Em ‘The Covers Record’, Cat Power desconstrói originais com belíssimas interpretações


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Cat Power em Nova Iorque, 2006 | Foto: David Corio / Redferns

Chan Marshall, a mente que também assume a alcunha Cat Power, está prestes a lançar um álbum de covers do Bob Dylan.

Durante sua carreira, ela sempre cantou covers, desde seu primeiro lançamento. E hoje falo de seu quinto lançamento, The Covers Record, lançado pela Matador Records em 2000.

Muita gente simplesmente não gosta de álbuns de covers (chatos, sempre os chatos!). Aliás, reclamam inclusive dos covers, por serem puras cópias dos originais ou por serem desconstruções que tornam a música irreconhecível. Se o exercício aqui fosse enquadrar The Covers Record num desses espectros, certamente estaria mais próximo das desconstruções, ainda que algumas linhas melódicas sejam fiéis aos fonogramas originais.

Para mim, um cover pode ser uma cópia ou uma desconstrução, pouco importa. O que é preciso é veracidade, sinceridade e respeito aos originais, sem “macular” os clássicos com aberrações pretensiosas!

Cat Power está além disso. Compositora e intérprete, talvez essas valências contribuam para o que ela entrega aqui.

The Covers Record é minimalista, e um grande álbum, com o mínimo necessário. É um álbum mínimo, com releitura de grandes canções, algumas delas clássicas. Tão grandes que poucos conseguem ressignificá-las, como Marshall consegue.

Ela havia lançado o elogiado Moon Pix, seu quarto álbum, em 1998, agradando crítica e público. Em sua curta carreira, já tinha respeito de artistas como Liz Phair, Steve Shelley (baterista do Sonic Youth), além de ter adquirido respeito em todo um grupo de músicos experimentais como Jad Fair ou a banda nova iorquina God Is My Co Pilot. Essa visibilidade sob seu talento, no entanto, frustrou Gerard Cosloy, executivo da Matador Records, com quem Marshall vinha lançando seus álbuns. A divulgação do álbum não foi trabalhada pela gravadora. Segundo Cosloy, o contrato para lançamento de um disco de covers foi a assinatura de ambos num Post It! A Matador esperava a continuidade do inovador Moon Pix, mas uma angustiada e sombria Marshall queria desconstruir algumas canções, e a gravadora não deu a devida importância.

https://www.youtube.com/watch?v=665GTEdfWLs

O álbum tem dois instrumentos: guitarra e piano, ambos tocados por Marshall, e nunca sobrepostos. O clima é de solidão, a mais gélida e confusa solidão. Seria torturante, não fossem belíssimas as interpretações aqui feitas.

Comecei a resenha dizendo que Cat Power lançará um álbum de covers de Dylan. Pois temos duas músicas dele aqui: “Kingsport Town” (que é, na verdade, um cancioneiro popular, que tornou-se ainda mais popular por Dylan) e “Paths of Victory”, a primeira com uma interpretação emocionante, e a segunda um tanto animada – a mais animada do álbum, aliás.

“I Found a Reason”, originalmente do The Velvet Underground, é a música mais tocante e emocionante do álbum. Procure um cardiologista, ou um psiquiatra, se nenhuma emoção lhe acometer após essa audição.

“Wild Is the Wind”, já cantada por Johnny Mathis, David Bowie e Nina Simone, ganha ares taciturnos e comoventes ao mesmo tempo, com Marshall e seu mínimo piano dando a única roupagem possível.

Mas é impossível não dar destaque para as canções que abrem e encerram o álbum.

“(I Can’t Get No) Satisfaction”, ‘aquela’, perde os refrãos e injeta melancolia naquela que talvez seja a canção mais icônica dos Stones. A tristeza perturbante de Marshall, em antítese ao hedonismo dos Stones, traz um interlocutor que, de fato, não consegue ter satisfação. Em nada. Marshall se apodera da música ao abandonar o icônico riff de guitarra e refrão. Torna uma música supostamente rebelde em um lamento pessoal e intimista. E essa é apenas a música de abertura.

Já “Sea of Love”, de Phil Philips (mas muito famosa na voz de Robert Plant com sua banda Honeydrippers) encerra o álbum com delicadeza, açúcar e afeto. A versão de Cat Power embalou e embala trilhas sonoras de romances-dramáticos-indie (como o filme Juno, de Jason Reitman).

The Covers Record não é um disco fácil, mas é um disco comovente, intrigante e apaixonante. Chan Marshall, a Cat Power mostra ser uma intérprete e tanto, capaz de impor um respeitoso estilo próprio a canções imensas.

+++ Leia sobre ‘Through The Looking Glass’ , álbum de covers de Siouxsie and the Banshees

Marshall continua gravando covers em seus álbuns – inclusive lançou outro álbum de covers, chamado Jukebox (2008), também com música de Dylan no repertório.

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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

ANO: 2000
GRAVADORA: Matador Records
FAIXAS: 12
DURAÇÃO: 43:28 min
PRODUTOR: Cat Power
DESTAQUES: “(I Can’t Get No) Satisfaction”, “Kingsport Town”,”I Found a Reason”,”Sea of Love”
PARA FÃS DE: Indie-Rock, Lo-Fi, Blues Rock, Minimalismo, Covers

 

 

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