“Abusando da tecnologia de estúdio, a malícia e a irreverência da música brasileira sincronizada para os dias atuais”
O humor, a irreverência, a ironia, sempre estiveram presentes na música brasileira. Bandas como Premeditando o Breque, Joelho de Porco, Blitz, Titãs e Mamonas Assassinas souberam lidar com esses recursos em suas canções. Às vezes de forma inteligente, muitas vezes até de forma pueril. Não importa. A alavanca de sucesso de tais bandas citadas, um pouco foi por conta dessa malícia nas letras, dessa forma de expor o cotidiano do brasileiro e até mesmo as características e a rotina de nosso povo em canções que acabaram conquistando mídia e público.
No início, Vovô Bebê era nome de uma música. Entretanto, Pedro Carneiro, produtor, compositor e multi-instrumentista carioca, teve a ideia de criar um coletivo usando esse nome. Pedro sempre esteve envolvido com música, porém estava participando em colaborações de álbuns de outros artistas como Guinga ou então criando trilhas sonoras para filmes ou espetáculos. A ideia de lançar seus álbuns logo aconteceu, e assim vieram Vovô Bebê (2015) e Coração Cabeção (2017).
Para o lançamento de seu terceiro disco, Pedro (guitarra e voz) conta com uma gigante equipe de apoio integrada por: Aline Gonçalves (clarinete), Karina Neves (flauta), Jonas Hocherman (trombone), Guilherme Lirio (baixo), Tomas Rosati (percussão), Uirá Bueno (bateria), Gabriel Ventura (efeitos), e ainda tem os músicos não fixos que ajudaram em algumas faixas e que podem ser conferidos no site oficial do artista ou no Bandcamp. Também não vamos esquecer da cantora Ana Frango Elétrico que participou da gravação do álbum. No mesmo entrosamento com as propostas do Vovô Bebê, a cantora se entrega na mais pura vivacidade musical em duetos oportunos com Pedro nas afiadas faixas “Exôdo”, “Polícia do Mundo” e “Jão Mininu”.
Vovô Bebê traz mistura de gêneros, coloca ritmos nordestinos, MPB, Psicodelia, Jazz e o Rock tudo num lugar único, insolúvel. Nenhum deles é prioritário no álbum.
“Aluno”, que se inicia sobre um panorama psicodélico, acaba fechando com um frevo desvairado. “Órfão’ é a união entre Jazz e Rock deixando num mesmo nível elementos de sopro com guitarras marcantes e cozinha poderosa. “Saparada” se entrega ao Reggae, “Médios 30” nos carrega ao século passado se fazendo passar por um Chorinho, porém a transformação chega nos instantes finais e parece que tudo se transforma numa escola de samba com sua percussão estonteante nocauteando o ouvinte, um caos sonoro unindo Psicodelia, o já famoso Carnaval brasileiro e elementos eletrônicos.
Mas, ganhando na fusão de gêneros, nas inúmeras possibilidades de criar um álbum de estúdio, na confiança pela equipe de músicos que traz vida ao trabalho, Vovô Bebê tem outro trunfo: as letras. Mesmo na quarta audição, é quase certo que o ouvinte ainda não tenha decorado todas as letras, a exemplo da faixa de abertura “Briga de Família”. Sim, a poesia de Pedro Carneiro é ágil, a linguagem verbal traz ora formalidade ora coloquialismos, as rimas e frases soltas por Ana e Pedro chegam em ecos e camadas que muitas vezes exigem uma nova interpretação (claro, tudo dentro de um propósito do próprio músico).
Mesmo que o álbum traga poesias nonsenses e com trocadilhos (‘Você é good vibe mas é bad trip / Até que é good vibe mas é meio Brad Pitt” em “Good Vibe Bad Trip”), a mensagem de crítica do Vovô Bebê existe e vem explícita em letras que, por si só, revelam verdades do mundo atual em forma de ironias professadas pelo músico.
Em “Jão Mininu”, um dos melhores momentos do disco, Pedro e Ana vão recitando vários trechos que ditam as regras machistas da sociedade, entre eles: “Você pode chorar / Tudo bem / E se o pinto amolecer / Tudo bem também / Não tem drama / Você não tem que fingir / Que não tem drama / Você não precisa ser durão”.
De uma forma alegre, a dupla também brinca com regras alimentícias ditadas na sociedade desse século para se viver com saúde ou não. Na efusiva “Cancioneiro Fitness Espiritual”, difícil não ficar com essa letra na cabeça: “Dizem que o trigo já não faz bem, não / Comer um peixe, uma salada / Tomar cerveja com os amigos / Faz bem pra alma / Mal pro umbigo / Faz bem pra alma / Mal pro umbigo”. Nem mesmo a terra natal do músico escapa, e se for para criticar, que a ferida seja exposta, que a metralhadora afiada cutuque os mais conservadores. Em “Êxodo”, Pedro desfere: “Mansão na Tranzânia / Parente em Ipanema / Aquela bosta na água sem pixel / Que glamour”.
Vovô Bebê nos faz refletir sobre o tempo que era muito prazeroso ouvir um disco contemplando o encarte, dado o teor das letras e das informações técnicas (e você pode conferir no site oficial do artista, tem tudo lá). Briga de Família mostra arrojo, é provocador e desafiante, traz verdades sem perder a veia cômica. Num ano ainda engatinhando, se não for um dos maiores e inusitados lançamentos, que ao menos sirva de exemplo para a nova geração de músicos que se aproxima.
NOTA: 7.2
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NOTA DOS REDATORES:
Eduardo Juliano: –
Isaac Lima: –
Luciano Ferreira: –
Marcello Almeida: –
MÉDIA: 7,2
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:: FAIXAS:
01. Briga de Família
02. Exôdo
04. Órfão
03. Sabidão Sabe Nada
05. Foda-se
06. Jeggae
07. Polícia do Mundo
08. Aluno
09. Jão Mininu
10. Cancioneiro Fitness Espiritual
11. Saparada
12. Good Vibe Bad Trip | 13. Médios 30
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