Lowlife, música de elevada grandeza e obscuridade


Vocês já devem ter ouvido falar de Grangemouth, cidade escocesa que deu ao mundo o trio etéreo Cocteau Twins, lá também surgiu uma banda não tão comentada quanto o Cocteau, mas com qualidades suficientes para que se tornassem cult, Lowlife.

Antes do Lowlife, havia a banda Dead Neighbours, formada por Craig Lorentson (voz), David Steel (baixo), Ronnie Buchanan (guitarra) e Grant McDowall (bateria), com essa formação lançaram o álbum Harmony in Hell (1982), com influências nítidas de Psychobilly. A resposta escocesa ao The Cramps, afirma a revista Sounds.

Em 83, durante as gravações do segundo álbum “Strangedays/Strangeways”, Steel deixa a banda logo após se casar. Para ajudar a finalizarem o álbum e continuar a turnê com Johnny Thunders, Brian Guthrie (irmão de Robin Guthrie, do Cocteau Twins, e empresário da banda), convida Will Heggie, que havia saído do Cocteau Twins, para assumir o baixo. Nesse álbum, a sonoridade do grupo mostra uma clara mudança em relação ao seu debute. A entrada de Heggie, seguida pela de Stuart Everest (guitarra), faz com que o som da banda siga uma direção diferente do Psychobilly de outrora, adquirindo contornos mais atmosféricos, o que não agrada a Buchanan, que deixa o grupo. Em 1984, mudam o nome para Lowlife, título de uma música do PIL, de John Lydon.

Em 85, ainda sem gravadora, a banda entrou no Palladium Studios (Edimburgo) para gravar o que seria o seu debut, o mini LP de seis faixas Rain. O disco é lançado pelo selo Nightshift, criado pelo próprio Brian para lançar os trabalhos do grupo. Apresentando uma sonoridade de matizes mais sombrias, com aproximação do gótico e pós punk, “Rain” impressiona e rende uma resenha positiva na Melody Maker, e alguma repercussão na Inglaterra, França e Estados Unidos, além de propostas de algumas gravadoras.

A reputação do quarteto escocês continua a crescer, urgindo por um álbum cheio, o que acontece em 1986 com o lançamento de “Permanent Sleep”, que traz a canção “Coward’s Way”, um dos clássicos da banda, e que já havia saído no segundo álbum do Dead Neighbours. Esse é o álbum em que a sonoridade do grupo mais se aproxima do Cocteau Twins em sua fase inicial: linhas melódicas de baixo, guitarras etéreas esparsas e um clima onírico. Novamente a repercussão foi bastante positiva, e o Lowlife ganha elogios da revistas Q Magazine, Sounds e do semanário Melody Maker, que afirmou: “Lowlife pratica uma forma mística de alquimia musical com perfeição cristalina”. Ainda: “Lowlife constrói suas profundas atmosferas através de canções hipnoticamente misteriosas”.

Apesar de grandes gravadoras interessadas em contratá-los, acabam não fechando com nenhuma.

Após menos de um ano lançam o álbum “Diminuendo”, produzido por Keith Mitchell e lançado também pela Nightshift Records. Acreditava-se que a banda poderia conseguir um contrato com a 4AD, o que não vingou. Nesse álbum, a sonoridade do grupo passa por pequena mudança, com um lado mais denso e aproximação com o pós-punk. Destaca-se a faixa ‘A Sullen Sky”. O álbum é precedido pelo EP Vain Delights, que consegue boa rotação na rádio BBC, inclusive pelo DJ John Peel. A gravação de um videoclipe para “Hollow Gut”, também ajuda na divulgação da banda. Segue-se uma turnê britânica com a banda The Go-Betweens, que busca ampliar e diversificar o público do Lowlife. É nessa turnê que a banda faz o seu “show perfeito”, nas palavras de seu empresário: “possibly the best set of their career”.

Falando sobre Diminuendo, Ian Gittins, do semanário Melody Maker, escreveu: “Lowlife surge de uma graça estranha e distante, de um eco ou pausa com o drama mundial. O isolamento, a ressonância desta música pode trazer à mente a noção de música das esferas”.

Em 1988, Brian resolveu apresentar à Working Music uma fita demo com o material que a banda ensaiava para um novo álbum, Stephen Fellows, vocalista e guitarista da banda Comsat Angels, ouviu a demo e aceitou produzir o álbum, restava o sinal positivo (o dinheiro) da Working Music e Chappel Music, para a banda entrar em estúdio. Por azar, a Warner comprou a Chappel, e as coisas não deram certo.

Antes do lançamento de Godhead (1989), o terceiro álbum e último grande álbum da banda, é a vez de Everest deixar o grupo, entra Hamish McIntosh na guitarra, e a recepção ao novo disco já não é tão calorosa quanto a obtida pelos outros, ainda assim recebe elogios. Faz parte dele uma das melhores faixas compostas pela banda, In Thankfull Hands.

No começo de 90, mais duas baixas: McDowall (um dos fundadores da banda) deixa o grupo e a música após perder um dedo em uma partida de futebol; e McCintosh, que vai se dedicar a sua banda Fuel. Substituídos por Martin Fleming (bateria) e Hugh Duggie (guitarra), respectivamente. Enquanto isso, acontece o lançamento da coletânea From a Scream to a Whisper, com canções de singles e álbuns, uma forma de apresentar a banda aos novos fãs.

O ano de 1991 é marcado por uma série de problemas financeiros do selo Nightshift, ocasionado principalmente pela quebra da Rough Trade Distribution, responsável pela distribuição dos álbuns de vários pequenos selos, que ficam sem opção de distribuição.

San Antorium, lançado em 1991, é o álbum mais pop do grupo. Para as gravações banda levou para o estúdio uma porção de músicos convidados. Talvez o álbum mais fraco lançado pelos escoceses, destaca-se a faixa “Good As It Gets”, por ter uma pegada mais melódica e voltada para o início da carreira. O álbum tem parte de suas despesas custeadas pelo próprio Brian Guthrie e, mais uma vez, tem uma recepção positiva, porém mais contida por parte da imprensa. A banda não faz turnê para promovê-lo, fato que se repetiria com Gush (1995), seu derradeiro álbum e o único não lançado pela Nightshift Records, mas pela Anoise Annoys Records. Gush traz canções com os backing vocals de Jennifer Bachen.

Lowlife seguiu fazendo esparsas apresentações até 97, quando resolveram parar de vez, embora não tenha sido oficialmente o fim.

Em 2006, a banda teve todo seu material remasterizado e editado em CD pelo selo LTM, incluindo faixas bônus e notas de seu empresário e fã Brian Guthrie.

Em junho de 2010, uma notícia muito triste, o falecimento do vocalista Craig Lorentson, aos quarenta e quatro anos.

Ao contarem a história da música feita em solo britânico nos anos 80, provavelmente o nome Lowlife não aparecerá lista entre os ícones daquela década, quem sabe apareça o ‘Lowlife’, álbum do New Order, assim como o nome dos Smiths, The Cure, Cocteau Twins e outros. Isso em nada diminui a grandeza dos álbuns lançados pela Lowlife, se não em influências, mas em compor canções memoráveis.

+++ Leia o ESPECIAL sobre Young Marble Giants

PS: Em 2012 começou a ser produzido o documentário Eternity Road: The Story of Lowlife, que até chegou a ter um teaser de um minuto e poucos segundos, mas parece que o projeto não foi adiante, já que não há notícias a respeito.


DISCOGRAFIA:
Permanent Sleep (1986)
Diminuendo (1987)
Godhead (1989)
San Antorium (1991)
Gush (1995)

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