia do Oscar, que normalmente as tem como algo de menor relevância. Estamos obviamente falando sobre os filmes em curta-metragem.
Do ponto de vista mercadológico, são filmes que normalmente não causam comoção nem geram engajamento em meio ao grande público, principalmente devido à dificuldade de veiculação e distribuição dos mesmos. No entanto, são estas produções que muitas vezes trazem o frescor e o fôlego criativo necessário para que a arte de fazer filmes autorais se renove ano após ano, longe dos grandes estúdios com suas fórmulas batidas e mais próximos das verdadeiras paixões de seus realizadores e de seus sentimentos e sonhos mais genuínos.
No intuito de trazer um pouco mais de visibilidade para estas pequenas preciosidades, falaremos sobre cada um dos 15 curtas-metragens que estão concorrendo ao Oscar 2023 nas categorias de:
DOCUMENTÁRIO EM CURTA-METRAGEM
Como Cuidar de um Bebê Elefante (The Elephant Whisperers)
Direção: Kartiki Gonsalves
Duração: 41 minutos
Filme contemplativo que retrata a rotina de um casal de cuidadores de elefantes órfãos na laboriosa tarefa de fazer com que todos, eles e os elefantes, possam sobreviver. A bela ambientação reforçada pela ótima fotografia enche os olhos, mas deixa uma sensação de falta de substância ao projeto.
Haulout
Direção: Maxim Arbugaev e Evgenia Arbugaeva
Duração: 25 minutos
Outro filme contemplativo em meio a natureza, porém com uma conclusão desoladora. Nele acompanhamos um biólogo vivendo em isolamento para estudar o comportamento das morsas no inverno polar. O problema é que, para sobreviver, elas precisam se refugiar nas geleiras que ficam cada vez menores e mais escassas a cada ano. Pena que a mensagem de preservação ecológica forte é desfavorecida por um ritmo extremamente lento.
How Do You Measure a Year?
Direção: Jay Rosenblatt
Duração: 29 minutos
Um estudo de personagem que levou vinte anos para ser concluído e que consiste em um pai (o diretor do filme) entrevistando sua filha, utilizando sempre as mesmas perguntas a cada aniversário.
Interessante notar as mudanças físicas, psicológicas e no relacionamento entre pai e filha durante todos aqueles anos, levando a ressignificações, amadurecimento e mudanças naturais que normalmente não percebemos, mas que aqui são enfatizadas pelos vários cortes abruptos de 365 dias.
O Efeito Martha Mitchell (The Martha Mitchell Effect)
Direção: Anne Alvergue e Debra McClutchy
Duração: 40 minutos
Mais um estudo de personagem, só que dessa vez, uma figura pública e histórica. Esposa do braço direito do presidente dos EUA, Martha Mitchell foi uma das responsáveis pela queda do governo Nixon no escândalo Watergate por “falar demais”.
O filme foca em como a Casa Branca e a imprensa da época tentou ridicularizá-la e taxa-la de louca num exercício ímpar de difamação, que só conseguiu ser revertido muitos anos depois. O didatismo em excesso infelizmente resultou em um filme morno e burocrático.
Stranger at the Gate
Direção: Joshua Seftel
Duração: 29 minutos
Após servir ao exército dos EUA por 17 longos anos, um condecorado herói/assassino de guerra americano sai do oriente médio e volta para sua cidade natal, aonde passa a arquitetar um plano para explodir uma imensa mesquita nas proximidades, o que levaria a morte de cerca de 200 mulçumanos.
O filme toca em temas delicados como patriotismo doentio, xenofobia e intolerância religiosa, com uma leveza impressionante. As decisões narrativas são muito assertivas, ao mesclar os depoimentos dos vários núcleos da história: a família do soldado, os mulçumanos e o próprio soldado, neste que é um dos melhores projetos sobre redenção já realizados.
CURTA DE FICÇÃO
An Irish Goodbye
Direção: Tom Berkeley e Ross White
Duração: 23 minutos
Comédia repleta do humor pitoresco irlandês e que, por este motivo, pode causar certa estranheza. Na história simples, após a morte repentina da mãe, um jovem com síndrome de Down descobre juntamente com seu irmão, uma lista de desejos não realizados da matriarca e decidem realiza-los.
A partir daí presenciamos uma série de pequenas esquetes que oscilam entre piadas bobas, humor negro, humor escatológico, humor depreciativo, humor corporal, etc. Como não bastasse a variação de humor, o filme ainda tenta passar uma mensagem edificante sobre exclusão. A indefinição é o que define esse curta.
Le Pupille
Direção: Alice Rohrwacher
Duração: 37 minutos
Com espírito mambembe, esse é, sem dúvida, o filme mais fofo do ano. Elaborado para parecer despretensioso e com atores mirins errando as marcações, espirrando e atuando desengonçadamente, Le Pupille passa a sensação de uma peça amadora infantil propositalmente “mal” encenada.
Na história, que é baseada em uma carta real, crianças órfãs vivendo em um convento italiano, precisam lidar com freiras em surto, acusações descabidas de pecado, problemas do povo da vila em meio a pobreza e a guerra e principalmente com uma vontade absurda de comer um bolo que levou 70 ovos pra ser preparado. Um afago no coração.
Ivalu
Direção: Anders Walter e Pipaluk K. Jørgensen
Duração: 16 minutos
Nas gélidas e belíssimas paisagens da Groenlândia, uma jovem busca incansavelmente por sua irmã desaparecida, refazendo seus passos, através das memórias dos momentos felizes que compartilharam.
O clima de mistério e misticismo vai aos poucos dando lugar a uma dura realidade. Um alerta poético e magistralmente fotografado sobre um “câncer” que precisa ser estirpado da nossa sociedade.
Night Ride
Direção: Michael Kruger e Casey Crocker
Duração: 9 minutos
Um filme extremamente problemático sobre figuras representativas de afirmação, que são hostilizadas das piores maneiras, em um filme que peca por focar mais nas agressões do que nas consequências.
Na história, uma anã furta “sem querer” um trem urbano e, enquanto pega mais passageiros, presencia passivamente inúmeras agressões a uma travesti. O filme é aquele tipo de tiro que sai pela culatra. Mal dirigido, mal escrito e mal realizado.
The Red Suitcase
Direção: Cyrus Neshvad
Duração: 18 minutos
Tenso e extremamente relevante, o curta acompanha uma jovem iraniana de 16 anos num aeroporto de Luxemburgo tentando escapar do desconhecido futuro marido para o qual foi prometida em casamento por seu pai.
O tema, extremamente delicado, pode ofender culturalmente toda uma tradição que oprime e obriga jovens moças a se submeterem às regras patriarcais ultrapassadas. Suspense extremamente bem feito e com final contundente e incômodo. Uma preciosidade.
Curta de animação
O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo (The Boy, The Mole, The Fox and The Horse)
Direção: Peter Baynton e Charlie Mackesy
Duração: 32 minutos
Desenho inglês em 2D minimalista, de traços simples e suaves e que não esconde suas pretensões de agradar ao público que se identifica com projetos de autoajuda. Na história, um garoto depressivo num cenário desolado pela neve, tenta encontrar o caminho de volta para casa com a ajuda de três novos amigos.
O filme é baseado no livro homônimo, que por sua vez foi baseado nas frases de autoajuda que o autor passou a publicar em suas redes sociais durante o isolamento na pandemia. O ritmo lento e contemplativo somados às inúmeras frases (óbvias) de efeito, acabam tornando o filme enfadonho e tedioso. Porém, pela facilidade de compreensão e pela universalidade dos temas, pode agradar o grande público.
The Flying Sailor
Direção: Amanda Forbis e Wendy Tilby
Duração: 9 minutos
Filme que mistura traços caricatos em 2D com cenários 3D para realizar um exercício imaginativo baseado em fatos verídicos.
Os fatos: um marinheiro é lançado pelos ares por conta de uma explosão num porto e é encontrado 100 metros depois praticamente sem arranhões e totalmente nu.
O curta tenta propor o que teria se passado na mente daquele marinheiro naqueles segundos de voo, porém o faz de maneira óbvia, exagerada e imageticamente confusa, fazendo com que o filme não “decole”.
Ice Merchants
Direção: João Gonzalez
Duração: 14 minutos
O primeiro filme português a concorrer ao Oscar é simplesmente deslumbrante. Seus traços simples e pouco coloridos servem a uma ambientação totalmente bela e desoladora.
Na história, um pai e seu filho pequeno vivem isolados numa casa pendurada no topo gelado de uma montanha extremamente alta, da qual eles pulam de paraquedas todos os dias para venderem o gelo que fabricam na madrugada. Até que as temperaturas aumentam e uma avalanche coloca em risco as suas vidas.
Filme extremamente tocante sobre as intuições que nos salvam, as saudades que nos cercam e a presença zelosa incessante dos nossos familiares que já partiram.
My Year of Dicks
Direção: Sara Gunnarsdóttir
Duração: 24 minutos
Projeto caótico, que mistura vários estilos de animação numa narrativa acelerada dividida em 5 capítulos, para descrever o ano em que uma adolescente de 15 anos decide perder a virgindade, mas só passa por constrangimentos.
O filme tenta emular a mente confusa e imaginativa da protagonista, com suas inúmeras dúvidas e poucas, porém equivocadas certezas. Divertido, bobinho e esquecível.
An Ostrich Told Me the World Is Fake and I Think I Believe It
Direção: Lachlan Pendragon
Duração: 11 minutos
Filme em stop motion, com uma cinematografia genial na qual além de vermos a história através de um pequeno monitor no centro da tela, vemos também toda a movimentação dos animadores pelas laterais do vídeo, como numa espécie de making off em tempo “real”.
Na história, um operador de telemarketing cria “consciência” ao receber a informação de que talvez seu mundo seja falso. Afinal, seria ele apenas um fantoche de uma animação em stop motion, comandado pelas mãos invisíveis dos animadores ou não?
Referências a Matrix e a Ruptura rendem momentos divertidamente bizarros e muito criativos, num filme que fala sobre o eterno desejo de libertação do ser humano.
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