Quando Steve Vai e Ginger Baker tocaram num disco do Public Image Ltd.


Foto | Michael Grecco

Pode parecer exagero o título do texto ou até Fake News, mas é fato! É que além de músicos de renome, tanto Vai quanto o ex-baterista do Cream são músicos com formação musical e, mais que isso, virtuosos em seus instrumentos, algo impensado para uma banda como o Public Image Ltd., surgida da “cinzas” do Sex Pistols e um dos grupos responsáveis por definir a sonoridade do Pós-Punk.

Formado por John Lydon após sua saída do Sex Pistols, em 1978, O PIL (como é comumente conhecido) primava por uma postura ANTI-qualquer coisa, inclusive virtuosidade musical. Keith Levine (falecido), o primeiro guitarrista da banda e responsável por forjar a sonoridade do grupo, foi um dor formadores do The Clash, e seu estilo de tocar ajudou a definir o Pós-Punk. O baixista Jah Woble tornou-se conhecido por suas linhas de baixo econômicas e por utilizar (reza a lenda) apenas duas cordas do instrumento, geralmente as mais graves. Essas características não só moldaram a sonoridade do grupo como influenciaram toda uma geração de bandas.

A saída dos dois músicos foi envolvida em polêmicas e, para Lydon, uma espécie de traição.

Aproveitando uma pausa com a banda, em 1980, Wobble se juntou ao baterista Martin Atkins para algumas sessões de gravação no Gooseberry Studios, em Londres. Conforme Atkins viria a declarar, só tardiamente é que veio a perceber que as gravações não eram para um novo trabalho do PIL. Durante essas sessões, Wobble travou contato com o pessoal do Killing Joke, que também estava gravando por lá, o que renderia uma colaboração futura.

O resultado das gravações sairia no primeiro álbum solo do baixista, The Legend Lives On… Jah Wobble in “Betrayal” (1980), que utilizava material previamente gravado para o PIL sem autorização, o que chateou tanto Lydon quanto Levene. O baixista deixaria a banda no final de 1980. No documentário The Public Image is Rotten (2012), Wobble se defende dizendo: “Não passou pela minha cabeça em momento algum que poderiam achar que eu estava traindo o Public Image”. Lydon tem opinião diversa, afirmando que Wobble mais levou do que deu para a banda.

PIL em sua formação clássica – Foto | Dennis Morris

Por conta disso, Flowers of Romance (1981), terceiro álbum do PIL, praticamente não possui baixo, centrado em bateria e no vocal, com intervenções mínimas de guitarra, já que Levene estava mais interessado no uso de sintetizadores. O resultado em um disco bastante experimental.

Levene seguiria o caminho de Wobble em 83 por “divergências musicais”. E novamente a saída de um integrante do PIL seria acompanhada de outros problemas. Levene teria se apropriado das fitas master do que seria o próximo álbum da banda, ainda não finalizado, e resolveu lançar um álbum com o nome do PIL por conta própria sob o nome de Commercial Zone, através de seu selo próprio, PIL Records Inc.

Devido a todo imbróglio, Lydon voltaria ao estúdio com o baterista Peter Atkins e músicos convidados para regravar as canções a partir do zero e lança-las em This Is What You Want … This Is What You Get, álbum de 1984 e de título bem sugestivo.

Apesar das baixas e da recepção fria para o último álbum, as coisas para o PIL pareciam começar a dar resultados. Haviam assinado um contrato com a Elektra Recordspara a gravação de três álbuns, “This is Not a Love Song”, o single de 1983, tinha dado um quinto lugar nas paradas, e a banda havia agendado shows para o Japão e Australia. Por essa época, Lydon e Atkins anunciou que buscavam um guitarrista, um tecladista e um baixista. Entre os músicos que apareceram para a vaga no baixo, um desconhecido músico chamado Flea ganhou o posto, mas acabou desistindo de se juntar à banda.

Martin Atkins deixa a banda em junho de 1985. Sozinho, Lydon inicia aproximação com músicos como Afrika Bambaataa, com quem lançou o single “World Destruction” e, por consequência, com Bill Laswell. Lydon cantaria na fixa “Animal Speaks”, do álbum Vision of Excess (1985), do projeto Golden Palominos, comandado por Laswell, e que também contou com Michael Stipe (R.E.M.).

Foto de John Lydon, do PIL
John Lydon

Quando começou a pensar em gravar um novo álbum, Lydon começou a recrutar alguns novos membros. Além de Laswell no baixo, os músicos de turnê Jebbin Bruni (guitarra) e Mark Schulz (teclados). Com essa formação, o PIL entrou em estúdio e começou a preparar o repertório que entraria no vindouro disco. De volta ao estúdio, Lydon resolveu dispensar Bruni e Schulz: “eram extremamente inexperientes, e como eu tinha um bom orçamento pensei: por que não chamar os melhores músicos disponíveis para a empreitada?”.

E foi assim que Lydon e Laswell resolveram convidar um então proeminente e virtuoso guitarrista (Steve Vai), um famoso e aposentado baterista (Ginger Baker), e mais o tecladista Ryuichi Sakamoto, o baterista de Jazz Tony Williams (que havia tocado com Miles Davis), o violinista L. Shankar, dentre outros, para formarem um super time nas gravações de Album, quinto disco de estúdio do PIL.

O curioso é que os nomes dos músicos não foram colocados nos créditos do disco e muita gente até hoje nem imagina. As canções estão creditadas a Lydon & Laswell, e mais Bruni e Schulz – músicos que participaram das gravações iniciais e que já vinham trabalhando nas canções anteriormente. “Eu tinha uma banda ao vivo antes da gravação acontecer e muito material reunido antes de ir para o estúdio”, afirmaria Lydon ao falar do material usado nas gravações em estúdio.

“Eu meio que decidi fazer um grupo pesado, então convidei Tony Williams, Ginger Baker, Steve Vai, e todas essas pessoas vieram. Despedimos a banda de John e houve muitas noites de discussões realmente duras em bares. Quando a fumaça se dissipou, fizemos uma espécie de disco clássico, um disco incomum para a época”, afirmou o produtor e baixista Bill Laswel.

Capa de Album, do Public Image
Capa de Album (1986), do Public Image

Steve Vai contaria anos depois como aconteceu a sua participação no disco: “Bill Laswell, o produtor, ligou e eu voei para Nova Yorque. Fiz basicamente todas as partes da guitarra em dois dias. Bill Laswell fez uma abordagem muito interessante para a produção desse disco. Parte do material eu nunca tinha ouvido e apenas entrei e comecei a tocar. No final, Johnny Lydon entrou e gostou… houve a consideração de montar uma banda – ele, eu, Bill Laswell no baixo e Ginger Baker na bateria. Teria sido uma banda e tanto”.

No documentário sobre o PIL de 2017, falando sobre sua participação no disco, Baker se diverte comentando que “A parte mais divertida disso foi que Tony Williams (o outro baterista) fez metade das gravações e eu fiz a outra metade do disco. E foi lançado sem citar quem estava jogando em quê. E Tony e eu rimos disso porque cada faixa tocada por Tony pensaram que era eu. E cada faixa que eu estava, pensaram que era Tony”.

Lydon ficou muito contente com o resultado do álbum, que emplacou o que pode ser chamado de hit do Public Image, a faixa “Rise”, que teve alta rotação na MTV – nas palavras de Lydon, uma canção que a letra fala sobre as táticas de interrogatório usadas na África do Sul e na Irlanda do Norte, a tortura.

Falando sobre Steve Vai numa entrevista, o vocalista disse que “Acho que ele meio que alterou sua perspectiva depois de trabalhar conosco…ele fez algumas coisas maravilhosas depois disso. Você sabe, sua mente …ele saiu apenas do heavy metal, e isso é uma coisa boa, boa…até hoje”.

+++ Leia o especial sobre a banda Loop

Em uma entrevista de 2018 para a Bilboard, John Lydon mais uma vez explicou o motivo de ter usado os músicos na gravação do disco: “Foi muito difícil fazer (o álbum) porque a banda era jovem demais para Nova York e o estúdio; e definitivamente jovem demais para o (produtor) Bill Laswell…tínhamos um prazo a cumprir e estávamos ficando sem dinheiro. Então eu tive que encontrar substitutos rápidos e esse foi o tipo de pessoa que apareceu – Ginger Baker, Steve Vai”. E resumiu: “Isso me ajudou muito e realmente me deu confiança para continuar”.

Lydon reformaria o Public Image novamente e agregaria ao grupo o guitarrista John McGeoch, outro ícone da cena Pós-Punk inglesa em banda como Magazine e Siouxsie and The Banshees. Mas essa já é uma outra história.


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