‘Unlimited Love’ do Red Hot Chili Peppers é ótimo como celebração, mediano no geral


Foto do Red Hot Chili Peppers em 2022

Décimo segundo álbum da banda californiana marca o retorno do guitarrista John Frusciante

O retrospecto discográfico de John Frusciante no comando das seis cordas do Red Hot Chili Peppers justifica todo o frisson criado com mais um retorno do músico. Titular em álbuns marcantes (Mother’s Milk, Blood Sugar Sexy Magik, Californication, By The Way), para muitos os melhores da carreira do grupo, Frusciante retorna após uma década ao comando das guitarras, que já teve como substitutos em seus dois afastamentos nomes como Arik Marshall, Dave Navarro (One Hot Minute), e o mais recente e longevo, Josh Klinghoffer (I’m With You e The Getaway).

Da “Era Frusciante”, parte da base de fãs guarda na memória afetiva o álbum de 91 como marco da fase Funk-Rock e atestado maior de como o músico fecha de forma perfeita a equação da banda; uma outra parte tem Californication (1999), disco de climas mais ensolarados, como ápice do trabalho de banda e músico. São exemplos incontestes do excelente trabalho e da versatilidade do guitarrista, cujo soberbo apanhado de timbres e efeitos em By The Way (2002) pouco se comenta. Seu lado um tanto denso e melancólico, com olhares de soslaio para os anos 80, pode explicar isso, mas é ali onde John esbanja seu estilo meticuloso e pesquisador no uso da guitarra.

Nem é tanto se é justificada a excitação pelo retorno do guitarrista no mais recente trabalho, mas até que ponto esse retorno faz de Unlimited Love diferente ou algum degrau acima de seus antecessores, seja no conjunto das composições ou no aspecto individual, no trabalho de guitarras. Para a banda, nem é tanto uma questão técnica ou outra que seja, mas a força do elo de ligação com o guitarrista, construído lá atrás e com raízes tão profundas que permanecem até hoje, a química.

Unlimited Love carrega outros ingredientes de ansiedade: nunca os “peppers” haviam ficado tanto tempo sem lançar um álbum, aproximadamente seis anos. Nesse ínterim, assim como toda humanidade, vivenciaram as perdas e angústias da Pandemia e do isolamento social. Estiveram muito próximos dos incêndios que aterrorizaram e devastaram parte de Los Angeles, chegando muito perto do Shangri-La Studios, onde gravaram o novo disco, propriedade do produtor e amigo de longa data Rick Rubin, que retoma a parceria e é mais um tempero – The Getaway (2016) foi produzido por Danger Mouse.

Adicionados todos os ingredientes, tem-se um RHCP cheio de gás com o retorno da formação “clássica”, com os trabalhos rendendo farto material: “Nós gravamos 50 músicas em 3 semanas”, disse Frusciante em entrevista. Dentre as escolhidas para constituir o novo disco, o quarteto passeia pelos diversos pratos que compõem o cardápio de sua música, com disposição para agregar novos ingredientes. Muito por conta de Frusciante, que acrescenta variados elementos daquilo que vivenciou nesses anos fora do grupo, quando adentrou de cabeça na música eletrônica e praticamente abandonou a guitarra como elemento de composição. Exemplo disso em “Veronica”, em que usa seu sintetizador em uma das partes para emular o som da guitarra, conforme revelou em entrevista.

O prato de entrada com “Black Summer”, single responsável por abrir o apetite para novo disco funciona até bem. A faixa traz uma letra sobre os problemas ambientais e é uma dose forte da capacidade radiofônica do grupo. A entrada direto nas primeiras posições da parada simbolizam isso. The Black Summer foi o nome dado aos incêndios florestais ocorridos na Austrália (país de origem de Flea) entre 2019 e 2020 e que provocaram a queima mais de 24 milhões de hectares e causaram 33 mortes diretas e quase 450 por inalação de fumaça.

Se esse primeiro single sinalizava um álbum mais “solto”, o resultado é justamente o contrário. A profusão de ideias e o desejo de colocar o máximo possível delas faz com que Unlimited Love caia no mesmo problema de álbuns anteriores do grupo – Stadium Arcadium e By The Way, por exemplo -, o excesso de canções.

Se há algumas boas faixas, há outras apenas OK e várias que caberiam bem como b-side ou faixas bônus, já que pouco acrescentam seja no conjunto da obra ou na carreira do grupo, dentre estas incluem-se “Bastards of Light”, “One Way Traffic” (que acena para a fase oitentista da banda), “Let’Em Cry”, “The Heavy Wing” e “Veronica”, ou seja, boa parte da segunda metade do disco. “Veronica” tem mudanças de andamento interessantes, e é uma descendente direta de “Some Velvet Morning”, de Lee Hazlewood.

Que fique claro, não são canções ruins, até porque os caras são excelentes músicos (e nem precisava repetir isso aqui) e possuem a manha para transformar qualquer arranjo, por mais simples que seja, em algo realmente interessante, seja nas linhas sinuosas do baixo de Flea, nas batidas certeiras de Chad Smith ou nas camadas de guitarras e experimentações de John. Os vocais de Anthony seguem o padrão de sempre, alternando as formas de cantas entre o estilo “rapeado”, suave (nas baladas) ou cantando ao estilo Funk.

Feitas as contas, a verdade é que faltam canções realmente empolgantes, e essa ausência já vem de alguns álbuns. Se em trabalhos anteriores muitos atribuíam isso ao Josh, o equívoco vira então fumaça com o retorno tão sonhado de Frusciante. O tempero que parecia faltar ao grupo para voltar a ser feliz (que parece se confirmar em vista das declarações de todos os integrantes), não é suficiente para dar um sabor mais marcante ao disco de 2022 de uma banda beirando as quatro décadas e que segue, de muitas formas, presa a alguns paradigmas de 20 anos atrás. E ainda que “Black Summer”, “Here Ever After”, “White Braid & Pillow Chair” e “Tangelo” sejam bons momentos do álbum, no final das contas, é pouco para segurar um disco de 73 minutos.

Apesar do trabalho de guitarras de Frusciante mais encorpado e, em muitas canções, responsável por dar um algo a mais, isso não é suficiente para tirar de Unlimited Love a sensação de um álbum mediano, desnecessariamente longo e com momentos de cansaço e auto repetição, às vezes até buscando emular fases anteriores, mas sem alcançar resultados tão ardentes.

+++ Leia na coluna Esse Eu Tive Em Vinil sobre ‘Freaky Stiley’, do Red Hot Chili Peppers 

Concluindo, é bastante inexato comparar a química entre os três quartos do RHCP e Frusciante como uma relação familiar, afinal é possível criar ligações profundas e duradouras, às vezes quase telepáticas, sem quaisquer laços sanguíneos, com um amigo, por exemplo. Vale aquela velha frase: “tem amigos que são como irmãos”. Essa apimentada, provocada pela volta do amigo de longa data, na vontade dos músicos para seguirem adiante é ótima. Ou seja, como um disco de celebração, um almoço entre amigos, Unlimited Love é ótimo. Mais isso, por si só, não é suficiente para produzir um grande álbum, principalmente de uma banda que sempre se espera mais.


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