PJ Harvey traz discurso político em tom poético ‘Let England Shake’



A carreira de PJ Harvey segue por caminhos sinuosos, como se evitasse traçar uma linha reta. Poucos são os artistas que correm esse risco – o Radiohead é um desses -por medo de decepcionar seus fãs, a própria mídia ou, ainda, por pressão da gravadora. Com vinte anos de carreira, PJ está livre de todas essas amarras. “Let England Shake” não é o álbum que as rompeu, mas mais uma demonstração dessa liberdade, que lhe permite entre outras coisas um hiato de quatro anos entre dois discos, sendo que grande parte desse tempo apenas procurando, segundo a vocalista, as palavras apropriadas.

Nessa busca pelas palavras, PJ optou por colocar no álbum aquelas que falam do mundo em que vive, da realidade que a cerca, mais especificamente sobre a Inglaterra e sua participação em guerras e os desdobramentos na cultura e na sociedade inglesa. Ao mesmo tempo que homenageia e se declara ao seu país natal, PJ expõe seu descontentamento e suas decepções.

Os versos que abrem ‘The Last Living Rose’ são emblemáticos: “God damn europeans! Take me back to beautiful England” (Malditos europeus! Levem-me de volta para a bela Inglaterra), ou nos versos da própria faixa que dá título ao álbum, ‘Let England Shake’, apresentada ao vivo num programa de TV que tinha a participação do primeiro-ministro britânico: “O Ocidente está dormindo, deixe a Inglaterra tremer, pesada, com o silêncio morto. Temo que o nosso sangue não vá subir novamente, não vá subir novamente”.”.

Em diversas faixas há essa opção por falar da Inglaterra e sua inserção no cenário mundial, mas ao invés de usar o discurso panfletário, PJ o faz de uma forma quase poética. O que é mais interessante é que canta de uma forma adocicada, às vezes com um tom quase infantil, sobre temas fortes, criando um contraponto desconcertante entre letra, música e voz. E as diferentes entonações de voz usadas pela cantora, junto às letras, são justamente um dos destaques de ‘Let England Shake’, é como se a cada faixa ela buscasse a entonação mais adequada. Vale observar então ‘The Glorious Land’ e ‘England’, essa última com entonação semelhante à de Bjork.

Musicalmente, o álbum se aproxima da simplicidade dos arranjos de ‘White Chalk’, mas ganha uma auto-harp, instrumento que PJ resolveu aprender para adicionar em algumas faixas – no anterior ela se aventurou pelo piano.

E se o disco é forte em seus versos, sente-se a falta de maior diversidade no arranjo de algumas faixas, como se algumas delas precisassem de uma maior maturação, um arranjo mais elaborado, vide ‘In The Dark Places’ e ‘Bitter Branches’, potencialmente boas, mas bem cruas. Mas talvez seja essa a ideia: despir as canções ao essencial para que as letras se sobressaiam.

‘Let England Shake’ segue por um caminho de placidez nos arranjos, com bastante aproximação com o folk, fruto do método de composição de PJ na auto-harp. Em ‘All and Everyone’ é perceptível o uso da acústica do ambiente para criar nuances, principalmente no refrão. Como se sabe, parte do disco foi gravada ao vivo numa igreja do século XIX . Há faixas em que são utilizados samples, como na quase reggae ‘Written On The Forehead’, que PJ canta com uma entonação incomum.

Apesar de letras com mensagem “universais”, ‘Let England Shake’, carrega um tom bastante intimista, quase recluso, um álbum difícil, que do meio pro fim perde grande parte do fôlego do início e se torna até cansativo. Mas um álbum corajoso como poucos seriam capazes de fazer (incluam nesse rol Nick Cave e Radiohead), ou seja, um álbum com a marca de PJ Harvey.

NOTA: 7,8

:: FAIXAS:
01. Let England Shake
02. The Last Living Rose
03. The Glorious Land
04. The Words That Maketh Murder
05. All And Everyone
06. On Battleship Hill
07. England
08. In The Dark Places
09. Bitter Branches
10. Hanging In The Wire
11. Written On The Forehead
12. The Colour Of The Earth



:: Assista ao vídeo de “Let The England Shake”:

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