Fazia quase cinco anos que o quarteto feirense Iorigun não subia num palco. Havia um misto de expectativa e curiosidade no ar em relação ao retorno do grupo de Indie-Rock e sua música singular no cenário musical da cidade, quiçá do estado. Inclusive por conta do lançamento de “Nostalgia (The Sublime Fall)”, seu novo single, acompanhado de videoclipe filmado em longo plano sequência.
“Here are the young men, the weight on their shoulders”*
Numa aposta arriscada e audaciosa, Iorigun era a única banda escalada para se apresentar num sábado pós feriado do dia 12/10 e pré-feriado comercial da cidade, ou seja, numa data onde muitas pessoas deixaram a cidade. Por outro lado, o show de retorno parecia servir de teste de popularidade: quem estava ali no show, estava para exclusivamente para ver a banda, um grupo de amigos que tem na música a celebração dessa amizade.
Precedidos apenas por uma playlist confeccionada pelos quatro integrantes (OUÇA AQUI)– onde “antiguidades eternas” como Michael Jackson, Gang of Four, Talking Heads, The Police e The Smiths se misturavam com “ex-modernidades” em teste do tempo como Foals e DIIV, Bloc Party e Franz Ferdinand, e nomes mais recentes da cena atual como Crack Cloud, Courting, Wet Leg, pra citar algumas -, o grupo “subiu” ao palco da Casa Noise pouco depois das vinte e três horas e era quase palpável certo nível de nervosismo nos “ioriguners”: Iuri (voz e guitarra), Moyses (baixo e voz), Fred (guitarra) e Leonel (bateria).
A abertura foi com a dobradinha “Under My Skin”/”In The Edge of Something Big”, ambas de Skin, o segundo EP, seguida da efusiva “Crash Into The Sun”. Bastaram poucos minutos para a desconexão inicial normal, provocada também pelos cinco longos anos de ausência, se desfizesse e a intensidade e entrega da banda no palco passasse a ressoar no público, num processo de retroalimentação. E nem a pausa forçada após a quebra de uma corda da guitarra (ainda na segunda canção) conseguiu desfazer a conexão.
Iorigun tem a seu favor um vocalista que é um frontman (e até imitou um dos maiores de todos em dado momento), que interage com seu público e busca a conexão ao longo de todo show. Tem também alguns ganchos espertos nos arranjos de suas canções que são essenciais ao vivo, seja no refrão criado para ser cantado a plenos pulmões de “Hold On” ou na marcação quebrada de “In The Edge of Something Big”. Se nas gravações algumas músicas ganham maior densidade, ao vivo todas ganham uma intensidade e peso que mantém o show, e o público por consequencia, sempre num nível alto de adrenalina.
São características evidenciadas nas performances de “I Wish a Had” e “Fight to Forget”; e até na recém lançada “Nostalgia (Sublime Fall)” é possível encontrar essa química, cujos elementos mais visíveis são arranjos em que riffs de guitarra em profusão (às vezes escalando as alturas), complementados por uma cozinha propulsora e vibrante, e que se elevam com os vocais cantados em total entrega.
Interessante perceber, por exemplo, como “The Trickster”, do primeiro EP, ganhou batidas mais vigorosas e vibração maior, causando e a sensação de movimento, característica clara das batidas Motorik, popularizadas por bandas de Krautrock.
Com um repertório extenso, que incluiu quase tudo lançado pelo grupo (singles e EP’s), além de canções não lançadas e covers (Bloc Party, Harry Styles, A-Ha), Iorigun fez o que parece ter sido o show mais longo de sua carreira, e conseguiu manter a pegada durante todo o percurso. A mixagem potencializou a energia criada pelo grupo, que contagiou um número não tão grande de presentes (não chegou a lotar o espaço), mas não tão reduzido (cerca de 150 pessoas?), formado essencialmente por jovens (mas não só!) e que, por incrível que pareça, apreciou o show de fato e cantou várias das músicas.
Apesar do longo tempo de hiato, se pensarmos numa sociedade que prima pela volatilidade e velocidade, canções de cinco, seis anos atrás mostraram ter permanecido guardadas na memória da maior parte do público presente.
A banda se permitiu improvisos em momentos pontuais, mostrando uma evolução e maturidade que vem com o tempo e com a repetição, ou seja, o entrosamento, outro ponto chave da “fórmula” Iorigun, segue intacto.
O grupo, como de costume, levou convidados ao palco em momentos chaves do show: na guitarra, nos vocais e nas teclas.
Com aproximadamente noventa minutos de apresentação, a Iorigun encerrou seu show de forma estratégica e marcando um retorno ao início, com a enérgica “Downtown”, primeiro single lançado e arrasa quarteirão certeiro em suas apresentações.
No fim, o grupo deixou a sensação de que se tocassem pelo menos mais meia hora todos os presentes continuariam ali cantando, dançando, pulando, batendo os pés, ou simplesmente olhando para a banda no palco e imaginando porque eles pararam, porque demoraram tanto de voltar a tocar essas canções temperadas num caldeirão de referências primordialmente do Indie-Rock pós anos 2000, mas cheias identidade.
“Here are the young men, well where have they been?”*
* Trecho da canção “Decades”, do álbum Closer (1980), do Joy Division.
Dias antes do show de retorno, enviamos perguntas para Iorigun. A banda estava bastante ocupada, às voltas com show, gravação de videoclipe, divulgação, etc. Algumas perguntas foram gentilmente respondidas pelo baterista Leonel, e vocês acompanham a seguir.
O início do hiato da Iorigun coincide com uma espécie de vazio musical na cidade. Qual a percepção que vocês têm em relação a isso?
R: Acredito que de um modo ou de outro, a pandemia realmente deixou um impacto nesse cenário independente local. Mas tem uma galera que tá constantemente resistindo às dificuldades dessa cena pós pandemia que temos que valorizar também! Eu particularmente sinto falta de ver uma galera jovem iniciar novos projetos de rock, mas talvez esteja acontecendo e eu não tenha tido alcance ainda. (Me mandem seus sons!).
O que podem adiantar sobre o novo single e o quanto ele reflete o Iorigun da época em que a canção foi composta e o Iorigun de hoje?
R: Essa pergunta é bem bacana porque essa reflexão faz parte da raiz e do desenvolvimento da própria canção. Essa música foi composta entre o primeiro e o segundo EP; na verdade imediatamente a entendemos como uma música potente e já incluímos no setlist dos shows, com a ideia dela estar presente no Skin [NE: O EP de 2018]. Algumas questões motivaram sua não inclusão, acho que o principal ponto foram divergências criativas sobre escolhas estéticas no momento da produção. A gente não conseguiu chegar num consenso e optou por priorizar outras músicas pra comporem o EP. Entretanto, ela sempre esteve ali, meio que esperando o momento em que estivéssemos prontos, e acho que esse momento chegou. Dessa vez a música fluiu de uma forma muito natural, e foi se formando um clima de respeito ao que já havia sido construído com a abertura para o novo. Eu brinco dizendo que essa relação se expande também pra esse retorno, onde há esse respeito ao que já foi construído, mas também existe uma excitação sobre que construção será feita agora. A própria letra também é um reflexo disso, onde partes que já estavam escritas em 2018 se complementam a novas perspectivas.
Apesar de uma banda com pouco tempo de formação, nos últimos trabalhos dava pra perceber que a sonoridade de vocês estava em processo de mudança, inclusive para ambientações mais densas. É uma tendência a ser seguida futuramente ou uma fase que ficou pra trás?
R: Acho que do empty [NE: O EP Empty Houses/Filled Cities, de 2017] pro skin a gente pesou um pouco a mão pra explorar esse lado mais denso e sombrio (risos). Mas em “Wasting my Time” e “Wasting my Energy” nós tentamos explorar também um lado musicalmente mais divertido, eu diria. Com letras ainda introspectivas e com uma certa carga emocional, mas com uma musicalidade mais pra frente. Essa nossa próxima música, em específico, talvez retome um pouco dessa densidade que exploramos anteriormente.
Os shows de vocês sempre foram marcados por performances de total entrega e uma quase “comunhão” com o público, após tantos anos longe dos palcos, o que vocês esperam desse show de retorno e o que o público da Iorigun pode esperar?
R: Essa é talvez a parte que eu mais tenha sentido falta! Pra ser bem sincero tô tentando não pensar sobre como vai ser comparado ao passado. Essa entrega sempre foi muito natural, e parte mantenedora da própria performance, porque simplesmente eu não sei fazer diferente. E isso falando de uma perspectiva pessoal, mas tomando a liberdade de expandir pro grupo também. O desejo, a paixão, a entrega, o amor; nada muda por aqui!
Além do novo single e do show de retorno, quais os próximos passos da Iorigun?
R: Música nova é o que não falta (risos). Mas brincadeiras a parte, esse show também surgiu de uma forma bem natural. A gente sentiu que precisava desse momento, e pensou que seria bacana se esse momento fosse acompanhado de um novo lançamento. E é isso. A pandemia deixou diversas marcas, a vida mudou bastante pra alguns de nós e estamos entendendo como essas novidades vão interagir com esse momento da banda.
Bem, a “cutucada” foi dada né ainda que sem reação. Permanece o misterio…
qual a cutucada e qual o mistério, rocque moraes?