Já se vão quase sete anos sem um disco de Polly Jean Harvey, a rainha do Rock Alternativo. Hope Six Demolition Project saiu em 2016, e não obteve a mesma exaltação da maioria dos trabalhos anteriores de PJ. Ousado em sua temática de retratar a desigualdade social pelo globo, o álbum oferece um resultado confuso e musicalmente sem muito brilho, e talvez seja a primeira “bola fora” da trajetória impecável da compositora inglesa.
Nesse tempo, PJ compôs a trilha sonora dos filmes All About Eve e Bad Sisters e se debruçou em projetos de relançamento das versões demo de seus discos. Como resultado desse olhar para o passado, ela compilou uma coleção ampla e completa de lados B, demos e raridades que constrói um painel altamente representativo de sua carreira mutante. Lançado no final de 2022, o disco B-Sides, Demos & Rarities tem 59 músicas, e apresenta nove que nunca haviam sido lançadas em nenhum formato.
O destaque absoluto do registro são as versões preliminares de cinco canções do clássico Rid of Me (quatro delas inéditas), gravadas por Harvey de forma caseira antes de entrar em estúdio com o produtor Steve Albini. As outras demos do disco já haviam aparecido em 4-tracks Demos, lançado em 1993.
Para os muitos que criticam o trabalho de Albini no álbum – e entre eles se incluem autoridades do calibre de Elvis Costello -, essas versões beta são mais um argumento contra o renomado e controverso produtor americano. “Me-Jane”, “Missed”, “Man-Size”, “Highway 61 Revisited” e “Dry” se mostram muito bem formadas na versão original, e o que realmente as difere das que saíram no disco é a mão pesada de Albini, que imprime uma dinâmica alto/baixo impactante e desconfortável, que esconde certos trechos e promove explosões sonoras de arrepiar.
As demos reforçam a qualidade das composições e dos arranjos de PJ, o que nos faz pensar numa versão alternativa do disco que poderia ter sido igualmente bem-sucedida, ou até mais… Em defesa de Albini estão as declarações da própria PJ, que adorou o trabalho dele, mesmo reconhecendo que Rid of Me tenha ficado bem mais difícil de digerir para o grande público.
Percorrendo cronologicamente a discografia de PJ, a coletânea tem como outro ponto alto as músicas que ficaram de fora de Stories From The City, Stories From The Sea, o ápice comercial da cantora lançado na virada do século. A guitarra etérea que é marca registrada do álbum se faz presente em várias dessas preciosidades, com destaque para a belíssima homenagem ao amigo Jeff Buckley (“Memphis”), para as autobiográfica “30” (idade dela na época, e também de Buckley quando morreu) e para a cáustica “The Wicked Tongue”. Na verdade, as que ficaram de fora são bem mais amargas e não se encaixariam no disco mais solar e relaxado que ela já criou.
No que se refere ao outro álbum conceitual de PJ, o estupendo Let England Shake (2011), as três faixas incluídas estão plenamente em sintonia com a temática bélica e com a musicalidade pastoral (conduzida pela auto-harpa tocada por Harvey), mas não têm o brilho das 14 selecionadas.
Outro ponto alto da discografia da cantora, To Bring You My Love, contribui com lados B altamente diversificados (como o álbum) e marcantes pelo minimalismo e abordagem pesada das letras. Os outros discos contribuem com faixas menos inspiradas, mas, em geral, interessantes. Só o álbum de estreia, Dry, ficou de fora.
Das trilhas sonoras, o grande destaque é a versão silenciosamente mórbida de “Red Right Hand”, da alma gêmea e ex-amante Nick Cave, que aparece no seriado Peaky Blinders. Além disso, num dos momentos em que a cronologia da coletânea é quebrada, PJ nos presenteia com gravações rústicas de duas de suas primeiras músicas (“Wait” e “Heaven”), datadas de 1988 e que faziam parte do repertório do grupo que ela liderava na adolescência em Dorset.
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B-sides… é uma jornada fascinante que confirma o status de camaleoa dessa artista inclassificável, que tem como marcas registradas a integridade artística, a ousadia, o ímpeto por mudança e a intensidade. A voz de Harvey pode variar do mais grave ao intensamente agudo, e ela pode te surpreender com Folk, Blues-Rock, Grunge, experimentos eletrônicos, cacofonia à la Captain Beefheart, Guitar-Pop, Barroco e muito mais, acertando em cheio na maioria das vezes. Para quem quer adentrar no universo de PJ, a coletânea pode até ser um início de caminho interessante, por cobrir todas as suas facetas. E se o ouvinte se apaixonar por esse lado B, imagina o deleite que terá ao degustar o lado A…
Ano | Selo: 2022 | Island/Universal
Faixas | Duração: 59 | 3:15 h
Produtor: Vários
Destaques: “Me-Jane”, “Missed”, “Man-Size”, “Highway 61 Revisited”, “Dry”, “Memphis”, “30”, “The Wicked Tongue”, “Red Right Hand”, “Wait” e “Heaven”
Pode agradar fãs de: Hole, Cat Power, The Breeders, Liz Phair
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