Em seu livro My Take on Me, o vocalista do A-Ha, Morten Harket, inicia contando sua trajetória com a banda a partir do inesquecível e lotado show no Rock in Rio, em 1991, para cerca de 198 mil pessoas. Relata também uma viagem com dois amigos, em um avião fretado, para um local bastante isolado próximo a Rio Branco, quase na fronteira com a Bolívia, na floresta amazônica, em busca de sossego e conato com a natureza: “Queria fugir daquilo tudo, escapar da pressão e do estresse de ser propriedade pública, fugir de ser perseguido por toda parte por fãs bem-intencionados e pelos paparazzi”. Mesmo num local tão remoto, Morten acabou sendo descoberto por dezenas de fãs.
Essa história não é contada no documentário/filme A-Ha – The Movie, dos diretores Thomas Robsahm e Aslaug Holm, ela está aqui para ilustrar a dimensão que a banda norueguesa alcançou em um punhado de anos.
Seria bastante óbvio, mas faria muito sentido se o filme se chamasse “Take on Me”, afinal foi com esse single que Morten Harket (voz), Magne Furuholmen (teclados) e Påul Waaktaar (guitarra), três jovens sonhadores e amantes da música, deram o pontapé inicial para a carreira de sucesso internacional como A-Ha. Até chegar a esse ponto chave da carreira, uma gama de acontecimentos, encontros, desencontros, idas e vindas se sucederam no percurso. A descoberta da música dos Beatles, The Doors, Jimi Hendrix, Uriah Heep; o Velvet Underground e Joy Division dizendo que eles poderiam montar uma banda e seguir adiante; a mudança para Londres no início dos anos 80, onde passaram necessidades; a descoberta e influência da cena londrina na música dos noruegueses, com ênfase no Soft Cell. Tudo isso está no documentário.
Ao tempo que acompanha a banda se preparando para a gravação de seu Unplugged e os bastidores de apresentação em algumas praças, conta as origens de cada um, com grande tempo de entrevistas do trio e algumas de pessoas próximas. E aqui há um detalhe, em nenhum momento os três estão juntos durante os depoimentos, sempre é cada um em seu canto, falando a partir de sua perspectiva.
Para quem busca polêmicas ou algo do tipo, pouco ou nada encontrará. O a-ha sempre foi uma banda discreta. Apesar disso, o filme não deixa de mostrar algumas desavenças entre os três integrantes, mas o momento mais “tenso” apresentado acontece entre Morten e o produtor Lars Horntveth, em relação a entonação de “Manhattan Skyline” para o Unplugged, com um Morten bastante descontente: “Eu não posso fazer isso. Estou aqui lamuriando o tempo todo. Eu não posso fazer isso. Não há pausa, porra. É minha voz no mesmo nível o tempo todo. Não me diga que parece bom…. Isso é besteira, Lars. Meu ponto permanece exatamente o mesmo. Eu não posso sentar aqui choramingando. Quer dizer, é por isso que eu não quero. Porque é de alto alcance, sem interrupções. Minha voz o tempo todo. Vou desistir porque estou farto da minha própria voz”.
Outro momento mais explícito dessa relação tensa de algumas décadas, acontece já no início, quando Magne declara que não tem vontade de gravar um novo disco, pois o encontro dos três no estúdio é como uma reunião de vespas, com um querendo partir a cabeça do outro. E também já no final, quando o assunto é o crédito das composições e o quanto isso se tornou uma ferida aberta na banda ao longo dos anos.
Na viagem aos primórdios, são utilizados em vários momentos o recurso de animação rotoscopia (que consiste em transformar os frames das imagens em desenhos), aquele mesmo utilizado em “Take on Me”, que ajudou a catapultar não só o single, mas também a banda. Isso cria um efeito familiar para quem é fã do grupo e é uma forma de narrativa interessante para criar o efeito de volta no tempo, até o ano de 1969, quando Paul e Magne começam a descobrir a música, fazem amizade, montam a primeira banda, Bridges, e encontram Morten, que participava do grupo Souldier Blues, e tinha fama pela boa voz.
Toda a discografia é repassada de forma um tanto breve, trazendo poucas, mas esclarecedoras informações, como as mudanças sonoras no quarto e quinto discos, que não foi consensual e acabou desagradando a parte do grupo. A carreira solo de cada um também é comentada de forma breve. A explicação para a escolha do nome nem mesmo chega a ser mencionada.
Há vários pontos que poder ser tidos como cruciais para que a trajetória do A-Ha sofresse mudanças positivas, e estão todos aqui: a mudança de Magne da guitarra para o teclado, por sugestão de Paul, ainda que a contragosto; a mudança para Londres e as dificuldades, vencidas pela insistência e na crença em suas capacidades; e, o principal, a regravação de “Take on Me” pelo produtor Alan Tarney, somado ao revolucionário videoclipe produzido pelo diretor Steve Barron, que arrebentou na programação da então jovem emissora MTV e lançou o grupo no topo das paradas.
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O documentário também não se escusa de abordar a questão do excesso de exposição a que o grupo foi submetido, a forma como o grupo foi “vendido” pela mídia, e como isso afetou não só o A-Ha como banda, mas também em suas individualidades. Paul comenta sobre um show do Echo and The Bunnymen em que a banda praticamente tocou de costa para a plateia e o quanto aquilo tinha mais a ver com sua ideia de banda; Magne fala sobre um problema de coração agravado pelos anos de tensão constante; e a imagem de um remédio para ansiedade prescrito para Morten junto a sua declaração, enquanto se desloca dentro do carro, simbolizam o preço pago por cada um deles por terem atingido a fama: “Meu casulo quando estamos na estrada. Eu gosto muito mais disso do que voar. É o único lugar tranquilo. É vital para mim. E todas as criaturas, pessoas e animais, passam muito tempo em reconstituições, encontrando um canto privado onde podem se preparar para sair novamente. Ser você mesmo. A maneira como você se sente composto. Você não tem muitos santuários quando todos sabem quem você é. É quando um casulo como este se torna essencial”.
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