Preocupantemente necessária, ‘Uma Pequena Luz’ é uma minissérie fundamental


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Foto: Divulgação

Baseada em acontecimentos reais, ‘Uma Pequena Luz’, minissérie de oito episódios, conta a história de Anne Frank pelo ponto de vista de Miep Gies

Uma das características mais marcantes da boa arte é a capacidade de fomentar reflexão a respeito de nós mesmos e do mundo ao nosso redor. E quando essa arte conta uma história real que se passou oitenta anos atrás e, ainda assim, nos causa “incômodo”, estamos diante de um verdadeiro triunfo!

Em meados de novembro de 2022, poucas horas antes de uma reunião para imigrantes haitianos na cidade de Itajaí, em Santa Catarina, a organizadora do evento Andrea Muller recebeu um singelo e-mail com o assunto: “Cancelem a Mostra Haiti ou faremos uma chacina em Itajaí”. No conteúdo da curta mensagem o remetente (covarde) anônimo dizia: “Santa Catarina é terra de brancos e para brancos”, assinando com a saudação nazista “Sieg Heil”.

Este é apenas um dos inúmeros casos investigados pela Policia Federal que remetem ao crescimento exponencial, principalmente após 2019, de células neonazistas no Brasil. Fato corroborado pela CONIB, a Confederação Israelita do Brasil e também por pesquisadores da Unicamp. O crescimento exponencial do conservadorismo no Brasil seria a explicação para tal anomalia.

Porém toda e qualquer explicação parece tola ao mergulharmos novamente no passado, mais precisamente durante a 2ª Guerra Mundial, entre os anos de 1941 e 1944, período no qual se passa a minissérie Uma Pequena Luz.

Baseada em acontecimentos reais, a série consiste em oito episódios com doses cavalares de suspense e tensão ao contar a história de Miep Gies, uma simples secretária holandesa que durante a ocupação nazista conseguiu. instintivamente. esconder, alimentar e proteger, em um pequeno sótão, oito judeus por dois longos anos.

Dentre estes oito “fugitivos” estava a família Frank, que se tornou notória posteriormente após a publicação do famoso livro O Diário de Anne Frank, escrito pela filha caçula da família durante os anos em cativeiro. Porém, ao contrário de outras inúmeras adaptações sobre o tema, incluindo filmes, séries e desenhos animados, Anne Frank e sua família são meros coadjuvantes aqui. E isso muda tudo!

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Bel Powley e Liev Schreiber em ‘Uma Pequena Luz’ 2023

Atribuir o protagonismo a Miep não só agrega muito frescor a uma história conhecida como possibilita a abordagem por uma perspectiva poucas vezes explorada: o das pessoas comuns que tiveram seu país invadido de repente e que apesar de “livres”, por não serem alvo direto dos nazistas, eram forçadas a serem coniventes com um regime com o qual não compactuavam.

As atrocidades “normalizadas” pelo nazismo, como a perseguição e extermínio de seres humanos (judeus, homossexuais, etc.), são abordadas da maneira mais coerente possível, ou seja, através do olhar perplexo de Miep, que vê suas relações com amigos e familiares estranhamente mudarem à medida em que a guerra avança.

Outra decisão muito acertada do roteiro é não mostrar explicitamente essas atrocidades. O que fica explícito aqui são as ideias. A violência e o poderio nazista são apenas citados e nunca mostrados de fato. Assim a sensação de perigo e tensão sufocante se desenvolve narrativamente no poder certeiro do horror sugerido e, obviamente, nos desdobramentos devastadores sobre cada família dividida e no peso real de cada perda.

Impossível não perceber que a obra conversa com os dias atuais ao abordar os diferentes tipos de comportamento diante da instauração do fascismo. Tem aqueles personagens que jogam a consciência no saco e se filiam com orgulho ao partido nazista, aproveitando o status social e os ganhos financeiros disso. Tem também os personagens que diante das maiores atrocidades, fecham os olhos e dizem que não se metem em política, fazendo parte da triste bolha dos isentos. Mas, felizmente, existem aqueles que simplesmente sabem instintivamente a importância e o valor incomensurável de cada vida humana, e fazem o que podem para ajudar. Mesmo na companhia constante do medo de serem punidos ou mortos apenas por optarem fazer o bem.

O que mais assombra é que, 80 anos depois, parece que ainda não aprendemos nada. Não conseguimos nos desvencilhar das guerras, e o ideal neonazista ainda nos ronda como um pesadelo ruim que nunca termina.

Apesar de parecer óbvio, a história serve para nos lembrar dos erros que cometemos e para usarmos este aprendizado a fim de não errarmos novamente. Nesse sentido, Uma Pequena Luz é uma obra fundamental e que deve ser discutida e difundida o máximo possível.

+++ Leia a crítica da serie ‘Them’, da HBO

Trata-se de uma das melhores séries do ano e como seu próprio título sugere, estamos diante de uma obra que lança uma pequena luz sobre a escuridão sem sentido da guerra e da intolerância. Uma maldade vergonhosa que só pode ter sua origem na maior das ignorâncias, a ignorância distorcida dos que se julgam, de alguma forma, superiores.

CLIQUE PARA ASSISTIR AO TRAILER

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FICHA TÉCNICA E MAIS INFORMAÇÕES:

Título Original | Ano: A Small Light | 2023
Gênero: Drama, Biografia, História
País | Idioma: EUA | Inglês/Alemão
Episódios: 08
Direção: Susanna Fogel, Tony Phelan e Leslie Hope
Criadores:  Joan Rater e Tony Phelan
Elenco: Bel Powley, Joe Cole, Liev Schreiber, Amira Casar, Billie Boullet, Ashley Brooke e outros
Avaliações: IMDB

 


 

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