Jeff Tweedy: Um Gênio em 50 Canções


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Foto | Sammy Tweedy

Iniciando a coluna “Gênios em 50 canções” com o pé direito, contamos a trajetória do genial Jeff Tweedy, um dos grandes nomes do Rock Alternativo americano, por meio de suas canções. E em ordem crescente para criar aquele suspense básico.

Prolífico e incapaz de escrever uma música ruim, Jeff Tweedy tem uma obra ultra consistente, e posso dizer para vocês que escolher somente 50 músicas foi uma tarefa árdua. Espero que curtam a lista, que inclui canções de suas bandas principais (Wilco e Uncle Tupelo), projetos paralelos (Loose Fur, Golden Smog e Tweedy) e de seus discos solo.

Divirtam-se!


50 Pieholden Suite (Summerteeth, Wilco, 1999)
A parceria Jay Bennett-Jeff Tweedy se aprofunda de maneira significativa no terceiro álbum do Wilco. Os dois entram de cabeça nas experimentações de estúdio inspirados pelos discos do Beach Boys, e o resultado é uma produção meticulosa, com várias camadas, texturas e harmonias vocais, se aproximando do Chamber Pop e se distanciando do Country Rock ao qual o grupo estava vinculado. É música para se apreciar com fones de ouvido, como em “Pieholden suite”, uma bela peça cheia de nuances e com final suntuoso.

49. Dawned on Me (The Whole Love, Wilco, 2011)
Evocando o Soft Rock dos anos 1970, essa faixa de destaque do não muito brilhante The Whole Love tem um dos refrões mais chicletudos já criados por Jeff Tweedy.

48. Low Key (Sukirae, Tweedy, 2016)
O filho mais velho de Jeff Tweedy, Spencer, também é músico e toca bateria com o pai desde muito pequeno. Em 2015, Jeff decidiu fazer um disco com o filho e batizou o duo de Tweedy. Nessa época, Sue Miller, esposa de Jeff, teve câncer pela segunda vez, e o disco serviu como uma válvula de escape para a família e teve o envolvimento ativo da própria Sue e de Sammy, irmão mais novo de Spencer, que ouviam as demos e davam sugestões para as músicas e letras. O resultado foi um álbum muito agradável e calmo, e fazer um disco com o filho reforçou ainda mais o rótulo de “Dad rock” que já vinha sendo aplicado com frequência ao trabalho do Wilco desde o final da década anterior. Preconceitos à parte, o disco tem vários pequenos tesouros, e o mais precioso deles é essa faixa em que Jeff exalta seu lado introspectivo: “Quando parece que eu não ligo/ Eu só estou tentando parecer descolado”. Ah, e o nome estranho que batiza o registro é o apelido de Sue no círculo familiar, o que explica muita coisa. Nem sempre um artista tem que ser revolucionário e inovador, e a simplicidade pode ser um ativo valioso em tempos difíceis e atingir bem fundo na alma do público e do próprio artista.

47. I Got You (At the End of the Century) (Being There, Wilco, 1996)
Being There é o disco mais pop do Wilco, e entre as várias faixas que deveriam ter se tornado grandes hits está esse Power Pop à la Big Star (outra banda que deveria ter tido vários hits, por sinal), uma infectante canção de amor com refrão inesquecível.

46. Hearts Hard to Find (Cruel Country, Wilco, 2022)
Após quase 30 anos de carreira, o Wilco decidiu em 2022 relembrar sua relação com a Country Music, e o resultado foi um disco duplo que periga ser o melhor do grupo desde Sky Blue Sky. Entre os vários destaques está essa balada super sincera, em que o narrador lamenta ter um coração insensível em certas ocasiões: “There ‘s something wrong with me/ Maybe I’m just bad”.

45. The Ruling Class (Born Again in the USA, Loose Fur, 2006)
Para quem acha que o Loose Fur – projeto de Jeff Tweedy com Jim O´Rourke e Glenn Kotche – só fez músicas esquisitas e de vanguarda, vale a pena conferir essa relaxada e despretensiosa faixa Country adornada por assobios e que tem uma letra surpreendente que retrata a volta de Jesus como um sujeito comum que bebe cerveja e tem que se preocupar com imposto de renda, assim como o restante da humanidade.

45. Radio King (Down by the Old Mainstream, Golden Smog, 1995)
Enquanto digeria o fim do Uncle Tupelo e arquitetava o início do Wilco, Jeff Tweedy se envolveu também na gravação do primeiro disco do coletivo Golden Smog, originário de Minnesota, e que desde o final dos anos 1980 funcionava como um projeto paralelo de Rock raiz para integrantes de várias bandas. A faixa de encerramento desse álbum é “Radio King”, uma nostálgica canção que celebra a relação intensa entre fã e ídolo no auge da era do rádio.

44. I’ll Fight (Wilco, Wilco, 2009)
O sétimo álbum de estúdio do Wilco é o mais convencional e comercial de sua discografia. Abraçando a popularidade em alta, a banda entrega uma coleção de canções pop meticulosamente produzidas, mas que, em geral, não acrescentam muito à sua reputação artística. “I’ll Fight” tem todos os ingredientes necessários para uma música de sucesso, e fica na cabeça logo na primeira audição. Num mundo paralelo em que Jeff Tweedy fosse um cara obcecado por sucesso, ela provavelmente seria o carro chefe de sua discografia. O único momento do disco em que a banda arrisca fazer algo diferente é em “Bull Black Nova”, que é o segundo capítulo da trilogia Krautrock iniciada com “Spiders (Kidsmoke)” e complementada posteriormente com “Art of Almost”.

42. You Satellite (Star Wars, Wilco, 2015)
Nos anos 2010, o Wilco entrou numa fase de menor experimentação, criando discos mais introspectivos e menos ambiciosos. Entre os quatro álbuns nessa década, o mais ousado é Star Wars, a começar pelo título debochado. Tweedy até brincou que esperava um telefonema dos advogados de George Lucas, e que ficou frustrado por isso não ter acontecido. O álbum é irregular, mas tem bons momentos. Entre eles, essa faixa viajante no modo Shoegazer, com muito feedback e ebulição lenta. Ela é um ponto fora da curva no escopo criativo do grupo, o que é surpreendente se levarmos em conta o quão diversificada é a trajetória deles.

41. Radio Cure (Yankee Hotel Foxtrot, Wilco, 2002)
Essa é uma canção tão visceral que toda vez que ela começa eu tenho que parar tudo para ouvir com atenção. A batida inicial do bumbo sempre me lembra a de um coração, e os versos de abertura (“Cheer up, honey, I hope you can”) me passam a ideia de que alguém está doente. Mas a riqueza lírica é tão grande que é possível se chegar a múltiplas interpretações, entre elas a de que a música pode ser a cura para nossos males, tanto físicos quanto emocionais. “Radio Cure” é devastadora como poucas canções que eu conheço, e raramente tenho vontade de ouvi-la. Geralmente, ela aparece porque botei Yankee Hotel Foxtrot para tocar do início ao fim. E a cada audição fico surpreso com a força descomunal que ela tem.

Uncle-Tupelo
Uncle Tupelo | Foto: Arquivos de Jeff-Tweedy

40 Pot Kettle Black (Yankee Hotel Foxtrot, Wilco, 2002)
As semelhanças com “In Between Days”, do The Cure, são notáveis, mas “Pot Kettle Black” tem vários méritos que a distinguem do megahit de Robert Smith e seus comparsas. Entre eles, a capacidade de criar uma canção pop com versos tão difíceis como “It´s become so obvious/ You’re so oblivious to yourself”.

39. Love is the King (Love is the King, Jeff Tweedy, 2020)
O segundo disco solo de inéditas de Jeff Tweedy foi lançado durante a pandemia, e teve como grande inspiração as memórias originárias da redação de sua autobiografia. A soturna faixa-título que abre o registro é uma das melhores coisas feitas por Tweedy nos últimos 15 anos, e não fica nada a dever ao período áureo de sua carreira.

38. New Madrid (Anodyne, Uncle Tupelo, 1993)
A alquimia entre Jeff Tweedy e Jay Farrar é notável nessa balada Country sensacional, levada por guitarra e banjo. A temática insólita se refere à previsão de um terremoto feita em 1990 na região sísmica de New Madrid, no Meio-Oeste americano (perto de Belleville, cidade natal de Jeff e Jay), e que acabou não se concretizando.

37. Kamera (Yankee Hotel Foxtrot, Wilco, 2002)
Essa balada existencial é um dos momentos mais radiofônicos de Yankee Hotel Foxtrot, e seu ritmo constante e agradável faz com que o ouvinte seja sugado de forma irreversível. A letra críptica é narrada por alguém claramente atormentado, mas a contrapartida musical não reflete em nada essa confusão mental, servindo como antídoto para nossas ansiedades do dia-a-dia.

36. Bright Leaves (Ode to Joy, Wilco, 2019)
A faixa de abertura do décimo primeiro disco do Wilco não combina em nada com o que o título do álbum promete. Não há nada de diversão ou alegria em “Bright Leaves”, que se arrasta de forma lenta por meio de sua percussão tribal e instrumentação contida, o que gera uma atmosfera carregada de tensão. A temática abordada é a de um relacionamento desgastado, e ao eu lírico resignado só resta a constatação final: “You never change”.

35. Passenger Side (A.M., Wilco, 1995)
O alcoolismo sempre assombrou a família Tweedy, começando pelo pai e atingindo os irmãos de Jeff. Ele conseguiu largar a bebida aos 23 anos, pois viu o estrago que ela poderia fazer. Anos depois, compôs essa balada cômica em que um bêbado chato reclama do amigo motorista e quer assumir o volante do carro de qualquer jeito. Só que ele teve a carteira cassada e o julgamento que pode devolver sua permissão vai ser em breve. O tema é delicado, mas a abordagem leve garante a diversão sem deixar de tocar na ferida.

34. Hate it Here (Sky Blue Sky, Wilco, 2007)
Sky Blue Sky não teve uma recepção muito calorosa quando foi lançado. Muita gente adorou, mas vários críticos e parte do público torceram o nariz para aquela versão mais “light” e radiofônica do Wilco, com menos experimentações e maior simplicidade lírica e, até certo ponto, musical. Uma das razões para essa mudança foi o desgaste de Jeff Tweedy após sua batalha contra o vício em medicamentos, e ele decidiu simplificar sua abordagem com relação ao disco, enfatizando as gravações ao vivo em estúdio, sem overdubs. O disco também foi o primeiro no qual a expressão depreciativa “Dad Rock” foi utilizada para descrever o som da banda, e uma das músicas que simbolizava essa sonoridade, na visão dos críticos, era “Hate it Here”. O amor pelos Beatles, e especialmente pela carreira solo de John Lennon, fica bem evidente nessa balada emotiva guiada por teclados e que tem uma letra quase tragicômica sobre um cara que tenta sobreviver à separação se engajando com tarefas do dia a dia, como lavar as roupas e as louças e dobrar os lençóis. É pop e despretensiosa, vai direto ao ponto, e, vamos combinar, é totalmente irresistível. Se “Dad Rock” é bom assim, então viva o “Dad Rock”!

33. Red-Eyed and Blue (Being There, Wilco, 1996)
Essa balada dolorida é linda de morrer, e ela faz referência direta às dificuldades enfrentadas pelo compositor dentro do estúdio, sentindo falta de sua amada e se afundando em drogas. Tweedy gosta de desmistificar essa questão de que o sofrimento é fonte para a criação. Ele diz que cria não por causa da dor, mas apesar dela. E essa canção é a prova de que, mesmo em momentos turbulentos, o talento e a inspiração podem sobressair. Adoro a vulnerabilidade que ele transmite logo no início, ao pigarrear antes de iniciar a música. Coisa de gênio.

32. Either Way (Sky Blue Sky, Wilco, 2007)
Seguindo a tradição de escolher faixas de abertura perfeitas, o Wilco mostra sua nova cara após a reabilitação de Jeff Tweedy do vício em medicamentos e da entrada de Nels Cline e Pat Sansone no grupo. “Either way” é doce e delicada, e sua mensagem simples é a seguinte: “deixe a vida te levar.” E a “conversa” entre o violino de Karen Waltuch e a guitarra solo de Nels Cline é de uma beleza ímpar.

31. I’m Always in Love (Summerteeth, Wilco, 1999)
Num mundo perfeito, essa música seria um single de grande sucesso. Se bem que o riff de teclado pegajoso talvez seja estridente demais para alguns ouvintes. No mais, estamos diante de uma canção pop perfeita e descomplicada, uma ode ao amor que clama por audições repetidas.

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Wilco em Nova Iorque, dezembro de 1996 | Foto: Ken Weingart / Arquivos de Michael Ochs /Getty Images

30 Gun (Still Feel Gone, Uncle Tupelo, 1991)
Quando Jeff Tweedy conheceu Jay Farrar no colégio, parecia mágica: eles eram os únicos fãs de Punk e apaixonados por música alternativa no contexto social da pequena Belleville. Jay já dominava a guitarra e tinha uma banda com os irmãos mais velhos, e Jeff acabou encontrando um lugar nela como baixista. “Gun” é uma das primeiras músicas compostas por Jeff, e entrou no segundo disco da banda que foi batizada de Uncle Tupelo, e que rapidamente se tornou referência numa mistura de Punk e Country e ajudou a batizar um novo gênero musical: o Alt-Country. A paixão pelos Replacements fica evidente na canção, que foi inspirada pela frustração de Jeff ao descobrir que sua primeira namorada o havia traído.

29. How to Fight Loneliness (Summerteeth, Wilco, 1999)
A melodia é de chorar e o solo de piano de Jay Bennett é das coisas mais tristes que já ouvi na vida. E a letra que propõe uma receita para se livrar da solidão é de uma ironia fina: “Just smile all the time”. Em resumo, essa não é uma canção para combater a solidão, mas sim para cultivá-la. Parece depressivo, mas pode ser glorioso se você está no mood adequado.

28. War on War (Yankee Hotel Foxtrot, Wilco, 2002)
É difícil um disco tão aclamado por sua revolução artística e experimentação como Yankee Hotel Foxtrot também conter tantas músicas palatáveis. “War on War”, única música de trabalho do registro, é uma delícia pop em que a letra pessimista é contrabalançada pela melodia bela e contagiante. E é por isso que Art-Pop talvez seja o melhor rótulo para definir esse álbum.

27. Monday (Being There, Wilco, 1996)

Charlie é o personagem dessa música divertida em que o Wilco ativa o modo Rolling Stones. O cara é um roqueiro que só pensa em drogas e diversão, e que não entende como sua carreira ainda não decolou. Riff certeiro e naipe de metais são a cereja do bolo da faixa, que foi o segundo single lançado do álbum Being There e, ironicamente, não logrou êxito nas paradas de sucesso.

26. California Stars (Mermaid Avenue, Billy Bragg & Wilco, 1998)
O Wilco ainda estava em sua infância quando foi convidado pelo músico britânico de Folk Billy Bragg para ser banda de apoio em um projeto: transformar letras inéditas do lendário cantor Folk Woody Guthrie em música. Inicialmente, o convite não soou bem para Jeff Tweedy (ele brinca, em sua autobiografia, que não queria o Wilco fosse banda de apoio de ninguém que não fosse Neil Young ou Bob Dylan), mas a parceria se efetivou e gerou três ótimos discos. Tweedy diz que uma das lições que aprendeu com os escritos de Guthrie, que incluíam frases motivacionais, é a seguinte: “Escrever uma música por dia”. Talvez seja por isso que Jeff tenha se tornado um compositor tão prolífico, que não espera que a inspiração apareça. Ele trabalha duro e quase diariamente no intuito de fazer música, e cria mais do que pode gravar. Entre as joias criadas pelo projeto se destaca a delicada e ensolarada “California Stars”, que até hoje é presença quase garantida no setlist do Wilco.

25. Ashes of American Flags (Yankee Hotel Foxtrot, Wilco, 2002)
Jeff Tweedy não é um compositor conhecido por fazer letras politizadas ou de crítica social mais explícita. Suas letras tratam mais do aspecto emocional, do espectro filosófico ou da análise de relações pessoais. Yankee Hotel Foxtrot é o disco em que Tweedy adota uma abordagem mais voltada para questões de maior amplitude, e uma delas é “Ashes of American Flags”, em que ele faz um brilhante raio-x da sociedade americana e de suas mazelas no início do novo milênio. O lançamento do disco seria no dia 11 de setembro de 2001, mas o presidente da gravadora Reprise não gostou do resultado, o que criou um impasse que culminou com a quebra de contrato. Devido a isso, o disco só foi lançado oficialmente após o grupo ter assinado com a Nonesuch, em abril de 2002, e muita gente pensou que a obra fazia referência direta aos atentados terroristas de 11/9 por várias citações presentes em músicas como “War on War”, “Jesus, Etc.” (“Tall Buildings Shaking”) e da própria “Ashes of American Flags”, além da capa com uma foto de duas torres gêmeas de Chicago, o Marina City. Só que as músicas e a arte da capa já estavam prontas antes do atentado. O disco acabou ganhando mais visibilidade por essa coincidência surpreendente.

24. Box full of letters (A.M., Wilco, 1995)
A paixão de Jeff Tweedy pelo Power-Pop do Big Star – lendária banda de Memphis dos anos 1970 que nunca fez sucesso – fica evidente no primeiro single do primeiro álbum do Wilco, lançado meses depois do fim do Uncle Tupelo. O ar sessentista da melodia e os licks de guitarra emulam os ídolos, e a única diferença mais marcante são os vocais mais puxados pro Country, herança da banda anterior que não iria durar muito. Radiofônica, pegajosa e deliciosa, a música é uma das favoritas dos fãs e é presença constante no setlist atual do Wilco. O disco de estreia teve críticas mornas e vendas nanicas, mas eles iriam se reinventar no ano seguinte com a incorporação do guitarrista e coringa Jay Bennett. Ah, e a letra é aparentemente dirigida ao ex-parceiro de Uncle Tupelo, Jay Farrar.

23. Outtaside (Outta Mind) (Being There, Wilco, 1996)
Se você quer conhecer o lado mais divertido e relaxado do Wilco, essa é a canção perfeita. “Ok, alright!”, brada Jeff Tweedy, e é impossível não embarcar na levada contagiante do primeiro single de Being There, presença obrigatória no setlist da banda até hoje.

22. Wreckroom (Born Again in the USA, Loose Fur, 2006)
O segundo (e último) disco do Loose Fur é bem mais diversificado do que o primeiro, misturando exercícios pop diretos com experimentos idiossincráticos. “Wreckroom” é uma ótima representante desse segundo grupo, e poderia muito bem fazer parte de A Ghost is Born. A faixa tem quase nove minutos, mas acontecem tantas mudanças que passa a impressão de que é bem mais longa. Ela começa como uma balada “quase” convencional, metamorfoseando-se subitamente em Dream-Pop (levado por guitarras etéreas e uma linha de baixo antológica), e mais adiante na trilha sonora do fim do mundo, com espasmos de guitarra violentos e um solo carregado de distorção que lembra o Led Zeppelin da fase Physical Graffiti. Nos últimos quatro minutos, outra mudança drástica ocorre, e a música se converte numa peça de Ambient Music levada por violões delicados e sintetizadores gélidos. Se você não entendeu nada, sugiro que vá ouvir e se surpreender, pois é mesmo difícil de explicar.

21. Hell is Chrome (A Ghost is Born, Wilco, 2004)
A segunda faixa de A Ghost is Born é uma das mais reveladoras do estado mental deteriorado de Jeff Tweedy no início dos anos 2000, decorrente do vício em medicamentos. A letra fala do diabo escondido em formato sedutor, como no caso das drogas lícitas que ele usava em excesso, e que tinham fácil acesso, ampla disseminação no meio artístico e geravam um efeito calmante e redutor de ansiedade. Ao tentar parar por conta própria, Jeff enfrentou uma crise de abstinência tão forte que teve que ser internado em uma clínica de reabilitação, provocando um atraso de algumas semanas no lançamento do álbum. A despeito da temática pesada, “Hell is Chrome” é tão sedutora quanto as drogas que ela retrata, com ritmo em meio tempo e final transcendente, em que os versos “Come With Me” são repetidos como um mantra.

Wilco com Billy Bragg
Wilco com Billy Bragg

20 Heavy Metal Drummer (Yankee Hotel Foxtrot, Wilco, 2002)
O documentário I’m Trying to Break Your Heart: A Film about Wilco, de Sam Jones, é um retrato revelador da conturbada gestação do álbum que se tornou um marco para o rock independente. Entre os momentos mais memoráveis do doc está uma discussão acalorada entre Jeff Tweedy e Jay Bennett sobre a transição entre as faixas “Ashes of American Flags” e “Heavy Metal Drummer”. Jay seria demitido antes do final das gravações, mas, seja lá quem estivesse com a razão, o fato é que a transição é fenomenal. A percussão de Glenn Kotche é a ignição para uma canção pop perfeita e que se tornou uma das queridinhas dos fãs desde então. A inocência da letra que relembra a relação entre fãs e ídolos do Rock durante a juventude pode deixar a impressão de que Jeff Tweedy era um metaleiro, mas na verdade a música foi feita para que ele se redimisse do preconceito que tinha com as bandas de metal na juventude. Ele não fazia covers do Kiss como diz a letra, pois amava era o Punk do The Clash e o College Rock dos Replacements e do Minutemen.

19. Say You Miss Me (Being There, Wilco, 1996)
Vou começar citando meu amigo Alessandro Andreola, que escreveu o seguinte sobre essa canção em seu livro Música do Dia: “Se Say You Miss Me não te comover é melhor parar por aqui, porque eu não sei nem mais o que dizer”. E finalizo também com ele: “uma música capaz de valer por uma discografia inteira”.

18. The Long Cut (Anodyne, Uncle Tupelo, 1993)
No início de 1994, o Uncle Tupelo estava batendo nas portas do sucesso. Eles lançaram o seu quarto disco, Anodyne, e foram convidados para aparecer no programa de TV Late Night with Conan O´Brien. Ao longo dos anos, a disputa por espaço no grupo havia se acentuado, pois Jeff Tweedy crescia como compositor e desafiava a supremacia de Jay Farrar. A música escolhida pela gravadora para ser tocada foi “The Long Cut”, de Jeff, uma gema pop que condensava todas as habilidades da banda: mudanças espertas de andamento, refrão viciante, guitarras a todo vapor, sensibilidade pop e vínculos com a música raiz americana. E tudo isso ainda era combinado de forma inventiva e original. Só que, logo depois da apresentação, Jay Farrar simplesmente decidiu acabar com a banda, deixando Jeff sem chão. Ele alegou que não sentia mais prazer em trabalhar com o parceiro, e só 20 anos depois Jeff ficou sabendo por uma entrevista de Jay que ele (Jeff) não havia sido perdoado pelo amigo por alegadamente ter dado em cima da namorada dele logo nos primórdios da banda, numa ocasião em que estava bêbado. A animosidade pode ter vindo daí, mas é quase certo que “The Long Cut” foi o golpe final que acentuou a rivalidade e pôs fim à banda.

17. Laminated Cat (Loose Fur, Loose Fur, 2002)
Yankee Hotel Foxtrot não seria o mesmo sem o encontro de Jeff Tweedy com o músico e produtor vanguardista Jim O’Rourke, no início do ano 2000. Tweedy convidou Jim para tocarem juntos num festival, pois era fã de um dos discos dele (Bad Timing, de 1997). A alquimia entre os dois foi tão grande que eles compuseram várias canções e decidiram gravá-las em quatro dias de estúdio, junto com Glenn Kotche, baterista de confiança de Jim. O álbum do projeto paralelo Loose Fur foi lançado somente em 2002, mas o mais importante disso tudo é que Jeff ficou entusiasmado com os companheiros da nova banda e decidiu substituir Ken Coomer por Glenn Kotche ainda no início das gravações de YHF. Além disso, Jim O’Rourke foi chamado para mixar o disco e teve papel decisivo na sonoridade inovadora e revolucionária tão aclamada pela crítica. Tendo dito isso, cabe destacar que o álbum de estreia do Loose Fur também é muito bom e que a primeira música, “Laminated Cat”, é uma reconstrução de “Not for the season”, que vinha sendo trabalhada pelo Wilco nas sessões de YHF, e que nas mãos do trio recém-formado achou seu formato ideal, com batida repetitiva, enxurradas de efeitos e clima atmosférico. E ficou tão bom que vira e mexe o próprio Wilco toca essa “filha bastarda” em seus shows.

16. Poor Places (Yankee Hotel Foxtrot, Wilco, 2002)
Na época em que estava compondo Yankee Hotel Foxtrot, Jeff Tweedy estava viciado num disco que reproduzia transmissões de rádio feitas por espiões. Ele acabou usando uma dessas transmissões para batizar o disco, e também para concluir a faixa “Poor places”, uma emblemática reflexão sobre nosso desejo de alienação num mundo com informação cada vez mais acessível: “And it makes no difference to me/ When it´s hot in the poor places tonight/ I´m not going outside”.

15. The Lonely 1 (Being There, Wilco, 1996)
De todas as músicas compostas por Jeff Tweedy sobre a fama, essa é a mais direta e sentimental. Um fã discorre sobre sua relação intensa com seu ídolo: ele vai ao show, pede autógrafo, volta pra casa e bota o disco para tocar de madrugada, defende o ídolo quando ele é criticado, e toca suas músicas no violão. E o mais importante: ele se identifica com as músicas que retratam a mesma solidão que ele vivencia no seu dia a dia.

14. Handshake Drugs (A Ghost is Born, Wilco, 2004)
Em sua autobiografia, Jeff Tweedy relata um acontecimento que foi decisivo para seu vício em medicamentos sair do controle: um encontro com o balconista de uma farmácia, fã do Wilco, que pergunta se ele não quer mais remédios do que a quantidade prescrita pelo médico. Não consigo deixar de pensar nisso quando ouço “Handshake Drugs” e seu relato de um dia na vida de um viciado. O ritmo tranquilo e repetitivo da canção, com destaque para a linha de baixo estupenda de John Stirratt, simula o efeito entorpecente das drogas (“I looked like someone I used to know”), mas ao final o vício cobra seu preço e a música desanda para um oceano incômodo de distorção que toma tudo de assalto.

13. Sunken Treasure (Being There, Wilco, 1996)
Perfeitamente equilibrada entre o Rock Clássico e as inovações sonoras do Rock Alternativo , “Sunken treasure” é uma faixa emblemática que prediz a fase experimental do Wilco. Liricamente, ela é tão rica que fica difícil destacar os melhores versos. Mas fico com o refrão (“I´m so out of tune with you”) e com os versos finais que sintetizam o poder da música de forma colossal: “Music is my saviour/ And I was maimed by rock and roll/ I was tamed by rock and roll/ Got my name from rock and roll”.

12. Art of Almost (The Whole Love, Wilco, 2011)
A música de abertura de The Whole Love é uma aberração, tanto no contexto do álbum quanto no da carreira da banda. Aliás, o Wilco merece o título de “banda que melhor escolhe as faixas de abertura de seus discos”. Eles nunca fizeram algo tão ousado quanto esse épico monstruoso, com letra oblíqua e um nível de tensão arrebatador oriundo de seus efeitos eletrônicos, batida estilizada e dançante e arranjos de cordas atmosféricos, que culminam num solo de guitarra barulhento, minimalista e paranoico que acelera de forma surpreendente no último minuto. Uma aventura sonora mágica e que tem ainda mais impacto nas apresentações ao vivo. Se o álbum todo seguisse essa linha seria incrível, mas ele se perde em canções agradáveis, mas previsíveis. O próprio Jeff Tweedy não curtiu muito o resultado final, tanto que não faz nenhuma menção ao disco em sua autobiografia.

11. Hummingbird (A Ghost is Born, Wilco, 2004)
Essa é a música favorita de Robert Tweedy, o pai de Jeff Tweedy, que perguntava recorrentemente ao filho porque ele não fazia mais músicas desse tipo (ou seja, música pop sem complicações). Robert provavelmente não conheceu a versão embrionária da canção, que vem das sessões de Yankee Hotel Foxtrot e é prova cabal de como um arranjo pode dar um caráter totalmente diferente a uma música. A versão original se chamava “Remember to Remember” e é pontuada por elementos eletrônicos esquisitos e um riff de guitarra elíptico. A melodia é quase a mesma, mas o resultado final é totalmente diferente da balada arrebatadora, filosófica e acessível que é uma anomalia no altamente experimental A Ghost is Born. Saíram os efeitos esquisitos e entraram teclados e violinos sublimes. São três minutos de Pop/Rock perfeito que não fariam feio em Let it Be ou Abbey Road, o que não é pouca coisa. Ah, “Remember to Remember” foi disponibilizada na edição de aniversário de 20 anos de YHF e também é muito boa.

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10She’s a Jar (Summerteeth, Wilco, 1999)
Essa balada que retrata um relacionamento conturbado por meio de um brilhante exercício de poesia de inspiração surrealista é um dos pilares do terceiro disco do Wilco, e seu magnetismo deriva também da harmonia simbiótica entre o violão de Tweedy e o mellotron tocado por Jay Bennett. O verso final é assustador e surpreendente: “She begs me not to hit her”. Tanto Jeff quanto sua esposa já reconheceram em entrevistas que o período em que Summerteeth foi composto coincide com uma crise conjugal decorrente, entre outros fatores, dos longos períodos de ausência do cantor por causa das turnês. Ambos também negaram veementemente que tenha ocorrido qualquer tipo de violência entre eles.

9. At Least That’s What You Said (A Ghost is Born, Wilco, 2004)
“I thought it was cute/ For you to kiss/ My purple black eye/ Even though I caught it from you”. Assim como na canção anterior dessa lista, a violência doméstica aparece novamente como uma presença incômoda no universo lírico de Jeff Tweedy. Musicalmente, a peça de abertura de A Ghost is Born é dividida em duas partes: na primeira, Jeff canta com uma voz quase inaudível, acompanhado de instrumentação esparsa. Na segunda seção, a música explode em um solo violento de guitarra que dura mais de três minutos. Encorajado pelo produtor Jim O’Rourke a assumir suas habilidades na guitarra solo depois da demissão de Jay Bennett, Tweedy encarna um crossover entre Neil Young, Tom Verlaine e Thurston Moore, e não deixa nada a dever a esses deuses da guitarra.

8. Theologians (A Ghost is Born, Wilco, 2004)
“Theologians, they don´t know nothing/ About my soul”. Difícil pensar em versos de tanto impacto para iniciar uma canção pop. Crítico da religião organizada, Tweedy cria um hino de libertação de todos os dogmas e imposições, sem deixar de reconhecer a existência do divino: “God is with us every day”. Por si só, a letra já seria um triunfo artístico, mas ela é potencializada por uma das canções mais lindas e arrebatadoras do Wilco e que culmina em um solo de guitarra de cair o queixo. Obra-prima!

7. Via Chicago (Summerteeth, Wilco, 1999)
O eu lírico de “Via Chicago” começa sua narrativa descrevendo em detalhes um sonho no qual ele mata alguém próximo, e dizendo que se sentiu bem com isso. Ele tem visões com um homem sendo perseguido na televisão e sente o vento o levando de volta pra casa, passando por Chicago, aliviado por não ter ido longe demais. Por trás desse subtexto brutal de violência (doméstica?), podemos também notar na letra complexa e críptica uma homenagem “torta” à cidade que Jeff Tweedy tomou como casa depois que se casou, e, também, à pequena Belleville, ao sul de Illinois, em que ele nasceu e cresceu – e pela qual não nutre grande nostalgia. Essa vontade de voltar para casa provavelmente também se relacionava com o drama da vida nas turnês e longe da família. A levada Folk do violão de Tweedy (aliás, grande parte das canções dele são de inspiração folk e se reduzem bem ao formato voz e violão) é tomada de assalto ao longo dos mais de cinco minutos por ondas de barulho e dissonância que realçam o contexto pesado. E a cereja do bolo desse clássico do cancioneiro do Country Alternativo é o momento em que a voz do cantor falha discretamente quase no final, imprimindo uma autenticidade marcante e inebriante.

6. Spiders (Kidsmoke) (A Ghost is Born, Wilco, 2004)
Essa faixa monstruosa de mais de dez minutos se tornou um ponto alto das apresentações ao vivo do Wilco desde que foi lançada. Baseada numa dinâmica simples e no ritmo repetitivo do Krautrock, a música oscila entre os trechos cantados por Tweedy, partes em que ele sola de improviso, e o refrão icônico e sem letra que serve como um alívio para a tensão das outras duas passagens. Foi gravada ao vivo em estúdio em apenas duas tentativas, e a primeira delas foi escolhida como versão final. O que a princípio parece uma música “difícil” acaba se tornando viciante, e ao final fica a sensação de que ela poderia ter o dobro da duração e ainda assim manter o ouvinte hipnotizado.

5. Impossible Germany (Sky Blue Sky, Wilco, 2007)
A incorporação do guitarrista Nels Cline e do instrumentista Pat Sansone ao Wilco em 2005 abriu novas possibilidades criativas para a banda. Muita gente torceu o nariz e sentiu falta de Jay Bennett, grande parceiro musical de Tweedy até aquele ponto (ele já não tinha participado de A Ghost is Born). No entanto, o novo time com seis membros (que dura até hoje) permitia explorar arranjos mais detalhistas e, além disso, fazer uso do talento de Cline para transitar entre gêneros como o Country (tocando lap steel), o Jazz, o Noise experimental e as tradições do Rock Alternativo. E é nessa última faceta que se apoia “Impossible Germany”. O solo monumental de Cline, que dura mais de quatro minutos, não é fantástico somente pelas partes tocadas por ele, mas pela interação perfeita com as guitarras de Tweedy e Sansone, num clímax em que todas se unem para o fraseado final que lembra as interações de Tom Verlaine e Richard Lloyd no Television e se tornaram o ápice dos shows do Wilco desde então.

4. A Shot in the Arm (Summerteeth, Wilco, 1999)
“Maybe all I need is a shot in the arm/ Something in my veins/ Bloodier than blood.” Se eu tivesse que escolher somente um verso composto por Jeff Tweedy, ficaria com esse, por sua expressividade e pela forma como ele irrompe no meio da música e é repetido exaustivamente e com intensidade cada vez maior. E para quem conhece a história de Jeff e seu vício em medicamentos, a conexão se torna ainda mais forte. Mas “A Shot in the Arm” não é uma obra-prima somente por esses versos ou pelo conteúdo lírico. Musicalmente, ela representa o avanço de Summerteeth frente à Being There rumo à experimentação e ao vanguardismo, trocando guitarras por sintetizadores e teclados circulares e fazendo uso intensivo do estúdio para construção e desconstrução dos arranjos. Jeff e Jay Bennett praticamente excluíram os outros membros do Wilco do processo criativo, assumindo até instrumentos percussivos em algumas músicas, mas as possíveis tensões dessa decisão foram anuladas pelo resultado final: um disco coeso, inovador e que tem com um de seus pontos altos essa reflexão pungente sobre o vício que foi lançada como segundo single do álbum e é uma das favoritas dos fãs.

3. Jesus, Etc. (Yankee Hotel Foxtrot, Wilco, 2002)
É incrível que o Wilco nunca tenha tido um hit. Apesar de uma base de fãs consolidada, o grupo nunca conseguiu ir além das fronteiras do mundo indie. Por isso, é difícil escolher uma música de referência da banda, aquela que é conhecida até por quem não é fã. Na ausência desse hit de referência, “Jesus, Etc.” ocupou esse lugar de música favorita entre os fãs, crescendo de forma lenta em popularidade e sendo, hoje em dia, a canção mais ouvida do Wilco nos serviços de streaming por larga margem. Tal fato não surpreende se pensarmos nos diversos elementos que se combinam de forma alquímica para criar um clássico incontestável: letra “difícil”, mas repleta de versos fortes e que se sustentam até fora do contexto da canção, como “Last cigarettes are all you can get/ Turning your orbit around”; melodia doce e viciante; e arranjo meticuloso, guiado por violinos. A menção a Jesus já foi explicada por Jeff como uma referência à nossa mania de evocá-lo em momentos de surpresa ou irritação, em forma de interjeição. E é exatamente isso que o narrador tenta fazer no início, dirigindo-se a uma pessoa amada. Só que, depois disso, a letra se desvia para outros elementos fortes e instigantes, e o efeito é sublime justamente por nos lembrar da nossa finitude, pequenez e impotência frente ao universo. Ainda assim, podemos confiar no amor como refúgio (“Our love is all we have”), conclui Jeff, e eu acrescento: podemos contar também com músicas como essa para elevar nosso estado de espírito, “anytime we want”.

2. Misunderstood (Being There, Wilco, 1996)
Being There foi o álbum que consolidou o Wilco como uma banda essencial no cenário do Rock Alternativo americano, mesmo não tendo sido um sucesso de vendas. O disco duplo com 19 músicas revisita o classicismo de gigantes como a The Band, dando uma roupagem renovada para o que os críticos chamam de Americana, uma mistura do Rock com música de raiz estadunidense. No entanto, em alguns momentos Being There vai além desse exercício nostálgico, apontando para novas direções criativas que seriam exploradas nos discos seguintes da banda. Logo na faixa de abertura, “Misunderstood”, isso fica evidente. O ritmo do violão de Tweedy se ancora em somente dois acordes, só que as passagens de Folk Music são interrompidas por ataques de cacofonia e barulho que realçam a carga emocional da canção. Tudo culmina nos catárticos versos “I wanna thank you all for nothing”, e a última palavra é repetida diversas vezes com raiva evidente. Jeff Tweedy se referia diretamente aos seus conterrâneos de Belleville, especialmente os que o excluíram durante a infância e adolescência. Nessa vingança em forma de canção, a amargura se transforma em tranquilidade após o ápice, e a música termina em ritmo calmo e reconfortante. Quem leu a autobiografia de Tweedy compreende bem os motivos por trás desse rancor, pois ele trata disso com muita franqueza na obra.

Wilco Yankee Hotel

1I’m Trying to Break Your Heart (Yankee Hotel Foxtrot, Wilco, 2002)

A música de abertura de Yankee Hotel Foxtrot tem uma qualidade rara: é sedutora e conquista o ouvinte quase que imediatamente pela melodia e arranjo soberbos; e, ao mesmo tempo, contém elementos de experimentação e esquisitices em abundância para os audiófilos de plantão, além de uma letra misteriosa e com versos de grande efeito emocional. A abordagem lírica impressionista que Jeff Tweedy adota a partir de algumas canções de Being There e Summerteeth, e que atinge o ápice em YHF, consistia na combinação de palavras até obter algo de impacto, e, talvez, algumas possibilidades de significado. Substantivos de um lado, verbos de outro, múltiplas combinações. Desse método, surgiram preciosidades como “I’m an American aquarium drinker/ I assassin down the avenue”. É tão impactante que não precisa ter sentido. Musicalmente, a música tem como principal destaque a percussão monumental de Glenn Kotche, que faz uso de latas, azulejos e algo parecido com um xilofone. O salto criativo com relação à Summerteeth é gigante e logo na faixa de abertura fica evidente. Alguns utilizaram a alcunha de “resposta americana ao Radiohead” para expressar tal feito artístico, mas, embora elogiosa, ela não faz jus à singularidade e originalidade da abordagem de Tweedy, Jay Bennett e seus companheiros.

ABAIXO, A PLAYLIST COM AS 50 CANÇÕES COMENTADAS NO TEXTO:

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