Nos anos 90, me formei musicalmente assistindo os primórdios da MTV Brasil, em passeios elucidativos nas Grandes Galerias da 24 de Maio e ouvindo as rádios Brasil 2000 e 89FM (não havia internet, é bom lembrar). Daqui de Osasco, de onde escrevo, os fabulosos apareciam na MTV em programas como o Lado B (que teve um apresentador chamado Daniel Benevides) ou coberturas de festivais como o Juntatribo. Também participaram de uma coletânea da Rádio Brasil 2000: Clipe Independente Vol. 1.
Bom…o texto não é sobre os Mickey Junkies, MTV, ou rádios, mas esses temas são meu link para uma das bandas mais interessantes que ouvi naquela época: naquela coletânea, uma canção chamada “Geladeira Amarela” me chamou atenção pela melodia e, claro, pela estranheza. A banda era o 3 Hombres.
Havia uma ligação de todos esses temas em torno dessa banda: o vocalista era Daniel Benevides, do já citado Lado B da MTV, que eu adorava.
Os 3H tinham músicas espalhadas numa porção de coletâneas obscuras de Rock Independente, até num tributo aos Mutantes (em que defenderam “Dia 36”).
Em 1993, eles lançaram um disco chamado “De Volta Ao Oeste”. O som dos 3H era algo que me remetia imediatamente ao R.E.M., com ecos de um Neil Young violeiro, Blues, também o tal “Rock Alternativo” dos anos 90. Tinham, na época, Jair Marcos, do seminal Fellini, no baixo. O álbum rendeu um ‘quase hit’: “Canção”.
Pula pra 2022.
Recentemente, recebi a informação que havia sido encontrado um “álbum perdido” dos 3 Hombres, e que seria o debute de um novo selo, o Estúdio Caixa de Som.
Como não poderia deixar de ser, a história tem aditivos que a tornam ainda mais charmosa: as gravações eram, também, o debute do saudoso Carlos Eduardo Miranda nas produções.
Pra mim, uma reunião de obscuros heróis da adolescência!
Sob O Sol Que Nunca Morre chegou aqui em casa e confesso que estava reticente: achei que seria algo similar a um som de fita demo recuperada lá do final dos anos 80. Mais: achei que o repertório seria mais do mesmo que eu já conhecia do 3 Hombres. Ledo engano. Além da beleza plástica de um vinil marmorizado e um trabalho gráfico primoroso, o som aqui ganhou textura, corpulência e grandeza. A masterização primorosa fez justiça à essa incrível banda, e finalmente temos o verdadeiro álbum de estreia, 33 anos depois.
Mais denso, mais Pós-Punk, o R.E.M. ainda tá lá (o R.E.M. do Murmur e do Reckoning, e não o de Document ou Green!), muito do Echo & The Bunnymen, Fellini (claro, pois nessas gravações, além de Jair Marcos, há Thomas Pappon nas guitarras), Nick Cave and the Bad Seeds, Neil Young da fase Zuma, Sonic Youth, algum John Fogerty e algum Van Morrison também, algo de anti-Rock – ou Art Rock…
São 10 canções, sendo 9 autorais e um sensacional cover dos alemães do CAN, “Mushroom” – e que faz todo sentido pro som da banda! Todas essas canções novas e desconhecidas (pra mim), me remetem a um tempo sensacional de descobertas sonoras, aprendizados e juventude. Do Blues Rock torto de “O Rio Não Secou” ou a valsa esquisita e quase macabra “Valsa das Caravanas”, passando pelas guitarrentas “A Primeira Noite” e “Você No Oeste”, todas canções são melodiosas e envoltas pelo baixo marcante de Jair e, claro, pelas interpretações ébrias de Benevides.
+++ Leia o especial sobre o selo Nada Nada Discos
Sob O Céu Que Nunca Morre é muito mais que um disco de Rock. É um documento, um atestado de que o underground sempre foi celeiro de bandas interessantes e inteligentes, e que nunca tiveram um verdadeiro lugar de destaque na história.
Discaço!!!
INFORMAÇÕES:
LANÇAMENTO: 18 de maio de 2022
GRAVADORA: Estúdio Caixa de Som
FAIXAS: 10
TEMPO: 34:44 minutos
PRODUTOR: Carlos Eduardo Miranda
DESTAQUES: “O Rio Não Secou”, “Valsa das Caravanas”, “A Primeira Noite” e “Você No Oeste”
PARA QUEM CURTE: Fellini, Pós-Punk, Art-Rock, expermentalismo,
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