O historiador canadense Robert Rosenstone, ao refletir sobre a relação entre cinema e história, defende que os chamados ‘‘filmes históricos’’ não podem ser considerados uma reconstrução da realidade de eventos do passado. Para o historiador, os filmes históricos se limitam ao campo das representações, no qual o passado é interpretado ou imaginado por quem é responsável pela execução de um filme.
O fato de existir uma ou várias mentes pensantes por detrás de um filme, nos leva a considerar que toda produção também é um produto de seu tempo e nos diz mais sobre a época em que está sendo produzido que sobre o passado visado.
Ao ter apresentado brevemente dois pontos cruciais da relação entre História e Cinema, devo admitir que Corsage, drama selecionado pela Áustria para concorrer ao Oscar, é um filme histórico exemplar ao não buscar se comprometer em representar a realidade. Marie Kreutzer, argumentista e diretora do filme, é muito consciente em criar sua própria narrativa sobre Elisabeth da Áustria, adotando, inclusive, o nítido anacronismo para nos desiludir com a precisão temporal de sua obra.
Kreutzer não está interessada em tratar o seu filme como um retrato fiel da melancólica vida de Elisabeth, e sim utilizar da imagem da Imperatriz para fazer o que o cinema é em sua essência: Arte. Que é sempre melhor quando desprendidas de suas amarras.
Dessa forma, a história trágica de Elisabeth é substituída por uma narrativa tão catastrófica quanto – algo que é um tanto singular para o cinema atual. Em tempos onde Sharon Tate sobrevive a Família Manson em Era Uma Vez em… Hollywood (2019) e Lady Di tem um final libertário em Spencer (2021), Kreutzer é uma argumentista que não quer oferecer a calmaria após uma jornada de conflitos em uma releitura positiva, a diretora deseja que o caminho para a destruição da Imperatriz tenha o protagonismo da própria, algo que a real Elisabeth não possuiu ao ser secundarizada até em seu assassinato.
Para esse novo conto com a proposta de centralizar Elisabeth na história que pertence a Elisabeth, Corsage tem como seu principal impulsionador a figura de Vicky Krieps em um de seus melhores papéis. A atriz possui tons frios, ao mesmo tempo que consegue transmitir algo que fascina em meio ao sofrimento e tristeza interna. Na tristeza profunda, há constantemente uma faísca no olhar de Krieps, o que reflete perfeitamente os dilemas de uma mulher de meia idade, dividida entre a preocupação e as consequencias de envelhecer e, ao mesmo tempo, considerar que será a melhor fase de sua vida.
+++ Leia a crítica do filme ‘A Favorita’, com Olivia Colman
Corsage é uma ótima surpresa na pré-lista da categoria de Filme Internacional do Oscar, mas acredito que tenha poucas chances de chegar à lista final, principalmente competindo contra Argentina, 1985 (2022) e Nada de Novo no Front (2022), dois dramas históricos convencionais. Mesmo com chances remotas de ser indicado, eu recomendo Corsage por ser uma experiência desintoxicante da obrigatoriedade da precisão histórica.
INFORMAÇÕES:
Título Original | Ano: Corsage | 2022
Gênero: Biografia, Drama, História
País: Áustria, Luxemburgo, Alemanha, França
Duração: 1:54 h
Direção: Marie Kreutzer
Roteiro: Marie Kreutzer
Elenco: Vicky Krieps, Colin Morgan, Tamás Lengyel,Finnegan Oldfield,
Ivana Urban e outros
Data de Lançamento: 07 de outubro de 2022 (Festival de Cinema do Rio)
Censura: 16 anos
Avaliações: IMDB| Rotten Tomatoes
No Comment