Belle & Sebastian mostra que ainda consegue compor canções cativantes



Surgidos durante um aparente vácuo musical deixado após o furacão Grunge – que varreu a música pop ao redor do planeta, alavancando o Rock Alternativo -, desde o início os escoceses do Belle and Sebastian foram recebidos com um misto de sentimentos. Os amantes das distorções que esperavam por mais barulho, odiaram.

A doçura das canções, construídas em torno de letras de tom confessional e temas melancólicos, vocais pálidos, e arranjos “limpos” e melódicos era tudo que parte dos órfãos do grunge (que esperavam o Pós Grunge engrenar) não queriam. Uma espécie de “movimento acústico” foi o que se seguiu, no que tentou-se cravar um novo (?) gênero musical, o New Acoustic Movement. Seguiram-se nomes como Coldplay, Travis, Starsailor, Embrace, Elbow, Doves, Keane e outros tantos fazendo uma sonoridade voltada para o acústico, com piano e violão como protagonistas.

Mas nenhum nome conseguiu emular a doçura Indie Folk do B&S, que não se resumia somente a isso. Conectados com o Pop francês dos anos 60, com o lado de bandas mais “fofas” (pejorativamente chamadas de Twee-Pop) da gravadora Sarah Records, e, claro, com o Folk sessentista, o supergrupo (algo incomum na época) trazia para suas canções instrumentos pouco usuais como violino, acordeom, metais, sopros e mais.

Para além dos aspectos musicais, a banda assumia uma postura de pouca exposição, tentando manterem-se alheios a badalações. Surgia um ícone Indie que muitos correram a comparar com os Smiths, muito por causa das capas, dos títulos e teor das letras das canções.

Passadas mais de duas décadas e meia desde a estreia do grupo, com o ótimo e (para alguns) insuperável Tigermilk (1996), não deixa de ser inusitado que Stuart Murdoch e seus asseclas, entre saídas e entradas de integrantes, momentos de picos e vales na carreira, estejam, ao que indica pelos dois álbuns lançados em sequência, mais vivos e prolíficos.

Late Developers surge num curto espaço de tempo em relação a seu antecessor, A Bit of Previous, lançado em maio de 2022. Na verdade, as canções dos dois álbuns foram gravadas nas mesmas sessões e tudo poderia ter saído num disco duplo, um desafio enorme para os tempos atuais – Beach House e Johnny Marr conseguiram a façanha. A opção foi pelo modelo semelhante ao adotado pelo RHCP, dois álbuns em sequência.

Esse curto espaço entre dois álbuns e mais a tonalidade da arte da capa, de alguma forma, rememora o início discográfico, mas apenas nisso. A “doce aura mágica, melancólica e nostálgica”, atributos que atraíram muitos ouvintes lá no início, já não circunda os trabalhos dos escoceses há vários álbuns. Está devidamente registrada e marcada na história da música Pop nos quatro ótimos primeiros álbuns do grupo, todos muito próximos em muitos aspectos, mas com variações de referências, como a adição da eletrônica, por exemplo, em momentos pontuais.

Aqui o B&S parece mostrar certa saudade do passado, e é quando a banda se sai melhor. Alguns de seus trabalhos mais recentes simplesmente os colocava no mesmo panteão de outras tantas bandas de Indie-Folk/Indie-Pop, sem algo realmente distintivo em sua música para além da voz de Murdoch, que ficou guardada na lembrança afetiva. O adiantamento do disco com o single “I Don’t Know What You See in Me” foi um balde de água gelada em muitos (culpa da inédita coautoria?). A tentativa de adentrar num território musical novo soa desagradável e não convence. Um aceno para o mundo dos hits radiofônicos, com letra de tom romântico: “E seu amor é tudo que eu preciso / Pois seu amor é verdadeiro mesmo”.

Bom que seja apenas uma das faixas do álbum, e que a abertura com a interessante “Juliet Naked” desfaça essa primeira impressão deixada pelo single. Com um arranjo seco e direto, ao melhor estilo de um Folk-Punk, com violão e guitarra raivosa. Não fosse pelo vocal e flautinha adocicada, entraria fácil na galeria que conta com nomes como Billy Bragg e Pogues.

O B&S retorna remodelando suas principais características. Surge sob o comando vocal de Sarah Martin, em “Give a Little Time”, momento de Indie-Pop mais acelerado e de clima primaveril, com direito a palmas. Mas é “When We Were Very Young” que destaca-se como a melhor faixa do disco, justamente por retornar àqueles ambientes conhecidos de algumas décadas atrás e trazer uma letra entre a autocomiseração e a tentativa de ajustamento: “Eu gostaria de poder me afastar de minhas cicatrizes e feridas / Eu gostaria de poder me afastar do ‘Ninguém me entende’ / Do meu sentimento de inveja… Eu gostaria de me contentar com minhas tarefas diárias / Com minha adoração diária ao sublime / Eu gostaria de poder me afastar de minhas cicatrizes e feridas”.

Assim como no disco anterior, e em outros trabalhos da carreira, é possível encontrar também elementos de Soul em “The Evening Star”; e um lado dançante com elementos de Funk no groove de “Do You Follow”, numa das melhores dobradinhas vocais entre Murdoch e Martin, que travam um diálogo como um casal enamorado, recheado de dúvidas, questionamentos e certa ansiedade: “Eu tenho uma música para cantar, eu tenho dor, eu tenho tristeza / Realmente não importa o que eu digo, você entende? Você pode gostar também / Quando você vai me ligar? / Quando você vai me querer? Estou esperando como uma mola enrolada / Que o telefone toque”.

+++ Leia sobre ‘If You’re Feeling Sinister’, do Belle and Sebastian

O disco fecha com a faixa título, mostrando influências caribenhas. Mas antes, a banda entrega outro bom momento do disco, “When The Cynics Stare Back From the Wall” (faixa de 1994), um dueto com Tracyanne Campbell (do Camera Obscura), em que fala de cínicos olhando através das paredes e que “Todos nós sabemos, que toda garota e garoto são uma miséria”.  É uma concretização da a certeza de que é quando o B&S se reconecta com seu lado mais nostálgico que consegue fazer com que Late Developers não seja só mais um disco de Indie-Pop ou Indie-Folk, capturando a atenção do ouvinte.

Numa comparação com seu antecessor, que era morno, há aqui momentos em que o disco realmente consegue aquecer e nos tirar da audição modorrenta, são esses momentos que fazem de Late Developers, no fim das contas, um disco que vale à pena ser ouvido.


INFORMAÇÕES:

LANÇAMENTO: 13 de janeiro de 2023
GRAVADORA: Matador Records
FAIXAS: 11
TEMPO:  42:05 minutos
PRODUTOR: Belle and Sebastian
DESTAQUES:  “Juliet Naked”, “When We Were Very Young”, “When The Cynics Stare Back From the Wall”
PARA QUEM CURTE: Indie-Pop, Indie-Folk
CURIOSIDADES: “I Don’t Know What You See in Me” foi a primeira canção da banda que teve coautoria, a faixa foi composta com o produtor e ator Pete Ferguson.

 

 


 

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