Começo a resenha afirmando: Necropolítica é o melhor disco de música pesada de 2022.
O Ratos de Porão sempre foi relevante para a música pesada, e desde o primeiro momento sempre se contrapôs ao establishment. As letras da banda nunca afinaram pra nenhum sistema impositivo, seja polícia, censura, moral ou, como em tempos recentes, política.
Conheci o RDP no início da adolescência, através de uma amiga, que me apresentou o Anarkophobia, em 1991. Eu começava minhas veredas pelo Rock, conhecia bandas gringas com vocais guturais, e ouvir esse tipo de som pesado em português (eu não falava inglês) foi primordial pra me aproximar da banda. A mesma amiga me apresentou, na sequência, o Brasil, disco anterior ao Anarkophobia, hoje um clássico absoluto. Nem preciso dizer que meus comparsas e eu viramos fãs daquilo: era HC, pesado, incomodava os pais e vizinhos e tinha tudo a ver com a revolta que todo adolescente tem!
Desde então, o RDP nunca me decepcionou. Veio o Vivo (talvez o melhor álbum ao vivo de música pesada nacional, nunca parei pra elencar, mas deve ser), mudanças de formação, sempre trocando baixistas, mas sempre mantendo o nível do incômodo musical. Os altos e baixos, revezes e perrengues dos caras sempre foram expurgados nas letras, e isso sempre me aproxima do que a banda oferece – é a minha realidade.
Necropolítica (Shinigami Records), o álbum, é o produto de fatores que não falam apenas para mim, mas para o Brasil atual, para quem ‘Bostanaro’, covid, fome, miséria, desemprego, Amazônia em chamas, descrença, falsas religiões e o mal estar social que nos ronda está explicitado e colapsando nossa existência.
Há tanto em tão pouco tempo, e o sentimento ao final da audição é o de ter sido atropelado pela força do ódio, expurgado pela banda e também por mim, ou por qualquer um que não seja conivente com a realidade desse país.
A banda entrega, com muita experiência e sinceridade, um álbum com a assinatura do Ratos: peso, riffs certeiros, bateria técnica-rápida-precisa, vocais odiosos e baixo com rara competência. Todas as letras são do Gordo, exceto pela cínica, irônica e divertida “Bostanágua”, de Jão (um ode ao Exmo. Sr. Presidente). E nada nem ninguém é poupado: políticos, milicos, pastores, polícia, gente burra, transporte de drogas por aviões da FAB, corrupção, incêndios, tráfico de influência, fake news, família de caráter duvidoso, crise na saúde, milícias… TUDO é abordado de forma inteligente, e sem massagem: tá tudo escancarado. É pra incomodar MESMO.
Duas músicas chamam atenção pela técnica: “Passa Pano Pra Elite” e “O Vira-Lata”. Em ambas, Boka e Juninho, batera e baixo respectivamente, apavoram do início ao fim, enquanto as guitarras de Jão estão brilhantemente em timbres que nos remete a Black Flag ou a Dead Kennedys.
Aliás, a gravação é impecável. Mesmo nas músicas mais brutas, casos de “Aglomeração”, “G.D.O” e a faixa-título, todos instrumentos preenchem os ouvidos de forma clara, e isso é algo muito admirável em uma banda que faz o tipo de som que o RDP faz. Sem contar a edição e o material gráfico, cabulosíssimos.
+++ Leia a coluna Esse Eu Tive Em Vinil com ‘Fresh Fruit For Rotting Vegetables’, do Dead Kennedys
O álbum de 1989, Brasil, é visto hoje como um clássico. Expôs todas as mazelas daquele período, e se manteve atual. Tenho absoluta certeza que Necropolítica servirá o mesmo propósito de seu irmão mais velho. Daqui a 10, 20, 50 anos, será a história contada desses tristes tempos.
Pouquíssimas bandas têm a competência do RDP para entregar algo tão visceral como o conteúdo de Necropolítica, sem baixar a guarda para autoritarismo de 5ª categoria e milicaiada de pijama.
INFORMAÇÕES:
LANÇAMENTO: 13/05/2022
GRAVADORA: Shinigami Records
FAIXAS: 10
TEMPO: 31:32 minutos
PRODUTOR: Ratos de Porão
DESTAQUES: “Passa Pano Pra Elite”, “O Vira-Lata”
PARA QUEM CURTE: Hardcore, Trash Metal, Crossover, Dead Kennedys, Black Flag
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