Yo La Tengo exacerba referências e triunfa em ‘This Stupid World’


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Com uma carreira de longevidade que impressiona, haja vista que nomes contemporâneos seus com uma formação aparentemente mais “sólida” há muito ficaram pelo caminho, o trio Yo La Tengo chega a This Stupid World (Matador Records), seu décimo sétimo álbum de carreira, retomando, em nível mais elevado, características que se tornaram sua marca registrada  no áureo período 90/2000 – após um período inicial de mudanças, refinamento musical e, posteriormente, redirecionamento ao longo da década de 80 -, mas ao qual nunca se sentiram amarrados.

Durante a carreira, o lado mais acústico e limpo (exacerbado em Fakebook, disco de 90) passou a conviver com um outro dominado por guitarras barulhentas/distorcidas e arranjos ancorados por repetições, com a possibilidade de agregar um salutar senso de experimentação, elementos de Space-Rock, Psicodelia e Krautrock, com a sombra do Velvet Underground pairando aqui e ali, e até mesmo influências de Bossa-Nova. Painful (1993), Electr-o-Pura (1995), I Can Hear The Heart Beating as One (1997) e And Then Nothing Turned Itself Inside-Out (2000), tomados geralmente como seus melhores momentos, são resultados de tudo isso. E coincidem de serem lançados no período posterior à entrada do baixista James McNew, a mudança para a gravadora Matador Records – mantidos até os tempos atuais -, e a parceria com o produtor Roger Moutenot.

Com um espectro musical amplo, logo de difícil categorização, mas nome de importância e relevância indubitável no Rock Alternativo americano, a banda de Ira Kaplan (guitarra e voz) e Georgia Hubley (bateria e voz) – o núcleo central do YLT – segue como outsider e permanentes dentro de um universo musical que a cada dia se torna cada vez mais impermanente e volúvel. Alheios a modismos, mas fiéis a si mesmos. Essa não fórmula permite ao YLT manter em suspenso quem acompanha sua carreira. Sem fixar-se em paradigmas, conseguem seguir adiante sem grandes pretensões, mas com a confiança adquirida ao longo do tempo e dos álbuns.

Esse “senso de despretensão” ou compromisso com aquilo que de fato importa talvez seja a explicação para essa longevidade. E exemplo disso é que We Have Amnesia Sometimes (2020), seu penúltimo álbum, é totalmente experimental; composto por cinco canções instrumentais, gravadas durante a pandemia e em um take só.

Pra início, é inevitável não imaginar então que “Sinatra Drive Breakdown”, a faixa que abre os trabalhos de This Stupid World, tenha origem numa dessas sessões. Com uma batida que insiste na repetição acompanhada por uma linha de baixo marcante, a canção, qual uma locomotiva, vai avançando em ritmo constante ao longo de mais de sete minutos, enquanto Kaplan se entrega de forma frenética à guitarra na busca de todos os tipos de barulhos e efeitos. A despretensão, o caos criado pelo barulho, a suavidade antagônica do vocal, remete a um Sonic Youth que renunciou a uma segunda guitarra.

Encontrar o grupo em 2023 exacerbando essas referências do Krautrock e dos experimentos com noise perpetrado pelo Velvet Underground (duas das influências mais marcantes da banda), e se permitindo criar vários arranjos a partir de jam’s, é a afirmação do YLT para muitas bandas (novas e antigas) de que é possível envelhecer e se manter jovem.

Tudo em This Stupid World está estruturado nesse formato “aberto” de composição, geralmente, relacionado a bandas iniciantes. Junte a isso o fato de ser o álbum de guitarras mais abrasivas do YLT em décadas, comparável e conectado a muitos momentos do que chamamos ali atrás de fase áurea.

Se There’s a Riot Going On, o disco de 2018 era longo (16 canções e mais de uma hora de duração) e finalizava com uma sensação de falta de foco, This Stupid World é enxuto e coeso como poucos álbuns na discografia da banda. Essa coesão passa por uma divisão não explícita em 3 partes compostas de 3 canções que se conectam de alguma forma.

Yo La Tengo - This Stupid World

A sequência de abertura é formada por um trio de canções que poderiam ser parte de uma longa suíte de 3 partes: a já citada “Sinatra Drive Breakdown”, “Fallout” (que com seu senso melódico conquista já na primeira audição) e “Tonight’s Episode” – mais uma conduzida pelas batidas Motorik do Krautrock e Klaus Dinger e que também tem sua “dívida” com Mo Tucker, do VU -, que adiciona fraseados acústicos em meio a experimentações com Drone Music.

Esse lado mais abrasivo é interrompido por uma sequência de canções de ambientações mais plácidas, mas que se mantem dentro da proposta do disco: arranjos secos e diretos com variações mínimas. Dele fazem parte o single “Acelestine”, repleta de bucolismo e referências de Country/Folk e cantada com extrema suavidade por Georgia. Completam o bloco duas canções cantadas por Ira: a percussiva e minimalista “Until It Happens”, em que nos golpeia com a inevitabilidade da morte: “Prepare-se para morrer / Prepare-se enquanto ainda há tempo / É simples de fazer”; e “Apology Letter”, que seria uma canção menor do disco se não fosse o tema presente em seus versos, a dificuldade de entendimento através das palavras: “É tão claro / O que estou tentando dizer, mas bem na hora / Isso nunca vem tão facilmente / Porque as palavras / Descarrilam no caminho de mim para você”.

A faixa título, posicionada no terceiro bloco (o mais experimental) é uma longa e repetitiva sinfonia de barulho e sons aparentemente desconectados que se sobrepõem a um vocal pálido de Ira, que como que sufocado canta: “Esse mundo estúpido está me matando / Esse mundo estúpido é tudo que temos”. Soa como uma versão de “Sister Ray”, do Velvet, pela ótica do Yo La Tengo, e seu efeito é totalmente acachapante. Ela é precedida pela não menos atordoante “Brain Capers”, conduzida por linha de baixo pronunciada, enquanto o arranjo retorce com riffs tortos de guitarra e hipnotiza com os sons (zumbidos) de um teclado de sonoridade vintage.

“Miles Away” é faixa que espertamente fecha This Stupid World. Ela soa como uma sinfonia de aconchego, mansamente embalada pelos vocais etéreos de Hubley, num arranjo que vai de encontro tanto a Ambient Music quanto ao Space Rock: “Relaxe sua mente / Aguarde seu tempo / Segure esses pensamentos por enquanto / Os fardos surgem / Desvie seus olhos / A dor rasteja de qualquer maneira”.

+++ Leia o Especial sobre o Yo La Tengo e Built to Spill

Olhando bem de perto para esse conjunto de canções, o que fica claro é que o grande acerto da banda foi adicionar elementos diversificados para recobrir os arranjos relativamente simples, permitindo que o resultado final não seja de canções desinteressantes que se assemelham a rascunhos feito às presas. Ter sido produzido pela própria banda só reforça o nível de controle que pretendiam para o disco. O resultado é um disco para a galeria dos maiores do YLT.

Retomar a simplicidade dos tempos iniciais é uma fórmula que poderia funcionar muito bem para muitas bandas que, após um punhado de álbuns, passam a acreditar que quanto mais produzido melhor. No caso do Yo La Tengo, a experiência parece ter reacendido uma chama que pode até não durar por muito tempo, mas está devidamente registrada e pode servir como modelo para muitos. Embora modelos sejam algo que a banda de Hoboken prefere manter-se alheia.


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Ano | Selo: 2023 | Matador Records
Faixas | Duração: 09 | 48:47h
Produtor:  Yo La Tengo
Destaques: “Sinatra Drive Breakdown”, “This Stupid World” e “Miles Away”
Pode agradar fãs de: Sonic Youth, Velvet Underground, Krautrock, Space-Rock, Noise-Rock

 

 

 


 

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