‘In On The Kill Taker’ e a vanguarda do Fugazi no Rock Alternativo


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O Fugazi já nasceu com status cult: seus integrantes vinham de bandas consagradas na cena Punk – Hardcore – Emo de Washington DC dos anos 80. Brendan Canty e Guy Picciotto integraram o Rites Of Spring, uma banda surgida das cinzas da cena Punk-Hardcore de DC, a quem sempre é atribuído a alcunha de serem os “pais do Emocore” (e de quando pensávamos na expressão “emo” de uma forma menos pejorativa que hoje em dia!). Já Ian Mackaye integrou as impressionantes Minor Threat e Embrace e fundou o importante selo Dischord.

Quando esses caras se juntam no Fugazi na segunda metade dos anos 80, prometendo uma mistura de Punk e Reggae, a banda já ganhou status. Os primeiros EP’s (que depois foram compilados no álbum 13 Songs, em 1989), traziam a tal mistura, mas também a bagagem de todas as bandas pregressas dos integrantes. Quando lançaram Repeater (1990) e Steady Diet of Nothing (1991), o Fugazi já era cobiçado pelos principais selos do mundo.

Em 1993, o Rock Alternativo estava no ponto mais alto de popularidade, com lançamentos como In Utero (Nirvana), Last Splash (The Breeders) e do Siamese Dream (The Smashing Pumpkins). O Rock parecia disposto a integrar o Fugazi ao mainstream: a banda crescia em popularidade, seguir uma proposta sonora e assinar com uma gravadora maior parecia ser o caminho menos sinuoso para o sucesso.

O burburinho em torno do Fugazi ajudou a banda a chegar a melhores acordos de distribuição. Desta forma, foi salutar ao grupo permanecer independente e com acessos, promovendo seu DIY da forma mais inspiradora, empreendedora e honesta possível. O Fugazi tornou-se referência de propaganda boca-a-boca, numa época em que não havia internet.

Para se ter uma ideia do poderio da propaganda do Fugazi, eles recusaram estar no cast do Lollapalooza, o principal festival de música alternativa dos EUA, numa espécie de protesto pelos altos valores dos ingressos, além de tabelar seus discos e merchandisings a preços acessíveis.

In On The Kill Taker, terceiro álbum da banda, foi o primeiro lançamento da banda a chegar nas paradas Billboard. Mas, diferente do que imaginava-se, a banda não se entregou a fórmulas fáceis, nem mesmo a contratos milionários. Na contramão do que parecia ser o apelo do mainstream, o Fugazi adicionou mais influências em seu som – as mais evidentes para este escriba são Sonic Youth, Gang of Four e Wire – ampliando assim a sua identidade sonora, sempre em franca evolução.

Joe Lally (baixo) e Brendan Canty (bateria) parecem ceder mais espaços para os ataques guitarrísticos de MacKaye e Picciotto. Não se trata de omissão, mas de uma condução diferente: as guitarras – ora nervosas e intensas, ora melódicas e até insinuantes – ditam os caminhos por onde a banda pisa. Com isso, há muito mais alternância de humores rítmicos. A banda passeia entre o Hardcore furioso e o mid-tempo por vezes inaudíveis – às vezes até numa única faixa.

Isso fez com que In On The Kill Taker não fosse um álbum facilmente digerível. Liricamente, Picciotto seguia com letras de observações sociais de um ponto de vista mais pessoal e poético, enquanto MacKaye seguia abrasivo e agourento, com discursos políticos progressistas e anti-imperialistas.

“Facet Squared” abre o álbum. Os primeiros segundos são interrompidos por um riff de guitarra nervoso e estridente, e MacKaye berra sobre um falso nacionalismo e amor à bandeira (tema que caberia como uma luva para os EUA ou o Brasil de 2023). “Public Witness Program”, de Picciotto, é rápida e nervosa, apresenta os caminhos por onde o Hardcore passaria a trafegar (o Social Distortion certamente passou a trilhar por esse caminho em seu álbum de 1996, White Light – White Heat – White Thrash). A abrasividade é acompanhada de palminhas na ponte antes do refrão final da música.

O clima parece mudar em “Returning The Screw”, lenta, sombria, quase sussurrada, mas que explode em ferocidade.

As duas faixas seguintes tem característica curiosa: “Smallpox Champion” soa como o Fugazi emulando um Sonic Youth fase Evol/Daydream Nation (e termina, surpreendentemente, com um refrão sing-a-long, com direito a uuhhh-hoooos!). Já “Rend It” parece exatamente o contrário, como se o Sonic Youth estivesse emulando o Fugazi! De ritmo quebrado, angular, e guitarras absolutamente raivosas, está entre as melhores do álbum.

Destaques para:

– A tensa “23 Beats Off”: são quase 7 minutos de uma letra metafórica, porém nervosa de MacKaye sobre o preconceito do exército americano perante os homossexuais. Com sonoridade que lembra Wire, tem uma passagem a partir da metade da música com batidas secas na caixa da bateria guiando a canção até o final, e que vai sendo sobreposta por camadas de feedback e distorção, que deixa tudo mais tenso. Barulheira magnífica;

– “Cassavetes”, uma improvável homenagem ao ator e cineasta americano, que tem uma estrutura dançante e insinuante, como as músicas dos primeiros EP’s. Lembra muito o Gang Of Four, e, de certa forma, uma outra banda contemporânea ao Fugazi, o Rage Against The Machine.

– “Great Cop” , hardcore a mil por hora, acenando para o Minor Threat, mas que certamente serve de inspiração para as bandas punks de hoje, como Idles, Viagra Boys ou Turnstile

– “Walken’s Syndrome”, guitarrenta, barulhenta. Inspirada no personagem Duane Hall, do filme de Woody Allen, Annie Hall (1977), interpretado pelo excepcional Christopher Walken.

Outro fato curioso: o álbum seria, a princípio, produzido por Steve Albini (Pixies, Nirvana). A banda chegou a registrar algumas dessas músicas com Albini, em seu estúdio em Chicago. Porém, ao voltar para Washington DC, a banda resolveu regravar as músicas com Ted Niceley, que havia produzido Repeater. As sessões gravadas com Albini são facilmente encontradas no YouTube.

+++ Na coluna PRAZERES PLÁSTICOS, leia sobre ’13 Songs’, do Fugazi

In On The Kill Taker trouxe uma popularidade improvável ao Fugazi. A banda apareceu pela primeira vez na Billboard 200, vendendo 200.000 na primeira semana de lançamento, algo absolutamente improvável para uma banda absolutamente independente.

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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

ANO: 1993
GRAVADORA:Dischord Records
FAIXAS: 12
DURAÇÃO: 42:13
PRODUTOR: Ted Niceley & Fugazi
DESTAQUES: “Rend It”, “Great Cop”, “23 Beats Off”, “Public Witness Program”
PARA FÃS DE: Minor Threat, Rites of Spring, Embrace, Wire, Sonic Youth, Shellac

 

 

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