‘Cousin’ mostra que o Wilco segue experimentando e arriscando


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Crédito: Annabel Mehran

Produzido por Cate Le Bon, ‘Cousin’ é o décimo terceiro álbum do Wilco, e traz experimentações e letras versando sobre relações fragilizadas

Quase duas décadas separam Cousin, o mais recente lançamento do Wilco, da obra-prima A Ghost Is Born (2004). E tem sido lugar-comum as críticas que comparam essas obras “experimentais”, levando em conta a presença de alguém de fora conduzindo a produção do disco: em 2004, o músico e produtor Jim O’Rourke foi responsável por produzir A Ghost Is Born (após ter mixado o icônico Yankee Hotel Foxtrot, de 2002), desta vez a estranha no ninho é a musicista galesa Cate Le Bon, que, apesar de ser um nome pouco conhecido no mainstream, já trabalhou com nomes como Devendra Banhart e Deerhunter.

Particularmente, não acho justo pensar que o Wilco deixou de ousar ou experimentar nos sete álbuns lançados entre Ghost e Cousin. The Whole Love (2011) e Ode To Joy (2019), por exemplo, são melancólicos, por vezes estranhos, angulares e com momentos de insanidade caótica de feedbacks e microfonias, usa loops de bateria e, em contraponto, tem a sempre calma interpretação do mentor da banda, Jeff Tweedy, como quem lida com calma com todo o caos sonoro.

Também em meio a essas obras estranhas estavam álbuns solares como Wilco – The Album (2009) e Cruel Country (2022), obras digeríveis com mais facilidade, por suas virtudes pop.

O Wilco sempre transita entre o pop radiofônico e o atonal, e talvez isso reflita a personalidade não apenas de Tweedy, mas de todos músicos envolvidos com a banda, desde…bem, A Ghost Is Born.

Nels Cline, por exemplo, é um guitarrista de virtuosidade impressionante, mas que sempre se coloca num campo sonoro caótico que o distancia de um virtuoso ortodoxo e o aproxima de um Tom Verlaine inflamado. Glenn Kotche, o baterista, insiste em fazer o simples da forma mais complexa e incomum possível, incorporando atributos ao seu instrumento e tornando assíncronas as obviedades rítmicas da banda.

Isso, que parece ser a descrição de um som que agrada somente os prepotentes que gostam de música diferente, é, na verdade, uma fábrica de pepitas pop.

Cousin é um álbum que vinha sendo preparado desde 2019, mas que, foi atropelado pelo lançamento de Cruel Country. Tweedy chegou a afirmar que Cruel Country é a justificava que faltava ao rótulo “Alt-Country” sempre atribuído à banda, ainda que ele próprio discorde. Faz algum sentido, já que, pouco mais de um ano depois, a banda retorna ao seu idiossincrático universo de experimentações.

“Infinite Surprise”, que abre o álbum, mostra Tweedy (o letrista de todas canções do álbum) com sua auto indulgência, vista outrora em canções como “At Least That’s What You Said” ou “I Am Tryin’ To Break Your Heart”. Como nessas co-irmãs, “Infinite Surprise” vai sendo sobreposta em camadas, ruídos, e texturas que prestam dramaticidade à canção.

Já a melancólica “Ten Dead” é uma provocação político-social que versa sobre a forma ordinária como tratamos a contagem de mortos nas notícias, dia após dia.

Em sua biografia Vamos Nessa (Para Podermos Voltar), lançada por aqui pela Editora Terreno Estranho, em 2020, o músico revela suas fragilidades emocionais e a importância da relação com sua esposa (Sue Miller, desde 1995) durante os períodos de vício em opióides para tratar ansiedade e enxaquecas. Em “Levee”, no entanto, ele parece retornar a essa temática, trazendo uma versão mais madura aos vícios e a real dependência: o amor.

A canção mais pop do álbum, “Evicted” segue a temática agridoce dos amores, embalada numa melodia que deixaria George Harrison orgulhoso (e não seria a primeira vez que o Wilco o faria, basta ouvir “You Never Know”). “Sunlight Ends” é hipnótica e de certa forma desorientadora. Mais uma vez, as muitas camadas sobrepostas te jogam pra lá e pra cá, sem muito tempo para compreensão. E, mais uma vez agridoce, “A Bowl and A Pudding”, com suas frases sobrepostas e confusas, parece tratar o cotidiano de uma relação já desgastada.

“Pittsburgh” abre com sintetizadores ruidosos e se desenrola em dedilhados atonais, com Tweedy expondo todas suas fragilidades emocionais, com seu peculiar cantar monótono. Essa é a canção mais incomum do álbum, ao mesmo tempo a que mais soa como uma típica canção do Wilco.

Num álbum de temas que tratam relações tão fragilizadas, o encerramento com “Meant To Be” traz esperança nas conciliações: “If my words say what you meant to say / Doesn’t that say we were meant to feel this way? / Holding our hearts closer together / Keeping to ourselves an empty sea / So we can believe / Our love is meant to be” (Se minhas palavras dizem o que você quis dizer / Isso não significa que fomos feitos para nos sentir assim? / Mantendo nossos corações mais próximos / Mantendo para nós mesmos um mar vazio / Então podemos acreditar / Nosso amor é para ser).

+++ Leia tudo que já foi publicado no Urge! relacionado ao Wilco

A inquietude sonora do Wilco nos entrega, mais uma vez, um álbum primoroso, ainda que complexo, quando comparado ao imediato anterior. E é reconfortante pensar que há uma banda que segue com a coragem de seguir experimentando e arriscando, mesmo após 30 anos.

E, detalhe, sem nunca ter errado.

Capa de 'Cousin', do Wilco

FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

ANO: 2023
GRAVADORA:dBpm Records
FAIXAS: 10
DURAÇÃO: 42:54 min
PRODUTOR: Cate Le Bon
DESTAQUES: “Infinite Surprise”, “Meant To Be”,”Ten Dead”, “Pittsburgh”
PARA FÃS DE: Indie Rock, Alt Country, Loose Fur, Golden Smog, Radiohead

 

 

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