Crônicas da Primavera ou anotações sobre o Primavera Sound São Paulo 2023


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Crédito: Gabriel Farina

Primavera Sound São Paulo teve a participação de artistas internacionais como The Cure, Beck e The Hives, e nacionais, incluindo Marisa Monte

Não houve quem parasse o avanço da primavera no Autódromo de Interlagos no primeiro fim de semana do mês de dezembro. O Festival Primavera Sound entrou em sua segunda edição acima de solo brasileiro provando que é um dos mais significantes eventos de música que está sendo trazidos para essa terra onde tem palmeiras e canta o sabiá. Por lá, uma diversidade de gente cantou em uníssono canções de sons estrangeiros e delícias nacionais. Isso debaixo de um sol que parecia estar por todo lugar. Felizmente, a música também estava.

No sábado, a energia estava toda canalizada em um epicentro de eletricidade no show da banda de Garage Rock sueca The Hives. Em ternos combinando e falando em português, os Hives fizeram um tipo de apresentação que hipnotizou o mais alheio dos que estavam parados pelo Palco Corona no meio daquela tarde de calor. O público estava presenciando o Rock ‘n’ Roll morrer e ressuscitar diante de seus olhos. Em determinado momento, o frontman, Howlin’ Pelle, disse algo como “Somos os The Hives! Somos 100% Rock’n’Roll e 0% Samba!”. Não era mentira. Houve também uma menção à arte da capoeira que ainda entrava na diversão das pausas que Pelle fazia entre as músicas. Depois delas, continuava o pulsar vibrante e esquizofrênico dos riffs incessantes dos suecos vermelhos da quentura brasilis. Dá pra gostar de ser brasileiro assistindo a um show do The Hives.

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The Hives no Primavera Sound São Paulo | Crédito: Gabriel Farina

Em um contraste que expressa como é bela e mutante a natureza da boa música em suas variadas faces e máscaras, os Pet Shop Boys (também mascarados), iniciaram a apresentação parados e cantando algumas das canções pop mais bem construídas dos anos 80 e 90, que, não por acaso, foram compostas, e/ou interpretadas por eles. O show foi formado por hits fundamentais da carreira do duo britânico. Os visuais e a apresentação contida de um homem e um microfone + um homem e uma máquina fez tudo o que devia fazer para atestar mais uma vez em solo brasileiro o que é fazer canções com consciência pop e arte ao mesmo tempo.

Marisa Monte, tropical e tão nossa, fez seu espetáculo estelar de amores I love yous em uma noite que tinha acabado de começar. Ela cantou todas aquelas suas canções que fazem parte do imaginário da Música Popular Brasileira pós anos 90. O ponto alto, foi, porém, quando ela chamou ao palco Roberto de Carvalho, parceiro de vida e obra da tão saudosa Rita Lee. Cantaram juntos “Doce Vampiro” e “Mania de Você”, em lindíssima homenagem à eterna e sagrada Santa Rita de Sampa.

O Cansei de Ser Sexy, banda que desde a saída do importante Adriano Cintra, tem dado apresentações com frequência irregular – a última tendo sido na edição do festival Popload de 2019 – fez uma apresentação divertida. É difícil esperar algo mais além da diversão de uma das bandas mais controversas e comicamente indecifráveis a saírem do Brasil em muito tempo. Chuck Hipólitho, ex-Vespas Mandarinas e ex-VJ da MTV, assumiu as baquetas do grupo. Sua presença faz sentido ao pensarmos no projeto TUM, em que ele toca ao lado da vocalista do CSS, Luísa Matsushita AKA Lovefoxxx. Continua sendo divertido cantar o “Gimme more 2 / I wanna be in that crazy band or MEU CU” da canção Alala, com essa ênfase especial no “MEU CU” mesmo.

Beck no Primavera Sound São Paulo | Crédito: Abelardo Boudoux
Beck no Primavera Sound São Paulo | Crédito: Abelardo Boudoux

O show que fechou a noite do primeiro dia foi dos headliners The Killers. Os “Matadores” puderam começar o setlist com uma das músicas mais emblemáticas da música pop dos últimos 20 anos: “Mr. Brightside” deu o tom a um show que honra todas as letras da palavra S-H-O-W. O The Killers sabe fazer show e isso há muito já se é sabido. Bom mesmo foi presenciar isso diante de uma plateia brasileira que correspondia a tudo. Brandon Flowers talvez seja o maior frontman de sua era. Ele também parecia morrer de calor debaixo da camisa social preta. Mesmo assim prometeu junto de sua banda tocar como se aquele fosse o último show de suas vidas. Agora que a ebulição global dá um tom apocalíptico e mais real a isso, seria bom que o mundo acabasse na apoteose de um concerto tão comprometido como o do da banda provinda da fabulosa Las Vegas, Nevada.

O californiano Beck havia cancelado um show no dia anterior no Rio. O comunicado dava os motivos como serem problemas de saúde. Beck estava ótimo quando subiu ao palco Corona no fim da tarde de domingo. Lá ele fez o que devia: mostrou toda a sua capacidade de ser vários em um. Tocou canções funkeadas para as discotecas alternativas do mundo e canções delicadas e avassaladoras como a linda “Lost Cause”. Tocou guitarra com sua banda e cantou sozinho com sua gaita o Blues “One Foot in the Grave”. Fechou tudo com “Loser” e me fez pedir mais uma. “Debra”, talvez? Alguns ao meu lado concordaram. Pediram junto comigo. Nada de “Debra”. Nem de “Jenny”, para todos os efeitos.

The Cure no Primavera Sound São Paulo | Crédito: Abelardo Boudoux
The Cure no Primavera Sound São Paulo | Crédito: Abelardo Boudoux

No domingo, o The Cure fez o seu estimado show de duas horas e meia (o maior do festival) e refrescou com doces trevas mais um dia de calor na primavera brasileira. Robert Smith, o vocalista e líder da banda britânica, sabe retribuir o amor que recebe de seu público. Tudo é muito intimista e tudo é muito grandioso. Robert anda pelo palco afim de reconhecer a plateia, que o reverencia como o príncipe da música alternativa emocional e emotiva que é.

+++ Leia a cobertura do Festival C6 Fest

Ouvir as passagens instrumentais ao vivo de “From the Edge of the Deep Green Sea”, “A Forest”, e “Push” (que é emendada com o clássico de sempre “In Between Days”) é quase indescritível. Quase, porque, na minha cabeça haviam apenas ecos de “QUE FODA”. Viva o palavrão que expressa o que nenhuma palavra limpa pode. E viva também o The Cure que fez todo mundo desabar em lágrimas logo na segunda música: “Pictures of You” é um sonho feito de nuvens que se condensaram em lágrimas. Tão alternativo como popular, o The Cure fechou um festival que em seu line up atemporal, garantiu sua importância no presente da música no Brasil.

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