O material promocional da turnê chegou a falar em “noites históricas”, mas ainda é cedo para afirmar que a noite de 25 de outubro de 2023, em Porto Alegre, será lembrada eternamente pelos fãs. O que dá pra dizer é que, quem saiu de casa e foi até o Opinião, pôde ver um pouco da história do Rock desfilando sobre o palco em carne, osso e guitarras, com as apresentações de dois ícones da geração X: L7 e Black Flag.
As lendárias bandas californianas vêm dividindo o palco em várias cidades brasileiras durante o mês de outubro, além de se apresentarem com outros artistas em algumas localidades — como o show do L7 com Mercenárias e Cólera, em São Paulo (SP), e o do Black Flag com Garotos Podres e Cólera, no Rio de Janeiro (RJ). Daqui, o L7 ainda segue rumo a outros países da América do Sul, enquanto o Black Flag tem datas marcadas no Japão em novembro.
Na capital gaúcha, as primeiras a se apresentarem foram as prendas do L7 em sua formação clássica, com Donita Sparks (vocais e guitarra), Suzi Gardner (guitarra e vocais), Jennifer Finch (baixo e vocais) e Demetra Plakas (bateria).
Com pouco papo e muito som, o quarteto fez jus ao nome da turnê (o originalíssimo The Best of L7) e empilhou hit sobre hit. Não faltaram “Andres”, “Everglade”, “Shove”, “One More Thing”, “Monster”, “Wargasm” e outras porradas que relembraram os mais de 30 anos de carreira. Acertadamente, o grupo evitou “Cooler Than Mars”, desnecessário single lançado esse ano e que parece não ter caído nem mesmo no gosto da própria banda.
Nesses tempos em que misturar música e política não tem sido bem visto por parte do público, outro destaque vai para Donita deixando bem claro o que pensa sobre o fucking asshole Donald Trump, em uma versão infernal para “Dispatch from Mar-a-Lago”.
O som, bastante criticado no show realizado no Carioca Club, em São Paulo, também pareceu um tanto embolado no Opinião. Mas nada que tenha chegado ao ponto de prejudicar os 80 minutos de apresentação e suas 21 canções — muitas delas, trilha sonora da adolescência de grande parte do público de quarentões presentes ao show.
Enquanto Donita e Jennifer esbanjavam simpatia de um lado do palco, do outro Suzi Gardner demonstrava concentração nas guitarras e pedais para executar com precisão as pedradas do quarteto. Não que a mais experiente das L7 seja antipática — o que ficou comprovado, inclusive, pela farta distribuição de palhetas que promoveu para as fãs millennials grudadas na grade.
Quando os tijolos pareciam ficar pesados demais para serem carregados, era hora de usar os trunfos mais bem guardados do L7: as icônicas “Pretend We’re Dead” e “Shitlist”, de Bricks Are Heavy (1992), deram o impulso que o show precisava para terminar em alto nível.
Ainda deu tempo de arrematar com a tradicional cover para “American Society”, de Eddie and the Subtitles, e “Fast and Frightening”, paulada de Smell the Magic, de 1990.
“E aí, gostaram dessa merda?”, perguntava Donita. Difícil achar alguém que dissesse que não.
Greg Ginn carrega com dignidade o legado do Black Flag
Se o L7 beira os 40 anos de estrada, o Black Flag já está mais próximo dos 50. Diferente do quarteto feminino, porém, os pioneiros do Hardcore vivem muito distantes de sua formação clássica.
Após a dissolução do Black Flag, em 1986, apenas o guitarrista da banda fundada dez anos antes, Greg Ginn, permanece na ativa nesta versão reformulada do grupo. Completam o quarteto Harley Duggan no baixo, o ótimo Charles Wiley na bateria (que deu trabalho para a equipe de roadies, derrubando o microfone do bumbo algumas vezes, tamanho o vigor com que pisava no pedal) e o skatista profissional (e cruza de Flea com Woody Harrelson) Mike V nos vocais.
Mas e aí, dá pra confiar nesse Black Flag versão 2023? Pra quem aprecia a guitarra barulhenta, angulosa e, por vezes, sinistra de Ginn, com certeza. O músico continua absolutamente letal em seu instrumento e em seu papel de antirockstar: balança o pescoço numa dança desgovernada, esfrega as mãos e a palheta sobre as cordas, olha torto para os fotógrafos, passa uma rasteira no fã desavisado que achou uma boa ideia subir ao palco pra fazer crowdsurfing… E, ao final, deixa o mau humor de lado para se juntar ao público, tirar fotos com a galera e, simplesmente, curtir o momento.
Aos 69 anos, Ginn continua sendo uma das principais referências da guitarra no Punk Rock. Sua influência, nem é necessário dizer, vai de Kurt Cobain a Josh Homme — que devem muitos de seus milhões ao músico (e também fundador da lendária gravadora SST).
Os discos do Black Flag — como My War, de 1984, tocado na íntegra na primeira metade do show de aproximadamente 1h40 — são uma das principais provas disso: um Punk Rock que aposta menos na velocidade e mais no barulho, que se distancia do ritmo constante do gênero e flerta com tempos quebrados, paradas inesperadas e ataques irresistíveis. Ao vivo, Ginn reproduz isso tudo com uma única guitarra e nenhum pedal de efeito — apenas a boa e velha distorção no talo.
Conferir um músico tão influente ao vivo é quase que obrigatório para quem tiver uma oportunidade. O restante da banda não é mais o mesmo e o vocalista Henry Rollins faz muita falta, é óbvio. Mas isso não é suficiente para perder a chance (talvez a última) de ver Ginn em ação no Brasil.
Ah, e na segunda metade da apresentação, eles ainda tocam “Black Coffee”, “TV Party” e até uma versão para “Louie Louie” — hit na gravação dos Kingsmen — que, sozinhas, já valeriam ir ao show.
Então, restam ao leitor duas opções: torcer o nariz e deixar isso tudo pra lá, ou fazer as pazes e estender a bandeira branca para o novo Black Flag. Este escriba, se fosse você, não perderia essa festa.
Crédito das fotos:
Instagram: @billy.valdez
Fotos: Billy Valdez | Coletivo Catarse
Site: https://coletivocatarse.com.br/
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