Num dos últimos diálogos do ator Jack Conrad, personagem interpretado com a dose certa de canastrice por Brad Pitt, ao ser questionado sobre um filme no qual está trabalhando, ele responde com desconforto e tristeza: “É um grande esforço de mediocridade!”.
Infelizmente esta frase ecoa com um significado maior do que aquele com o qual foi inicialmente pensado pelo roteirista. Pois, após três horas e dez minutos de projeção, é praticamente impossível desvencilharmos deste mesmo veredito ao analisarmos a megalomania vazia de Babilônia.
A metalinguagem perversa usada neste caso, serve como uma autocrítica acidental, assim como o próprio roteiro do longa, que aposta em inúmeras situações imponderáveis para descrever com humor escatológico e bobo, vulgaridade caricata e atuações exageradas de quase todo elenco, o fim real do Cinema Mudo na Hollywood mitológica dos anos 20 e 30.
Essa realidade reimaginada com doses cavalares de criatividade pelo talentoso diretor prodígio Damien Chazelle, do excelente Whiplash (2014), tem um enorme problema na espinha dorsal de todo o projeto, que é o de não se preocupar em conversar com os fatos, mas em elevá-los a décima potência numa tentativa obsessiva de “modernizá-los”, o que acaba deixando tudo cair no terreno da descrença e da estranheza.
O filme apresenta três nuances discrepantes sobre o mesmo enredo: os excessos, o didatismo e as homenagens.
Com tempo de tela quase total dedicado aos excessos, testemunhamos um delírio coletivo regado a drogas, sexo e festas intermináveis, como se não houvesse amanhã. As festas/bacanais, além de repetitivas, sempre assumem contornos surreais que oscilam entre a comédia pastelão, a escatologia e danças bem coreografadas, tomando um tempo precioso de tela no qual não existe o menor esforço em desenvolver bem as personagens para além dos estereótipos, tornando difícil nos importamos com qualquer um deles. Apenas a trilha sonora extraordinária e a câmera inquieta de Chazelle realmente se destacam nestas passagens.
Porém o filme exerce todo seu potencial quando remete a uma abordagem mais didática, ao utilizar os olhos da atriz novata Nellie LaRoy, personagem vivida de maneira destemida pela ótima Margot Robbie, somos levados pela primeira vez a um estúdio de cinema mudo e a todo caos e beleza daquelas filmagens loucas no meio do deserto, numa Hollywood ainda embrionária. Margot impressiona ao desfilar todo seu potencial interpretativo neste momento, assim como toda a impecável parte técnica.
Este mesmo recurso é brilhantemente utilizado mais tarde para nos mostrar os percalços da mesma atriz e toda a equipe ao tentar filmar com som pela primeira vez, tendo que lidar com a nova e assustadora obrigação de decorar as falas, espirros involuntários, barulhos de sapato no piso, portas batendo, marcação de cena e um incômodo microfone imóvel pendurado no teto.
Babilônia se agiganta nas duas excelentes passagens citadas, porém opta por não seguir por este caminho. Apenas demonstra as dificuldades de adaptação, que foram a causa da queda de muitos astros da era do Cinema Mudo, assim como acontece com os personagens de Brad e de Margot, seja pelo sotaque, pela entonação da voz ou pela simples evolução da arte de atuar, que deixou de ser algo puramente físico como uma mímica, para se tornar algo mais interpretativo e fluido devido ao advento do som.
Em meio a isso tudo, a megalomania desnecessária do filme teima em abraçar subtramas que acabam atrapalhando a fluidez do tema principal, como a do imigrante mexicano que quer viver o sonho americano e que apesar do grande tempo de tela só tem a função prática de transitar entre os vários núcleos; ou a do músico negro que, apesar da fama, é usado e humilhado pela indústria; ou o traficante surtado que quer produzir filmes; ou a colunista de fofocas sábia que assiste a tudo com o distanciamento necessário para sobreviver às mudanças. Porém nada é bem desenvolvido e muitas tramas demoram muito para se tornarem minimamente relevantes.
Em relação às homenagens ao cinema, tema que tem estado cada vez mais presente em novas produções, Babilônia tarda e decepciona ao “revelar” explicitamente que sua trama é uma cópia óbvia do clássico Cantando na Chuva (1952), que já havia abordado de maneira muito mais marcante as mesmas dificuldades da transição do cinema mudo para o cinema falado.
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Em seus momentos finais, o filme comete uma estranha colagem de cenas aleatórias de si mesmo e de vários outros filmes que marcaram época. Ao se incluir na citada homenagem, Damien Chazelle demonstra o tamanho gigantesco do seu ego. Vaidoso pela sua própria arte, ele finge não entender que só mesmo o tempo é capaz de fazer com que um filme seja consagrado ou relegado ao esquecimento. Mas ele é um diretor jovem (apenas 38 anos) e muito talentoso, não faltarão outras oportunidades. Só não foi dessa vez que o tempo parou na Babilônia.
Título Original | Ano: Babylon | 2022
Gênero: Drama, Comédia, História
País/Idioma: Estados Unidos/Inglês
Duração: 3:09 h
Classificação: 18 anos
Direção: Damien Chazelle
Roteiro: Damien Chazelle
Elenco: Margot Robbie (Nellie LaRoy), Brad Pitt (Jack Conrad), Olivia Wilde (Ina Conrad), Max Minghella (Irving Thalberg), Samara Weaving (Constance Mooree) e outros
Avaliações: IMDB| Rotten Tomatoes
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