Das tarefas mais difíceis que me atrevo é resenhar discos clássicos.
Na música, um clássico é um clássico porquê foi responsável por uma influência, por deixar um legado, por transformar, alterar a ordem das coisas num novo curso. E, injustamente, falamos sempre dos clássicos “famosos”, ou do mainstream.
No underground, penso, é onde acontecem as mudanças de curso da história. Por exemplo, a cena Punk/Hardcore de Washington D.C. é absolutamente responsável pelo sucesso do Grunge, do Nirvana e tudo aquilo lá.
E é de lá que vem o clássico que falo um pouco hoje: 13 Songs, do Fugazi.
O que muitos pensam ser um álbum de estreia, 13 Songs é, na real, junção de dois EP’s (Fugazi, de 1988; e Margin Walker, de 1989) unidos num único álbum.
O Fugazi tem a importância de trazer nas entranhas de seus integrantes a história do Hardcore de DC, o DIY (Do It Yourself – Faça você mesmo), o corre que todo músico independente faz. E também de superar o lugar comum do que se entendia por Punk ou Hardcore.
Após o fim do Embrace, lá por 1986, Ian MacKaye queria fazer uma banda que soasse diferente de tudo o que ele já havia feito com o Minot Threat ou com o Embrace. Chamou amigos de outras bandas importantes (como Rites of Spring e Dag Nasty) e nascia o Fugazi.
O som era uma mistura de Punk com linhas de baixo inspiradas no Reggae e no Dub. Riffs pesados, muito comuns em bandas populares, mas rodeados de uma estrutura irregular de batidas de bateria. Aliás, guitarras em contraponto, uma mais grave, cheia de riffs (MacKaye) e outra mais melódico-barulhenta-aguda (Guy Picciotto), regra que também se aplicava aos vocais, divididos entre os dois. MacKaye e Picciotto compõem de formas distintas, mas que se complementam.
O resultado disso era um Reggae torto, irregular e barulhento, ou um Hardcore lento e dançante, pulsante. Aquilo era diferente, e germinava ali a semente do que se chama hoje de Post-Hardcore.
Sem medo de experimentar, o Fugazi tem uma dinâmica única de compor canções líricas e caóticas. Cada um de seus álbuns tem inovações “perturbadoras” diferentes, mas, falemos de 13 Songs apenas!
Impossível não citar “Waiting Room”, um Dub-Punk absolutamente catártico e para cima, mas com a poesia urbana e cortante como navalha de MacKaye, que tem as músicas mais “soco na cara”. Cantada/berrada com raiva em primeira pessoa, a música é aberta a inúmeras interpretações, mas você não tem dúvidas quanto ao sentimento de descontentamento, depressão e ódio da música. A faixa já foi gravada por um calhamaço de gente, dentre elas, o Red Hot Chili Peppers.
Picciotto compõe músicas mais “abstratas”, comparado à poesia direta de seu parceiro, e um exemplo é “Glue Man”, uma metáfora sobre vício em drogas, numa canção que vai ficando cada vez mais caótica e barulhenta.
Não vou conseguir falar em destaques nesse disco, como se houvesse uma ou outra faixa “principal”. Tudo aqui é importante. Mas, suponhamos, que você tenha que ouvir alguma música do Fugazi antes de morrer, essa música tem que ser “Suggestion”, uma música cheia de ódio e rancor, feita sob a perspectiva feminina, sobre a objetificação do corpo feminino, a tal cultura do estupro.
Sim, meus caros! O Fugazi já panfletava sobre algo que muita gente ainda não aceita em 2022, o que prova que esses caras são muito fodas e muito à frente de seu tempo. A música nasce um Dub torto sob uma camada de guitarras, mas apresenta elementos de Jazz que evoluem para uma explosão furiosa de guitarras. As letras são emocionalmente cortantes e diretas, e somadas às interpretações aos berros da banda, torna essa música algo único.
+++ Leia notícia sobre o livro ‘Nossa Banda Podia Ser Sua Vida’, de Michael Azerrad
Todo mundo, de Nirvana a Pearl Jam, Tool, Jack White, RHCP, Tom Morello e outros afirmam serem influenciados pelo Fugazi. Isso faz essa banda tão importante, e por isso esse álbum é tão relevante.
FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:
LANÇAMENTO: 01 de setembro de 1989
GRAVADORA: Dischord Records
FAIXAS: 13
TEMPO: 40:27 minutos
PRODUTOR: Ted Niceley, John Loder
DESTAQUES: “Waiting Room”, “Suggestion”, “Glue Man”
PARA QUEM CURTE: Hardcore, Post-Hardcore, Minor Threat, Rock Alternativo
Parabéns pela bela matéria… A busca pelas raízes mais profundas que influenciaram muita gente. Podemos colocar no mesmo time, num nível mais acima, o Husker Du. Pra mim, “Red Medicine” (1995) é seu melhor trabalho, mais maduro, com melhor produção.
Valeu, Ângelo. O ’13 Songs’ é uma reunião de dois EP’s e, por ser o início da banda, ainda não haviam desenvolvido totalmente a sonoridade. Também gosto mais do ‘Red Medicine’.