Quando se fala da música do quarteto britânico Dry Cleaning, é quase unanimidade o comentário sobre o estilo spoken word da vocalista Florence Shaw ou seu cantar propositadamente blasé, adotado desde o início da banda. Natural, já que é um dos elementos que se destaca no conjunto de sua música. Mas um olhar mais atento sugere uma atenção mais adequada, semelhante ao olhar para a música dos Smiths, por exemplo, na similaridade que os aproxima: vocalista de presença magnética, cada qual ao seu modo; e uma música em que a guitarra surge como protagonista, cada qual a seu modo também.
Com esse olhar, é inadmissível deixar o genial trabalho do guitarrista Tom Dowse em segundo plano. Percepção que vem desde o álbum de estreia, o ótimo New Long Leg (2021), reafirmada aqui em Stumpwork.
Ainda que “Anna Calls From the Arctic”, faixa que abre o disco, pareça direcionar a sonoridade para uma menor presença das seis cordas, com sintetizadores e sopros ganhando um espaço até então inédito, o trabalho de Dowse se faz presente, inserido de forma discreta. É essa versatilidade, e mais a variação de timbres, domínio de riffs, uso de dissonâncias e, aqui, o acréscimo de dedilhados e batidas, que o guitarrista imprime na música do Dry Cleaning. Novamente, esse é o elemento que soma-se ao estilo de Shaw, e dá o diferencial na sonoridade do grupo, quase como um paradigma.
Se por um lado o filme se repete, na atrativa repetição monocórdica beirando o tédio do estilo da vocalista, com suas letras de texto subjetivo e fragmentado sobre situações cotidianas. Por outro, ele muda, abandonando o formato de guitarras frenéticas entusiasmadas ou catapultadas por texturas, ao desacelerar e direcionar para climas mais suaves. Perceptível nas pinceladas acústicas de violão, e os dedilhados melodiosos de “Kwenchy Kups”, uma música otimista e alegre – nas palavras de Shaw – e “Gary Ashby”, dos poucos momentos em que Shaw resolve cantar uma letra sobre uma tartaruga de estimação.
Quando a opção é pela sonoridade mais comum à banda, a opção é por retomar a trama de riffs em profusão preenchendo espaços vazios, num arranjo impulsionado pelo baixo e bateria de Lewis Maynard e Nick Buxton, em “Driver’s Story”. A faixa segue o já conhecido ritmo cadenciado, e pouco avança para além de uma paisagem musical conhecida.
Essas quatro faixas são como um microcosmo de Stumpwork. Ou seja, contém praticamente tudo que engloba o disco. Mais constatação do que demérito, a verdade é que todo paradigma cobra um preço, e não é diferente aqui. A sensação de homogeneidade bate forte. A incrível versatilidade de Dowse não é suficiente para dinamizar a música do Dry Cleaning para além de ambientes já conhecidos, mesmo quando dobra a sonoridade da guitarra em “Don’t Press Me”, a faixa mais aceleradinha e básica do disco, junto com “Conservative Hell”.
A mudança do enfoque – sai Sonic Youth e diminui a sombra Pós-Punk, entram influências jazzísticas e elementos mais melodiosos – mostra a tentativa de variação ou reinvenção dentro do paradigma, ainda que o final repita o roteiro de New Long Leg, com duas canções longas e contemplativas e alguma experimentação pontual em “Liberty Log”, cuja letra fala sobre gostar de ficar no quarto, e “Icebergs”, adequadamente nominada, já que é a faixa mais gélida do disco, com timbres de guitarra soando psicodelicamente assombrosos.
++ Leia o especial sobre a banda Dry Cleaning
Falta contraponto na música do Dry Cleaning. Ao que tudo indica, não era isso que buscavam ao repetirem o script de seu primeiro álbum, mesmo estúdio e mesmo produtor, John Parish. Talvez uma expectativa demasiada para um segundo trabalho, lançado num curto espaço de tempo, com a banda numa rotina incessante de shows pós-pandemia.
Bom que eles estejam próximos dos holofotes mas não tão perto ao ponto de se queimarem.
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