Depois de briga com gravadora, um sucesso improvável, uma depressão pesada e uma severa crise de enxaqueca, que o levou a consumo excessivo de vicodins e o pôs na rehab, Jeff Tweedy e trupe fez o mais experimental, sentimental e indulgente álbum que o Wilco havia feito: A Ghost Is Born, de 2004, lançado pela Nonesuch Records.
A treta com a Interscope todo mundo conhece: a gravadora se recusou a lançar Yankee Hotel Foxtrot (por julgá-lo muito anti-comercial), a banda ficou com o direito das canções, o lançou por outra gravadora, e o álbum estourou, se tornando a maior vendagem do Wilco até hoje.
Pouco após as gravações de Yankee Hotel Foxtrot, o guitarrista Jay Bennett fora demitido da banda, devido a tensões e desentendimentos entre ele e o engenheiro Jim O’ Rourke. Bennett morreria anos depois, em 2009, de causas acidentais devido ao consumo de analgésicos para uma dor que ele sentia nos quadris, para a qual demandava uma cirurgia que ele nunca conseguiu realizar (e para a qual processou Tweedy e a banda, para tentar arrecadar uma grana para realizá-la). O’ Rourke, por sua vez, fora escalado para produzir A Ghost Is Born.
As expectativas para o álbum seguinte eram grandes, mas, enfrentando um inferno particular, Jeff Tweedy vivia [segundo a autobiografia “Vamos Nessa (Para podermos voltar) Memórias de discos e discórdias com o Wilco, etc.” – Ed. Terreno Estranho – 2018] um período de incertezas e altos consumos de comprimidos, e suas crises de pânico o levavam a acreditar que cada música seria a última, cada nota tocada seria a final.
Em meio a esse cenário caótico, emocionalmente instável e, segundo o próprio Tweedy, “produtivo apenas duas horas por dia” – e assumindo as guitarras principais da banda durante as gravações -, O Wilco ganhava experimentações guitarrísticas que os afastavam de vez do tal Alt-Country e os aproximavam de longos e ruidosos solos e suítes que lembraram ora Television, ora Sonic Youth.
Se Yankee Hotel Foxtrot foi aclamado por ser anticomercial, porém belo, então A Ghost Is Born mantinha os predicados, e ainda conseguia ser ruidoso, e cheio de metáforas sobre as condições de saúde mental de Tweedy.
Uma espécie de coda, “At Least That’s What You Said” abre o álbum com delicadeza, porém é abruptamente arremessada para um longo e esquizofrênico solo de guitarra, na canção que narra um conflito de um casal. E esta é seguida da, talvez, mais impactante e metafórica música do álbum, “Hell Is Chrome”. Nela, o diabo cromado que acolhe o protagonista e o faz se sentir pertencido pode ser a dialética encontrada pelo autor para o período pelo qual passava.
“Spiders (Kidsmoke)”, com seus quase onze minutos (e que rendeu uma eterna participação da platéia na última visita do Wilco por aqui); e “Less Than You Think”, com seus quinze minutos, são canções que demandaram esforço de Tweedy, no auge da dependência. Apesar de longas, foram gravadas ao vivo (o álbum todo é gravado dessa forma, com alguns poucos overdubs e algumas correções feitas em pro tools).
Pelo menos outras quatro canções do álbum já se tornaram clássicos absolutos do repertório da banda: “Handshake Drugs”, “Hummingbird”, “Company In My Back”, e “I’m a Wheel”, mas não é impróprio dizer que todas as canções do álbum dialogam com uma pungente sensibilidade ao “esquisito”, mas o Wilco consegue o mérito de extrair o mais belo e poético da dor e das lágrimas.
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Aqui a banda atingiu a maturidade,e a liberdade criativa para fazer o que desse na telha. Viriam, na sequência, álbuns mais pop, outros mais experimentais, outros de volta ao flerte com o Country. Fato é que em A Ghost Is Born, o Wilco aprendeu, a duras penas, a ser confiante e criativo, a não ter medo de arriscar, a dar passos para trás e a ser, acima de tudo, consciente de suas escolhas.
Vale dizer que o álbum ganhou dois Grammy’s e foi aclamado mundialmente.
INFORMAÇÕES:
LANÇAMENTO: 22 de junho de 2004
GRAVADORA: Nonesuch Records
FAIXAS: 12
TEMPO: 67:26 minutos
PRODUTOR: Wilco, Jim O’Rourke
DESTAQUES: “Handshake Drugs”, “Hummingbird”, “Company In My Back”, “I’m a Wheel”
PARA QUEM CURTE: Alt-Country, Indie-Folk, Uncle Tupelo, The JayhawksMy Morning Jacket
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