A independência criativa do Faith no More no anticomercial ‘Sol Invictus’


Sétimo álbum do grupo, ‘Sol Invictus’ mostra o Faith No More convicto em sua proposta sonora

Existem artistas que optam pela zona de conforto durante toda carreira, argumentando ter fincado num estilo suas “raízes” ou sua “identidade”. Bem, de fato é inegável que bandas como Ramones e AC/DC tem exatamente essa característica, mas também é fato que cada uma delas experimentou sucessos e fracassos.

Algumas bandas, no entanto, ocupam territórios perigosos, quando o tema é sucesso e mainstream. Optam por manter um som e uma identidade visual datadas, e sem correr nenhum risco sequer – para mim, o caso mais evidente desse cenário é o Red Hot Chili Peppers, que vem fazendo o mesmo álbum desde 1999.

São poucos os que colocam convicções e arte à frente do escrutínio da fama. Nirvana, quando abriu mão de sua porção mais pop para soar mais… Nirvana. Ainda assim, In Utero nunca foi visto como um “assassinato de reputação” ou mesmo considerado um fracasso comercial.

Toda a introdução acima serve para basear minhas percepções sobre Sol Invictus, sétimo álbum de estúdio do Faith no More, lançado em maio de 2015 e, até então, último registro da banda.

Deveria dispensar apresentações, mas acho válido, diante da possibilidade da leitura de um público que nunca ouviu falar da banda, ou que não os reconheçam como grandes.

Em 1988, a banda troca de vocalista: sai Chuck Mosley, entra Mike Patton, que foi recrutado pelo então guitarrista Jim Martin, que o conheceu por ter ouvido a demo da banda que Patton mantinha desde os tempos de colégio em Eureka, Califórnia. A banda em questão era o Mr. Bungle. (Fato curioso, antes das audições com Patton, o Faith no More tentou outro vocalista conhecido, Chris Cornell, do Soundgarden).

Em 1989, a banda lançou seu terceiro álbum, The Real Thing, e os vídeos de “Epic” e “Falling To Pieces” turbinaram as vendas e a visibilidade da banda californiana. No Brasil, com a chegada da MTV em 1990, a banda foi apresentada como uma inovadora mistura de Metal, Rap, Funk, e seu estilo ganhou a infame alcunha de “Funk Metal”. O sucesso foi estrondoso, a banda esteve por aqui no início da década de 90 e chegou a tocar no Rock In Rio 2 com grande destaque.

Em 1992, a banda lançou a obra prima Angel Dust, que, na minha opinião, é um disco que ajudou a definir os rumos da música pesada alternativa dos anos 90. Influência direta para gêneros como Industrial, Thrash Metal, Nu Metal, e toda aquela galera chamada de “Metal Alternativo” que surgiu nesse período (Clutch, Tool, dentre outros). A aclamação, porém, não veio.

Angel Dust foi interpretado como um suicídio comercial. A banda, no auge, optou por temas incômodos para a época, música pesada e sem as chicleteiras que agradasse a MTV. Uma versão de “Easy”, dos Commodores, foi incluída nas tiragens posteriores à inicial, para ajudar nas vendas.

Menor sorte ainda tiveram os álbuns seguintes, o excepcional e pesadíssimo King For a Day…Fool For A Lifetime (1995) e o excelente Album of the Year (1997). Nesses três últimos álbuns, a banda passou por mudanças na formação, com trocas de guitarristas (Jim Martin deu lugar a Trey Spruance, que, após King For A Day…, deu lugar a Jon Hudson). O foco criativo, no entanto, sempre esteve orientado por duas cabeças: o tecladista Roddy Bottum e, claro, Mike Patton.

Patton faz, praticamente, todas as letras da banda desde The Real Thing, enquanto que a dinâmica musical é proposta por Bottum, e a música ganha corpo com a cozinha de Billy Gould (baixo), e Mike Bordin (bateria).

Patton, no entanto, aparece como figura central da banda. Carismático, competente, com performances no palco que vão de um comportamento de crooner a um violento ataque elétrico-epilético sob gritos agonizantes, o vocalista sempre chama atenção pelo uso indescritível de sua voz e de seu alcance.

Em 1998 a banda entrou em hiato. Durante o hiato, todos se dedicaram a outros projetos. Bottum liderou o Imperial Teen, Bordin defendeu a banda de Ozzy Osbourne, Gould participou da formação do Brujeria e Patton tocou inúmeros projetos, desde o supergrupo experimental Fantômas, ao pop-canalha Lovage.

Em 2009 a banda retornou aos palcos. E em 2015 pariu Sol Invictus.

Desde We Care a Lot (1985), o Faith No More abre seus álbuns com uma canção impactante, pesada, que eleva os ânimos. A faixa título que abre nosso álbum resenhado foge a regra: blasfêmica, contestadora, fazendo jus ao nome da banda, porém melódica e dramática. Guiada pelo piano de Bottum e pelos vocais de Patton, a balada pega de surpresa quem esperava, de cara, a explosão. Que vem, em “Superhero”, talvez a única faixa que se assemelhe em algo dos álbuns anteriores, e que foi um dos quatro singles do álbum.

“Sunny Side Up”, outro dos singles, tem Patton alternando entre sussurros erotizados e berros agonizantes, numa letra que soa desconexa, mas que dialoga com a saúde mental. Mesma temática, aliás, de “Separation Anxiety”, que tem um verso definidor da condição (“é como quando sua mente tem mente própria…”). A faixa começa tribal, mas vai ganhando camadas de peso e fúria, e torna-se a melhor música do álbum. “Cone of Shame”, outro single, e que fecha o lado A, tem Patton afirmando uma máxima que, talvez, traduza a carreira do Faith no More: “Só fico feliz quando estou te irritando…”.

“Rise of The Fall” tem a curiosa estrutura a la musical de Bertold Brecht, com Bottum brilhando nos teclados. “Black Friday” caberia, curiosamente, num álbum dos Pixies deste século. “Motherfucker”, o primeiro single, de título e estrutura improvável, é um Rap cantado por Bottum e Patton, sob uma batida marcial de Bordin. Tão improvável quanto curiosa e instigante, é um cartão de visita às avessas.

“Matador” é épica. Como foram, no passado, “The Real Thing” e “Just a Man”. Momento para Patton botar os bofes para fora e entregar tudo o que sabe para que o álbum encerre, improvável, e tranquilamente, com “From The Dead”, talvez a canção mais diferente que o Faith No More tenha entregue até hoje.

+++ Leia na coluna PRAZERES PLÁSTICOS sobre ‘There’s Nothing Left to Lose’, do Foo Fighters

Sol Invictus é um álbum anticomercial. Seus singles são anti-singles. As letras de Patton saem do nonsense de outrora para visitar lugares ingratos, raivas e ressentimentos. Isso só foi possível pela independência criativa conquistada, após tantos álbuns não compreendidos, e também pela independência do selo próprio. Por isso é um álbum tão confortável aos ouvidos dos fãs da banda. Demorei anos para aceitar a plenitude de seus pouco mais de 39 minutos – o mais curto da carreira da banda. Mas tornou-se um dos discos essenciais da banda pra mim.

NOTA: A expressão em latim, que intitula o álbum, refere-se ao deus cultuado no Império Romano, no século III D.C. Antes da adesão ao cristianismo, os imperadores romanos eram adeptos a crenças politeístas – dentre elas o Deus Sol Invicto – e o culto a vários deuses, após a adesão do cristianismo pelas civilizações antigas, passou servir de base para o paganismo.

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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

ANO: 2015
GRAVADORA: Reclamation! / Ipecac
FAIXAS: 10
DURAÇÃO: 39:30 min
PRODUTOR: Billy Gould
DESTAQUES: “Separation Anxiety”, “Motherfucker”,”Matador”, “From The Dead”
PARA FÃS DE: Rock, Industrial, Heavy Metal, Metal Alternativo, Tool, Mr. Bungle, Tomahawk

 

 

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